Caetano Veloso foi alvo de atentado a tiros e bomba no verão de 90

Críticas políticas teriam motivado ataque à casa do artista: ‘Se a intenção era me amedrontar, conseguiram’, admitiu. Relembre

Caetano Veloso mostra onde um dos três tiros que atingiram sua casa, em Ondina, passou. Ataque foi em janeiro de 1990. Crédito: Lúcia Correia Lima/Arquivo CORREIO

“Quero voltar a morar na Bahia e cantar lá todas as semanas”, comentou o cantor e compositor Caetano Veloso em entrevista para um jornal uruguaio, em junho. Aos 81 anos, completados no último dia 7, o artista deve emendar o próximo verão com as demais estações da vida (longa), reinstalando-se definitivamente em Salvador ao se aposentar das longas turnês, mas não dos shows.

Enquanto seu leonino não vem, retorno ao verão de 1990, quando ainda não dava pra ver tantos cabelos brancos na fronte do artista, mas motivo de preocupação não faltava. Na edição daquele 27 de janeiro, o CORREIO trazia entre os destaques da capa o título “Atentado a tiros e bomba choca Caetano”, seguido de um breve resumo sobre o ataque à residência do cantor, no bairro de Ondina, que por pouco não vitimou ele, sua digníssima ou algum empregado.

“A explosão de um coquetel molotov e tiros de revólver calibre 32 tiraram o sono do cantor Caetano Veloso e sua mulher Paula Lavigne, ontem. Às 2h20 da madrugada, o casal se preparava para dormir quando ouviu barulho de vidro se partindo. Passada a primeira suspeita de assalto, a polícia foi chamada e ficou de guarda na casa do compositor durante o resto da noite. Um dos tiros atravessou a sala de estar e, segundo investigações preliminares, foi disparado a uma distância de oito metros. Chocado, Caetano criticou o ‘banditismo’ e a ‘degradação das relações sociais’ vigentes na Bahia”. A empregada Vanusa Macedo e o caseiro Arlindo Barbosa também estavam no imóvel, na atual Avenida Milton Santos, mas saíram igualmente ilesos. Apenas um susto.

O incidente, do qual pouca gente lembra [vide a coluna Baianidades da semana passada, na qual desenterrei a história de um bandido arrependido que devolveu carro furtado de Gilberto Gil, no mesmo endereço, no começo de 1988], ocorreu dias após Caetano criticar a gestão municipal, naquele início de 90.

Narciso em férias

No livro ‘Caetano – Uma biografia’, os autores Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco lembram que naquele verão, Caetano chegou para passar as férias na capital baiana e só enxergou nela defeitos. “Nunca tinha se deparado com tanto abandono, tanto desprezo. A fama de cidade suja se espalhava pelo Brasil na mesma velocidade que o lixo se alastrava pelas ruas”, cita a obra, que recupera uma coletiva de divulgação do álbum ‘Estrangeiro’, no Teatro Iemanjá, do antigo Centro de Convenções, na qual os jornalistas acabaram enveredando por temas políticos.

“Caetano aproveitou o momento e despejou toda a sua queixa de cidadão baiano. Fez duras críticas à administração do então prefeito Fernando José. No calor da discussão, até hipótese de renúncia foi levantada”, cita a biografia, que vai sugerir uma relação entre aqueles comentários ferinos e o atentado ocorrido dias depois.

“No fim, tudo daria em pizza. Ninguém seria preso. Caetano dormiria com essa e engrossaria as estatísticas de violência no país. Outras armas já haviam sido apontadas para ele em situações anteriores. Daquela vez foi diferente. Apertaram o gatilho. Quem atirou podia tê-lo ferido ou, quem sabe, calado sua voz para sempre”, conclui o trecho do livro, sem citar o empresário Pedro Irujo, padrinho político de Fernando José e que também figurou entre os possíveis mandantes. Nada provado, apenas especulado.

Balas especiais

A cobertura do CORREIO chamou a atenção para o tipo de munição utilizada no ataque. “O projétil que atingiu a casa é do tipo ‘roll-point’. Sua principal característica é, depois de acertar o alvo, abrir-se em forma de chapa batida. Esse tipo de bala, quando penetra o corpo humano, apresenta dificuldades de localização e retirada”.

Numa das fotos publicadas, o cantor aparece mostrando onde um dos tiros pegou e passou. “Com fisionomia bastante tensa, Caetano aponta o buraco de bala que chegou a entrar em casa e bater na parede da sala”, inscreve a legenda da imagem.

Capsulas de bala que atingiram a casa de Caetano Veloso e Paula Lavigne, em Ondina, durante atentado em janeiro de 1990. Crédito: Lúcia Correia Lima/Arquivo CORREIO

Durante entrevista coletiva horas mais tarde, reforçando o que passara durante o incidente, Caetano declarou que começaria a cuidar da sua segurança pessoal. “Entre as razões que o tornaram o centro de uma legião de admiradores está o fato dele, até então, jamais ter precisado e se valido desse tipo de medida”, comentava a matéria, dando conta da acessibilidade do ídolo.

Na conversa com a imprensa, Caetano Veloso estava visivelmente abatido e chocado com o que passara. “Se a intenção era me amedrontar, podem acreditar que conseguiram”, admitiu.

Junto com o trauma recente, Caetano acumulava uma grande preocupação: o quadro clínico de Pedro Gil, seu afilhado, filho de Gilberto Gil, que havia sofrido um grave acidente, após capotar o carro na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, dias antes. Uma semana depois, no dia 2, de Iemanjá, o compositor de destinos selaria o de Pedro, que não foi nem terá sido dali em diante, de forma inesperada, triste, trágica e infelizmente.

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