Conheça a polêmica da história de criação do Dia Internacional da Mulher

Três fatos históricos distintos deram origem à “lenda”: dois nos EUA e um na então socialista Rússia, antes da criação da hoje extinta URSS

Créditos: Imagens de uma das ruas de São Petersburgo, antiga Petrogrado, em greve liderada por mulheres tecelãs em 1917

A criação do Dia Internacional das Mulheres, celebrado anualmente no dia 8 de março, tem origem em um mito elaborado a partir de fatos históricos distintos. Reza a lenda que em 1857, 129 operárias têxteis morreram depois de os patrões terem incendiado a fábrica ocupada, em Nova Iorque (EUA). Elas protestavam por aumento de salário e jornada de 12 horas diárias.

Esse mito de criação mistura três fatos históricos distintos: dois ocorridos no capitalista Estados Unidos e um na então socialista Rússia, antes da criação da hoje extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

O primeiro, em Nova Iorque, foi uma longa greve de costureiras, que durou de 22 de novembro de 1909 a 15 de fevereiro de 1910.

O segundo, na mesma cidade, em 1911, ocorreu quando uma fábrica de tecidos chamada Triangle Shirtwaist Factory (Companhia de Blusas Triângulo, em tradução livre) pegou fogo em decorrência das péssimas condições de segurança do local, matando 146 pessoas. Dentre os mortos, 129 eram mulheres – 90 delas se jogaram pelas janelas do prédio.

O terceiro fato histórico que deu origem ao mito foi a greve de tecelãs e costureiras de Petrogrado (atual São Petersburgo), na Rússia, em 1917, em plena Primeira Guerra Mundial. Naquele 23 de fevereiro, no calendário russo (8 de março no ocidental), as socialistas celebraram o seu primeiro Dia da Mulher.

Um grande número de mulheres operárias do setor de tecelagem e costura saiu às ruas em manifestação por pão e paz. Elas bateram de frente com a decisão dos líderes bolcheviques, que consideraram o movimento inoportuno.

A greve de tecelãs e costureiras foi o estopim para a primeira fase da Revolução Russa, a Revolução de Fevereiro. Em outubro, o Partido Bolchevique liderou a grande Revolução Russa ao longo de dez dias que abalaram o mundo.

O episódio foi documentado em escritos dos líderes bolcheviques Alexandra Kollontai e Leon Trotsky, que dedica um longo trecho ao registro no primeiro volume de seu livro História da Revolução Russa.

“O dia das operárias, 8 de Março, foi uma data memorável na história. Nesse dia, as mulheres russas levantaram a tocha da revolução.”
Alexandra Kollontai

“…contra todas as orientações, as operárias têxteis abandonaram o trabalho em várias fábricas e enviaram delegadas aos metalúrgicos para pedir-lhes que apoiassem a greve.”
Leon Trotsky

Indústria têxtil foi estopim para as mudanças

Independente de qual tenha sido a origem ao Dia da Mulher, tanto o mito quanto os fatos que o embasam têm um ponto em comum: a indústria têxtil, um dos ramos da cadeia produtiva da moda. Não foi ao acaso que quando Karl Marx e Friederich Engels desenvolveram a teoria social que originou os marxismos, a vida das tecelãs tenha sido o ponto de partida. Àquela época a mão de obra feminina era majoritária nesse segmento. Continua sendo uma atividade essencialmente feminina até os dias de hoje.

A moda e o capitalismo têm uma trajetória a par e passo ao longo da história. E o socialismo surgiu em resposta às contradições e atrocidades do sistema capitalista. Na condição de filha predileta do capitalismo, a moda reúne todos os atributos para prosperar o Grande Capital: culto a fantasias e novidades, instabilidade, temporalidade e efemeridade.

Por outro lado, a moda também é capaz de operar mudanças nesse modo de produção para beneficiar a classe trabalhadora. Como no caso das greves – reais ou imaginárias – que alcançaram melhores condições de vida e de trabalho para operárias e operários mundo afora. Tanto em países capitalistas, quanto em sociedades de transição socialistas. A moda está costurada com a política ao refletir a forma como nos comportamos e pensamos sobre a sociedade em que vivemos.

