Santo Expedito: o famoso santo que pode nunca ter existido
Edison Veiga
Ele é um dos santos mais famosos do catolicismo, igrejas dedicadas à sua veneração atraem multidões, fiéis fazem promessas e novenas para ele especialmente quando necessitam resolver alguma causa urgente. Mas, de acordo com especialistas, pode ser que Santo Expedito nunca tenha existido de fato.
Os relatos que fiam sua existência, parcos e imprecisos, costumam situá-lo entre os século 3 e 4 em Melitene, uma cidade que funcionava como base militar romana na Armênia. Mas são tantas as controvérsias que cercam sua biografia — e mesmo seu nome — que muitos hagiógrafos preferem não cravar que a figura tenha sido real.
Na edição atualizada em 2001 do Martirológio Romano, o catálogo dos santos da Igreja Católica, o santo não aparece. Mas isso não significa que seu culto não seja reconhecido — em casos assim consolidados, a tradição costuma falar mais alto do que os lastros documentais.
“Eu costumo buscar sempre como fonte o Martirológio Romano. O nome de Santo Expedito já esteve em edição antiga do Martirológio, mas, no atual não consta”, comenta o pesquisador José Luís Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor na Universidade Estadual Vale do Acaraú, no Ceará.
“Se se põe em xeque a existência dele, por outro lado ele foi um mártir naqueles tempos em que a Igreja não possuía muito controle sobre as santificações, sendo essas aferidas pelas atas dos martírios que deram origem ao Martirológio”, pondera o especialista.
“Foram e são muitos os mártires daqueles primeiros séculos do cristianismo. Ele teria vivido entre os séculos 3 e 4 da era cristã. Seria um soldado romano. Sua iconografia o apresenta em traje de legionário, vestido de armadura, túnica curta e manto jogado atrás das espáduas.”
Estudioso de cristianismo antigo, o hagiólogo Thiago Maerki, pesquisador na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e associado da Hagiography Society, nos Estados Unidos, explica que o registro de Santo Expedito constou do chamado Martirológio Jeronimiano, o mais antigo catálogo dos mártires cristãos, cuja autoria foi provavelmente de um religioso anônimo mas costuma ser atribuída a São Jerônimo, eminente teólogo que viveu entre os anos de 347 e 420.
“Mas quase nada se sabe sobre sua vida [de Expedito] e é tudo muito controverso”, acrescenta Maerki. “Mas, de qualquer forma, ele se tornou um santo extremamente popular. Santinhos [pequenos folhetos com uma imagem de um lado e uma oração do outro] com seu nome são comuns nas entradas da maior parte das igrejas no Brasil.”
“Existe uma coisa chamada vox populi, a voz do povo. Quem cria os santos é o próprio povo. As lendas permanecem e não compete à fé questionar a realidade ou a veracidade dos santos”, diz o pesquisador. “À fé basta apenas acreditar. Quem se preocupa com a veracidade é a ciência. E Santo Expedito se tornou um santo querido no Brasil e em diversos outros países, muito cultuado.”
Diz a história oficial…
A história que acabou se tornando a versão oficial sobre Santo Expedito foi a de que ele teria sido um militar romano de alta patente, comandante da 12ª legião, também chamada de Fulminata, cujos homens estavam arregimentados em Melitene.
A missão do batalhão era proteger o império romano de potenciais invasões de povos do oriente. Sob o comando de Expedito estariam quase 7 mil soldados.
Como ele professava o cristianismo, acabou sendo alvo das sanguinárias perseguições do imperador Diocleciano (243-312). E, no dia 19 de abril de 303 teria sido ele martirizado e decapitado com espada, depois de ter se negado a converter-se aos deuses pagãos. “[A condenação] foi juntamente à de seus soldados”, conta Maerki.
De acordo com o pesquisador, essa é a lenda mais recorrente quando se procura contar a história de Expedito. Relata-se também que sua conversão ao cristianismo teria ocorrido de forma milagrosa, já que ele estaria decidido a abraçar a nova fé enquanto era tentado por um demônio, que lhe aparecia na figura de um corvo, dizendo “amanhã, amanhã”.
“Ele teria pisado na criatura, esmagado-a e dito: hoje”, narra Maerki.
