O Museu de Arte da Bahia (MAB) receberá nesta sexta-feira, 25, às 18h, o lançamento do novo livro do jornalista e escritor Emiliano José: Em Carne Viva. A obra mergulha profundamente na história de quatro personagens marcados por lutas revolucionárias e sofrimentos na época da ditadura.
O enredo atravessa a conturbada luta contra o regime militar nas cidades, explorando o emaranhado de eventos históricos que culminaram na Guerrilha do Araguaia. Esta última é especialmente impactante, ao abordar o trágico destino de dois militantes baianos que desapareceram durante aquele sombrio massacre.
Emiliano também aborda o sangrento episódio de Pau de Colher, no norte da Bahia, apresentando personagens que se deparam com uma dura realidade. O autor, em vários momentos, compartilha a própria presença, uma vez que foi parte ativa nas lutas travadas pelos protagonistas.
Os personagens são companheiros de luta do autor, que considera ir de encontro ao que considera ser um mito do jornalismo, o que explica como uma discussão sobre ser ou não possível escrever linhas sobre pessoas com as quais você tem relação. “Só escrevi sobre pessoas pelas quais eu tinha alguma admiração. Eu não tive nenhuma dificuldade para tratar desses personagens. E não é uma biografia onde eu tenho que investigar as dificuldades e os defeitos deles”, explica.
A primeira figura a ser apresentada no livro é Pedro de Oliveira, cuja trajetória política se entrelaça com a de Emiliano desde os tempos de militância na Zona Norte de São Paulo, especificamente, no Jaçanã. Ambos se uniram à organização revolucionária Ação Popular e se envolveram em lutas ideológicas e sonhos audaciosos. A dissidência posterior na organização levou Pedro de Oliveira a se juntar ao PCdoB, onde ele permanece até os dias atuais, uma parte vital da narrativa que o livro revela.
Diva Santana, outra figura de destaque, compartilhou com o autor um compromisso firme com a militância política e os direitos humanos. Ela é irmã de Dinaelza Coqueiro, uma desaparecida política assassinada durante a Guerrilha do Araguaia.
Diva e o marido, Vandick Coqueiro, ambos ligados ao PCdoB, representam um fio crucial da história trágica e comovente que permeia o livro. A busca implacável de Diva por respostas sobre o destino da irmã a levou a se tornar uma incansável militante no Grupo Tortura Nunca Mais. Outra personagem de destaque é Ana Guedes, que, a exemplo dele, militou na Ação Popular em 1970.
Ela seguiu a maioria da organização na dissidência e ingressou no PCdoB, onde se tornou uma defensora dos direitos humanos e uma formadora de novos ativistas políticos. O autor ressalta a surpresa de ter inadvertidamente reunido esses três militantes do PCdoB na trama, descrevendo-o como um feliz acidente que enriqueceu o enredo.
Pau de Colher
Um elemento singular do livro é o personagem Zé Camilo, que emerge de um tempo diferente, no final dos anos 30 do século passado. Zé Camilo foi um líder na revolta de Pau de Colher, evento marcante que aconteceu na pequena Canudos, no norte da Bahia. Emiliano José explora essa comovente história, trazendo à luz as vozes de Alberto e Paulo Dourado, bem como Isabel Gouvêa, cujas vidas se entrelaçaram com a de Zé Camilo.
Apesar das diferentes épocas e contextos, Zé Camilo compartilha com os outros três personagens a condição de vítima da violência ditatorial. Enquanto Pedro, Diva e Ana enfrentaram a ditadura que surgiu em 1964, Zé Camilo experimentou a brutalidade do regime de Getúlio Vargas, que tinha dificuldades em compreender as reivindicações camponesas e as expressões religiosas como legítimas. A narrativa transcende os anos, pintando um retrato de um Brasil desigual, violento e sangrento.
O livro trata também de uma dimensão mais emocional e humana dos personagens, para além dos aspectos políticos. “Além da violência direta, além da tortura, além do pau de arara, do choque elétrico. Tudo a ditadura atinge profundamente, por isso mesmo, a subjetividade dos personagens. A época provoca traumas profundos em cada um deles”, explica. Segundo o escritor, o desafio para o militante que estava na luta contra a ditadura era o medo ser menor do que a coragem. “Eu costumo dizer sempre que não há aquele que, tendo lutado contra a ditadura, não tenha sentido medo”, afirma.
Em Carne Viva poderia ser situado como o sexto volume da série Galeria F – Lembranças do Mar Cinzento, na qual Emiliano José explora histórias de violência e resistência da ditadura de 1964. Mas o autor optou por apresentá-lo como um livro independente, contribuindo para preservar a memória de tempos sombrios.
A obra é um lembrete inquietante do heroísmo dos combatentes e da terrível violência que marcou uma nação.
O título do livro é uma referência a um episódio que pode ser considerado símbolo de resistência na época. “Há um episódio comovente da Dinaelza, onde ela, ao tentar, depois de aprisionada pelos capangas na Guerrilha do Araguaia, aproveita o vacilo dos caras que estavam dormindo ali do lado para fugir. Ela precisava queimar a corda que a aprisionava [usando uma lamparina que estava próxima] e tinha que queimar, não conseguiu fazer isso sem queimar a pele para valer. Ficou em carne viva a pele dela”, cita.
O prefácio do livro é escrito por um dos maiores lutadores pelos direitos humanos no Brasil, o professor Joviniano de Carvalho Neto, que ressalta a perspicaz observação de que, em certo ponto, aquele que conta uma história está, na verdade, contando a própria história. O autor expressa sua honra pelo prefácio escrito por Joviniano, que persiste nessa luta, mesmo aos 80 anos de idade. “É o principal dirigente da luta pelos direitos humanos, o principal dirigente da luta pela anistia na Bahia e, por isso, é uma presença também muito importante e significativa para mim, por ser um livro que é parte de uma caminhada minha e que eu não escrevo à toa”, se orgulha Emiliano.