Liberdade para mulheres socialistas e capitalistas

A partir do começo do século XX, a batalha das socialistas pela libertação da mulher cruzou com a do movimento das sufragistas estadunidenses e inglesas. Em sua maioria pertencentes às classes média e alta, as mulheres que lutavam pelo direito de votar tinham relações de conflito com as socialistas. Eram visões de mundo e posição de classe diferentes.

A origem mitológica do Dia da Mulher esvaziou a luta das mulheres socialistas pelos avanços celebrados. A libertação da mulher tem origem na luta socialista. A ideia da libertação da mulher nasceu no seio das revoluções anticapitalistas no final do século XIX e começo do século XX.

A bandeira liberal capitalista sequestrou as raízes socialistas do Dia da Mulher. Em plena Guerra Fria, na década de 50, o mito foi galvanizado e seu nascimento passou a ser identificado em um evento que nunca existiu.

Talvez, a famosa greve do 1º de maio, na Chicago de 1886, e as numerosas greves nas tecelagens americanas estimularam as fantasias e levaram a enfatizar a participação dos Estados Unidos na luta da mulher, o que favoreceu esta confusão de datas.

Derrubar o mito de origem da data 8 de Março não desvaloriza em nada o significado simbólico da data. Porém, lança luz e reveste de significado histórico, factual, sobre a relevância das revoluções socialistas do século XX para avanços da classe proletária, até no mundo capitalista.

Grupos feministas de Chicago e Nova Iorque ligados ao Partido Socialista Americano estipularam, em 1909, a data 28 de fevereiro como Dia da Mulher. Em 1910 em Copenhague, na Dinamarca, foi realizada a II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas.

No evento, as socialistas e feministas estadunidenses apresentaram a proposta de criação de um Dia Internacional da Mulher que seria celebrado anualmente no último dia de fevereiro. A proposta foi aprovada sem definir uma data específica para a celebração. Alguns países comemoravam em fevereiro, como os EUA, e outros o faziam em meses entre em março e maio.

Organizações da luta feminista tentaram por diversos anos unificar a data do Dia da Mulher. Estabeleceram em 1914 a data atual de 8 de março, mas nem todos seguiam essa data.

Em 1921, ocorreu em Moscou, na Rússia, a Conferência das Mulheres Comunistas que adota o dia 8 de Março como data unificada do Dia Internacional das Operárias. A partir dessa Conferência, a 3ª Internacional, recém-criada, espalhará a data 8 de Março como data das comemorações da luta das mulheres.

Durante o período entre as duas Guerras Mundiais, o stalinismo da União Soviética e o avanço do capitalismo ocidental na sua versão clássica americana, ou na sua versão social democrata europeia, não tinham interesse em comemorar o 8 de Março.

Após a 2ª Guerra Mundial, o bloco comunista retoma as comemorações do 8 de Março. Somente em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou o Dia Internacional da Mulher. Mesmo que tenha tido origem nos EUA e não na extinta URSS, foram as mulheres socialistas que criaram a data.

Raízes em obras de Marx e Engels

As raízes desta batalha podem ser encontradas nos escritos de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). A visão da família, da mulher proletária e da burguesa que permeiam A Origem da Família, da Propriedade e do Estado, de Engels, é a base da visão dos socialistas sobre a necessidade da libertação da mulher proletária.

“A opressão do homem pelo homem iniciou-se com a opressão da mulher pelo homem.”
Karl Marx 

O mito do Dia da Mulher apagou até a cor vermelha das bandeiras de mulheres revolucionárias como Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai. Elas foram delegadas na 1ª Conferência das Mulheres Socialistas, em 1907; e da 2ª, na Dinamarca, em 1910. Nesta última foi decidido que as delegadas, nos seus países, deveriam comemorar o Dia da Mulher Socialista.

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