Em dezembro de 2014, a Seleção de Cachoeira conquistou o seu oitavo título do Intermunicipal de Futebol após um jejum de 15 anos. A festa teve ainda um componente especial: Cachoeira contou com o suporte espiritual, naquela ocasião, de Edvaldo de Jesus Conceição, ogã e presidente executivo da Sociedade Cultural Roça do Ventura, a representação civil do Terreiro Seja Hundé. De nação jeje mahi, localizado em Cachoeira, o terreiro é bem cultural do Brasil, reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mais conhecido como Buda de Boboso, o ogã realizou alguns ebós, que podem ser definidos como práticas das religiões afro-brasileiras especialmente para fins de purificação contra as más energias que atrapalham a sorte em vários segmentos da vida. O registro feito na edição de A TARDE de 23 de dezembro de 2014 abre espaço para o debate das relações antigas entre as práticas das religiões afro-brasileiras e o futebol afinal neste final de semana começa o Campeonato Brasileiro, que é o mais importante torneio deste esporte no país.
“A seleção estava desacreditada, era a pior do campeonato, quando algumas pessoas me chamaram para trabalhar com o time. Depois que a força de nossos orixás se uniu com a dos jogadores, nos fortalecemos e tá aí o título”, vibrou, orgulhoso do resultado. Na decisão por pênaltis, Edvaldo estava ajoelhado atrás do gol, agarrado a uma cruz cheia de bonecos pendurados. “Estava pedindo para meu pai Ogum que incorporasse no corpo de Lucas (goleiro) e pegasse aquela bola. Ele pegou”. (A TARDE, 23/12/2014, Esportes, p.3).
Ao assumir a responsabilidade de cuidar da Seleção de Cachoeira, Buda continuou a trajetória iniciada por seu pai, Ambrósio Bispo Conceição, conhecido como Boboso, também ogã do Seja Hundé, que, além da Seleção de Cachoeira, deu suporte ao Vitória. Na Seleção de Cachoeira, Buda diz que seu trabalho consistiu em preparar ebós, mas também cuidar da purificação de uniformes e chuteiras. Desde a primeira partida, contra a Seleção de São Félix, a cidade vizinha separada apenas pela ponte sobre o Rio Paraguaçu e com quem a rivalidade, óbvio, é muito grande, os resultados começaram a aparecer.
Tanto que para a partida final, Cachoeira chegou em Santaluz, casa adversária, com uma vantagem de gols. Mas devido a questões de regulamento, os uniformes que tinham passado pelo processo de purificação feito por Buda não podiam ser usados. “Eu já estava desesperado, mas aí avistei um dirigente da liga e aí resolvemos a questão das novas camisas”.
Só que apareceram novos problemas dentro de campo com Santaluz fazendo gols e tirando a vantagem de Cachoeira. “Tive que ligar para o rapaz que estava no suporte lá em Cachoeira e aí fazer umas coisas por lá”, relata Buda. Nova vantagem para Cachoeira e a decisão foi levada para a disputa de pênaltis. Vitória do grupo de Buda. “No final, assim que Cachoeira recebeu a taça, caiu um pé d´água em Santaluz, depois de muito tempo sem chover. Foi emocionante”, diz Buda, que, não voltou a dar suporte espiritual a times de futebol depois dessa experiência de 2014, mas ainda atende pessoas que conheceu neste período, inclusive de Santaluz.
Tensão
No passado, para alguns sacerdotes de candomblé, diferentemente do que aconteceu com Buda, essa proximidade com o mundo do futebol virou fonte de problemas. Na edição de 1º de junho de 1979, por exemplo, Manuel Rufino Souza, conhecido como Rufino do Beiru, um tata de inquice, que é o título usado quando o posto de mais alto sacerdote de um terreiro de tradição angola é para homens, foi à sede de A TARDE contestar uma reportagem da Revista Placar. De acordo com Pai Rufino a revista lhe atribuiu a previsão de que o Vitória seria o campeão daquele ano.
“Bastante nervoso e repetindo a todo momento que não gostava e nem entendia nada de futebol, o babalorixá Manoel Rufino de Souza, mais conhecido como “pai” Rufino, esteve ontem à tarde em nossa redação para desmentir uma reportagem da revista Placar desta semana, atribuindo-lhe declarações de que o Esporte Clube Vitória será o campeão baiano, este ano, baseado nas respostas que os búzios lhe deram. Pai Rufino, assim como seu filho, o ogan Antonio Rufino não está nem um pouco satisfeito com a reportagem. O babalorixá garante que as declarações a ele atribuídas são mentirosas, pois segundo ele, nunca jogou búzios para saber se esse ou aquele clube ia deixar de ganhar ou perder uma partida, campeonato, um torneio, etc”. (A TARDE, 1/6/1979, p.14).