‘Nasceu segurando o DIU’: quais as chances de engravidar usando método contraceptivo?
Facilmente encontradas na internet, fotos de recém-nascidos com minúsculos dedos entrelaçados em DIUs podem dar a impressão de que o método contraceptivo falha com frequência.
A ideia de que um recém-nascido poderia vencer o método contraceptivo e chegar ao mundo segurando-o como um troféu é pouco factível.
A realidade, apontam os especialistas, é que os dispositivos intrauterinos, sejam eles de cobre ou hormonais, estão classificados entre os métodos mais confiáveis para evitar gestações não planejadas.
Ambos os tipos são indicados por estudos como métodos com taxas de proteção superiores a 99%, algo que se compara aos procedimentos cirúrgicos, como a laqueadura para mulheres ou a vasectomia para homens.
As fotos ou notícias de mulheres que engravidaram com o DIU, de acordo com as médicas entrevistadas pela BBC News Brasil, costumam chamar a atenção justamente pela raridade desses eventos.
“Enquanto a probabilidade de gravidez associada a este método não chega a uma em cada 100 mulheres por ano, a pílula, por exemplo, apresenta uma probabilidade de nove em cada 100 mulheres. Gestações, mesmo com o uso de pílula, não costumam surpreender, mas um bebê que nasceu de uma mulher que usava DIU, por ser muito raro, costuma despertar interesse”, avalia Helga Marquesini, ginecologista do Hospital Sírio Libanês.
Nos estudos clínicos, ambos os métodos contraceptivos (e outros, como injeções e adesivos) demonstram uma boa eficácia. Mas, na prática, as taxas de falha dos métodos de ação rápida podem variar bastante, uma vez que é necessário lembrar-se de utilizá-los da forma correta.
Com o uso “ideal” da pílula combinada de progestagênio, por exemplo, o risco de engravidar é de 0,3%. No entanto, o número sobe para 8% no uso chamado de “típico”, no qual as mulheres eventualmente esquecem de tomar o remédio ou acabam tomando-o em diferentes horários.
Como resultado, os contraceptivos de ação prolongada, como o DIU, demonstram ser até 20 vezes mais eficazes na prevenção da gravidez, de acordo com dados da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
Nos casos raros em que o DIU realmente falha, costuma ser porque está mal posicionado, explica a médica.
“Se o DIU se mover e ficar posicionado muito baixo dentro do útero, isso poderia aumentar a possibilidade de falha do método contraceptivo. É por isso que recomendamos que a paciente passe por consulta para checar a posição do dispositivo, o que pode ser feito com ultrassom, pelo menos uma vez ao ano”, explica a ginecologista Ilza Monteiro, vice-presidente da Comissão Nacional de Anticoncepcionais da Febrasgo.
Por que um bebê ‘nascer segurando o DIU’ é extremamente improvável
Durante o desenvolvimento fetal, o bebê é envolto pela bolsa amniótica, uma estrutura que o isola do restante do útero e proporciona proteção. Paralelamente, o DIU permanece na cavidade uterina, sem ter contato direto com o bebê em formação.
“Ainda que a membrana rompesse, o bebê teria que ir buscar o DIU, o que sabemos que não acontece. Essas fotos são montadas, e o método acaba sendo difamado por conta disso.”
Além disso, o processo de nascimento envolve a passagem do bebê pelo canal do parto, enquanto o útero se contrai para expulsá-lo. De acordo com as especialistas, é extremamente improvável que o DIU fosse expelido junto com o bebê, e ainda mais, em sua pequena mão.
Nos episódios raros em que o DIU falha e a gravidez ocorre com a presença do dispositivo, a equipe médica precisa avaliar se é possível remover o DIU.
“Quando realizamos a remoção do DIU em condições favoráveis, conseguimos mitigar os principais riscos, que incluem infecção na bolsa amniótica, aborto, descolamento prematuro de placenta, sangramentos durante a gravidez e trabalho de parto prematuro”, explica Helga Marquesini.
“No entanto, é importante ressaltar que, lamentavelmente, os dados indicam que, mesmo após a retirada do DIU, não conseguimos reduzir essas complicações para níveis equivalentes aos de mulheres que engravidaram sem o uso de DIU. Portanto, a taxa dessas complicações permanecerá ligeiramente elevada após a remoção, embora a retirada do dispositivo contribua significativamente para a redução desses riscos.”
DIU: o que é e como age no organismo
O DIU é um dispositivo projetado em formato de “T” que é inserido através do colo do útero até a cavidade uterina com o objetivo de prevenir a concepção.
A versão hormonal e a versão de cobre do DIU têm mecanismos de ação distintos, mas ambas compartilham uma mesma missão final: impedir que os espermatozoides encontrem os óvulos.
No caso do DIU de cobre, o objeto, sendo um corpo estranho dentro do útero, provoca uma reação inflamatória que torna os espermatozoides mais lentos ou até inativos, impedindo o seu progresso até as trompas e o encontro com o óvulo.
Já os dispositivos hormonais contêm levonorgestrel, um tipo de progesterona semelhante à que ocorre naturalmente na segunda fase do ciclo menstrual.
Sua ação é criar um tampão espesso e denso, dificultando o caminho dos espermatozoides da vagina até o útero e as trompas.
A maioria das mulheres pode usar um DIU, mas em algumas situações não são recomendados. As contraindicações incluem casos de problemas no útero, infecções pélvicas recentes, sangramento vaginal sem explicação, gestação corrente ou alergia ao cobre (no caso da versão do dispositivo feita deste material).
Algumas contraindicações específicas também se aplicam aos tipos de DIU que liberam hormônios, como histórico familiar de cânceres hormônio-dependentes, como câncer de mama hormônio-positivo e câncer de ovário.
O DIU de cobre costuma ser mais barato, é oferecido pelo SUS e tem uma durabilidade maior (10 anos, enquanto o hormonal dura 5 anos), mas também pode aumentar as cólicas e o sangramento menstrual — sintomas que o DIU hormonal ameniza —, segundo especialistas.
“Se não houver nenhuma dessas contraindicações, passa a ser uma escolha da mulher. É especialmente interessante para mulheres jovens, que tendem a esquecer mais de tomar a pílula, ou para aquelas que têm rotinas muito agitadas”, diz Marquesini.
Apesar da alta proteção contra gestações, é preciso lembrar que os DIUs não protegem contra infecções sexualmente transmissíveis, e, por isso, mesmo com o método contraceptivo, o uso de camisinha é essencial.
“É preciso quebrar a ideia de que, com o DIU, a mulher está totalmente protegida. Tenho observado, nos últimos anos, um aumento de mulheres contraindo ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) — inclusive mulheres grávidas. Além disso, para quem quer evitar a gestação, a camisinha é uma camada a mais”, aponta a ginecologista Ilza Monteiro.
DIU não prejudica fertilidade de quem quer engravidar no futuro
Tanto o DIU de cobre quanto o hormonal não têm efeitos permanentes sobre a fertilidade, de acordo com os especialistas.
Uma vez removido, o DIU deixa de exercer seu efeito contraceptivo, o corpo retorna ao funcionamento normal do ciclo menstrual e à ovulação, possibilitando a concepção quando ocorrer o momento desejado.
Estudos não demonstraram diferenças nas taxas de gestação após 1 ano entre ex-usuárias de do dispositivo, implantes, outros contraceptivos ou em não usuárias.
Em uma revisão científica que avaliou 17 diferentes estudos, a média de tempo para gravidez foi de 2 a 4 meses após uso de pílulas ou DIUs e de dois a sete meses após uso de implantes.