Do UOL
As provas colhidas pela Polícia Federal indicam que auxiliares do ex-presidente Jair Bolsonaro mentiram em seus depoimentos sobre o armazenamento das joias dadas de presente ao governo brasileiro.
Ouvidos no inquérito sobre a tentativa de retirada do kit de joias sauditas na alfândega do Aeroporto de Guarulhos, Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara afirmaram que um outro conjunto de joias sauditas presenteadas a Bolsonaro ficou armazenado na fazenda de Nelson Piquet, no Distrito Federal.
As mensagens de celular trocadas entre eles e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que fazem parte da investigação da PF, mostram que eles sabiam que essas joias haviam sido levadas ao exterior para uma tentativa de venda.
Ao serem ouvidos na investigação das joias, eles foram alertados pela PF que tinham compromisso de dizer a verdade na condição de testemunhas dos fatos. Esse descumprimento pode resultar em delitos como o de falso testemunho, mas ainda não há definição se eles serão investigados também por causa disso.
Câmara e Crivelatti foram responsáveis por realizar o armazenamento das joias na Fazenda Piquet. Questionado pela PF sobre o assunto, Câmara afirmou ter “certeza” que as joias estavam na fazenda Piquet e que não foram levadas ao exterior. “Tem certeza que as joias não foram levadas aos EUA, pois o depoente estava nos EUA juntamente com o ex-presidente da República Jair Bolsonaro, e sabe que elas não estavam lá”, disse Câmara em seu depoimento prestado em 5 de abril.
Joias já estavam nos EUA desde dezembro
A PF, entretanto, encontrou diálogos mantidos entre Câmara e Mauro Cid sobre esse kit de joias, citado na investigação pelo nome “Kit Ouro Rose”. Segundo a PF, tratava-se de um conjunto de itens masculinos da marca suíça Choppard, contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe e um relógio, e foi entregue a um representante do governo brasileiro em outubro de 2021.
Em dezembro do ano passado, o material foi levado para os Estados Unidos e colocado em leilão.
O material acabou não sendo vendido e, após a publicação da reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” sobre irregularidades envolvendo joias sauditas dadas a Bolsonaro, Cid e os auxiliares do ex-presidente se mobilizaram para devolver o material. A reportagem foi publicada em 3 de março deste ano.
Mauro Cid, então, acionou Osmar Crivelatti para pegar o kit de joias nos Estados Unidos e trazer de volta ao Brasil, de acordo com as informações da Polícia Federal.
De acordo com trecho da decisão do ministro Alexandre de Moraes, “Osmar Crivelatti confirma a entrega e envia fotos do kit com o relógio e as joias e o certificado da marca Choppard, ratificando toda a contextualização dos fatos investigados e a hipótese criminal enunciada. Ao receber a mensagem da confirmação, Mauro Cid desabafa: ‘Ufa’”.
Apesar de estar ciente da trama, Crivelatti disse à PF que as joias ficaram na fazenda Piquet. “Pelo que o depoente tem conhecimento então, essas joias entraram no local de guarda na Fazenda Piquet junto com todo o transporte do acervo privado presidencial e somente de lá saiu quando retirada pelo depoente”, afirmou em seu depoimento.
Cid prestava contas a assessor em orlando
Câmara, que é coronel da reserva, tem um papel importante no esquema, conforme as provas que já se tornaram públicas nesta sexta-feira. Ele deixou o Brasil junto com Bolsonaro no voo da FAB de 30 de dezembro, antevéspera da posse de Lula. Câmara permaneceu ao lado de Bolsonaro em Orlando, a 380 km de Miami, na maior parte do tempo em que o ex-presidente esteve naquela cidade da Flórida.
De Orlando, Câmara recebia atualizações do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, por mensagens, sobre as movimentações de seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, para tentar vender as joias em Miami.
Não só Câmara sabia que as joias não estavam na Fazenda Piquet em Brasília, como foi ele que organizou que um dos conjuntos – duas esculturas em forma de Palmeira e de um barco, presenteadas pelo Reino do Bahrein ao Brasil, em 2021 – fossem transportadas de Orlando para Miami em janeiro.
Em 1º de janeiro, Câmara enviou áudios para um homem não identificado, para entregar a mala com os artefatos Cristiano Piquet. Piquet, que é empresário na Flórida, levou a encomenda de Orlando para Miami, entregando-a ao general Mauro Cid. O general tentou sem sucesso vender as esculturas depois.
O UOL não conseguiu contato com as defesas de Câmara e Crivelatti. A defesa do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e de seu pai, general Mauro Lourena Cid, disse que não se manifestaria porque não teve acesso aos autos.