Por isso acabaria se tornando um santo evocado para causas urgentes, que jamais podem ser adiadas.
É por conta desse relato de morte em defesa da fé que Expedito acabou reconhecido como santo. “O martírio é a forma primeira de santificação. Ele se propôs a defender sua fé de tal forma que derramar seu sangue não era problema, mas, defender sua fé, sim. Por isso ele se tornou mártir, por não renegar a fé cristã”, explica Lira.
“Nisso consiste a santidade mártir. Forma de santidade ainda tão presente entre nós nos dias de hoje.”
Controvérsias
Já as controvérsias sobre sua existência real em geral partem tanto da falta de documentação quanto da própria etimologia de seu nome. “Quase nada se sabe sobre a vida e sobre o martírio dele, é muito difícil reconstruir qualquer detalhe da vida dele, justamente porque ele é lembrado em pouquíssimo documentos”, salienta Maerki.
Segundo as pesquisas do padre jesuíta belga Hipólito Delehaye (1859-1941), um proeminente hagiógrafo membro da Sociedade dos Bolandistas — grupo que se dedica ao estudo da vida dos santos — Expedito nunca existiu de fato.
“Ele questionou a veracidade da existência de Santo Expedito, acreditando na verdade que seu nome tenha sido uma pronúncia incorreta de Elpídio, no caso Santo Elpídio, que teria sido mártir também”, diz Maerki. “Ele defendia essa tese, a de que se tratava de um erro.”
Elpídio foi um abade que viveu na Ásia Menor no século 4 e que acabou se tornando santo católico.
Mas sem dúvida a história mais saborosa sobre essa possível não existência do santo tem a ver com a etimologia do seu próprio nome. “É algo curioso e muito engraçado”, comenta Maerki. “Seu nome seria derivado de ‘expeditu’, no latim [ou ‘spedito’, no italiano], que significa expedido, enviado…”
“É justamente essa palavra que era colocada em alguns pacotes contendo relíquias de santos, para serem enviadas de um local para o outro, de uma igreja para a outra”, contextualiza. “Isso acabou sendo interpretado de outra maneira, como se fosse por exemplo o nome de um santo, quando seria um pacote onde estariam relíquias. O mal entendido, então, teria criado um Santo Expedito.”
“Muitos pesquisadores se baseiam nisso para defender que o culto a Santo Expedito é, na verdade, um culto mais recente, que teria surgido no século 17. Mas já há referências ao culto a ele na Idade Média”, salienta Maerki.
Maerki conta que, por conta de tantas controvérsias, no início do século 20 houve um movimento buscando a supressão do culto ao religioso. “Muito já se cogitou, inclusive com boatos infundados dizendo que o culto ao santo teria sido banido”, comenta.
Mas a tradição, como costuma acontecer em termos de Igreja Católica, segue falando mais alto. “Não é muito fácil falar sobre ele, mas, tendo ou não existido com este nome, um soldado romano que se converteu ao cristianismo e que foi martirizado e por isso santificado, existiu”, defende Lira. “Seu nome? O que importa? Seu testemunho o fez santo.”
“Talvez ele seja, dos santos chamados populares, aquele cuja memória é de mais difícil reconstrução”, diz Maerki.
Devoção
Em Turim, na Itália, é antiga a celebração a ele como padoreiro dos mercadores. No Brasil, por sua vez, o culto acabou se disseminando por conta dos policiais militares. “Consta que a devoção no Brasil se proliferou nos anos 1980, mas, desde 1943 existe o município de Santo Expedito, em São Paulo, e outro homônimo acrescido do termo do Sul, no Rio Grande do Sul, criado em 1992”, diz Lira.
“Os policiais militares brasileiros o tem por patrono. E assim, com a divulgação de suas orações aliada à divulgação de graças alcançadas, justificam essa popularidade no Brasil.”
A ideia dele como o santo que resolve as coisas urgentes tem duas explicações. A primeira é essa lenda em que ele teria derrotado o corvo satânico que queria que ele sempre adiasse a conversão. A outra é a própria ideia do “expedido”, como uma coisa postada e enviada rapidamente. “Daí a tradição e a ocorrência de graças tem confirmado que ele é o santo que atende muito rapidamente aos apelos dos fiéis”, diz o hagiólogo Lira.