A cidade no Curdistão considerada por muitos o lugar mais sagrado que existe

vista da cidade

CRÉDITO,SIMON URWIN

Por: Simon Urwin

A 125 km a nordeste de Erbil (a capital do Curdistão, uma região autônoma no norte do Iraque), fica um complexo de santuários do tamanho de uma aldeia. Lalish é o local mais sagrado do yazidismo, uma religião antiga com cerca de 700 mil seguidores em todo o mundo.

“Lalish é tão sagrada para os yazidis quanto Meca para os muçulmanos, ou Jerusalém para os seguidores do islã, do cristianismo e do judaísmo”, afirma seu diretor de relações com os visitantes, Luqman Mahmood.

O local tem 4 mil anos e também é aberto para pessoas que não sigam o yazidismo. Ele consiste de uma série de templos, com seus pináculos cônicos canelados característicos. O mais reverenciado deles contém o túmulo do xeque Adi ibn Musafir, considerado o fundador da religião.

Entrada de templo no Curdistão - ao lado da porta, fachada tem imagem de cobra
A cobra preta ao lado da porta do templo simboliza o respeito dos yazidis pela Mãe Natureza.

As origens exatas do yazidismo são controversas. Acredita-se que ele tenha mais de 7 mil anos. Ao longo do tempo, ele acabou incorporando elementos de outras religiões, como o zoroastrismo, o misticismo sufi, o cristianismo e o judaísmo.

As principais crenças do yazidismo são que existe um único Deus (“Kuda”, em idioma curdo), que criou a humanidade, enquanto todos os outros seres vivos resultaram do trabalho de sete anjos, liderados pelo anjo em forma de pavão, chamado Malak Taus.

“Outra característica importante da religião yazidi é a crença na nossa unidade com o mundo natural, que tem raízes na antiga veneração da natureza”, afirma Mahmood. “A cobra preta na porta do tempo simboliza o nosso respeito pela Mãe Natureza. Nunca matamos uma cobra, mesmo se ela for venenosa.”

A cobra é particularmente simbólica para os yazidis. Eles acreditam que a Arca de Noé teve um vazamento durante seu caminho até o repouso no pico do monte Ararat e uma serpente fechou o buraco com seu corpo, evitando que a embarcação afundasse e que todos a bordo morressem afogados.

Mulher com véu da nós em lenços de seda dentro de um templo
Dar nós em lenços de seda no interior dos templos é uma tradição popular dos yazidis. Cada cor representa um anjo e cada nó representa uma oração.

Como os muçulmanos que viajam para Meca, os yazidis são obrigados a peregrinar para Lalish pelo menos uma vez na vida. Os que moram no Curdistão ou no Iraque devem visitar a cidade pelo menos uma vez por ano.

Os peregrinos e visitantes devem entrar no complexo em roupas modestas e andar descalços, em respeito ao local sagrado.

Dentro do complexo, uma tradição popular entre os yazidis é dar girêk (nós) em lenços de seda pendurados em volta de árvores e pilares. As diferentes cores representam os sete anjos e cada nó representa uma oração.

Os yazidis acreditam que desamarrar o nó de um peregrino anterior irá conceder àquela pessoa todos os seus desejos.

 Homem queima pedaços de corda branca em local escuro
‘Servidor da casa’ queima pedaços de corda branca em troca de doações para curar os doentes, abençoar os mortos e trazer boa sorte para os vivos.

Lalish abriga apenas 25 moradores permanentes. Eles incluem um sacerdote, diversos monges, uma freira e os chamados “servidores da casa”, que são responsáveis pela limpeza, manutenção, cuidados com as florestas de figueiras, nogueiras e oliveiras da região e por recolher solo para os peregrinos. Eles afirmam que todo yazidi deve ter um pouco de solo de Lalish e carregá-lo com ele como talismã.

O solo também é uma parte fundamental dos ritos funerários dos yazidis. Ele é misturado com água sagrada de nascente e pequenas bolas de lama são colocadas na boca, nas orelhas e sobre os olhos do morto.

Moedas também são colocadas no caixão (uma antiga tradição babilônica) para que o morto tenha dinheiro para gastar no paraíso.

Potes de argila
Potes de argila nas cavernas do complexo guardam o óleo de oliva usado nas práticas devocionais.

Azeitonas das florestas de Lalish são prensadas com os pés em barris de madeira e o óleo é armazenado em potes de argila, em uma das cavernas do complexo. O óleo é uma parte fundamental das práticas devocionais.

Os yazidis rezam voltados para o sol, pelo menos duas vezes por dia, no nascer e no pôr do sol. À medida que chega o crepúsculo, são acesas em volta do local 365 lâmpadas de óleo de oliva (uma para cada dia do ano). Elas representam o sol e a luz de Deus.

Homens vestem turbantes vermelhos
O vermelho dos turbantes usados pelos homens em Lalish representa o sangue dos yazidis derramado ao longo de séculos de perseguição.

As crenças não convencionais do yazidismo geraram um longo histórico de perseguições aos seus praticantes.

“Primeiro começou no tempo de Osmã 1º [séc. 14], fundador do Império Otomano”, afirma Mahmood. “Podemos contar mais de 70 episódios de genocídio diferentes desde então, os mais recentes por Saddam Hussein (1937-2006) e por membros do Estado Islâmico.”

Mahmood prossegue contando que o jamadani – o turbante usado pelos homens yazidis – no passado era totalmente branco, mas, em Lalish, ele agora tem coloração xadrez vermelha, representando o derramamento de sangue dos yazidis.

“Vestir roupas tradicionais não é apenas sinal de respeito para os que perdemos – é também forma de manter intacta nossa cultura”, explica ele.

Dois grupos fazem refeição sobre grandes toalhas estendidas no chão
Às sextas-feiras, parentes, amigos e peregrinos reúnem-se com a família Mahmood para comer e celebrar o dia sagrado dos yazidis. ‘O alimento sela a relação de união’, segundo Edee Mahmood.

Sexta-feira é o dia sagrado dos yazidis, quando os membros da comunidade reúnem-se em Lalish em grandes números, para rezar e socializar-se.

“O alimento sela a relação de união”, afirma a esposa de Luqman, Edee Mahmood, que me convida para o almoço com a família.

Em uma cozinha ao ar livre, ela e outras mulheres prepararam pratos com carne de carneiro e os serviram à família, amigos e peregrinos da diáspora yazidi.

Apesar de toda a hospitalidade, Edee Mahmood conta que os yazidis não se consideram uma comunidade inclusiva, já que eles não aceitam conversão, nem casamento com pessoas de outras religiões.

“Se mantivermos o yazidismo puro, podemos manter nosso modo de vida”, explica ela. “Isso mantém nossas almas em paz e significa que somos capazes de suportar tudo o que vier ao nosso encontro.”

“Sem raízes profundas, a árvore logo irá cair. O mesmo ocorre com o yazidismo.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *