Por Sylvia Steiner*
Meu presidente,
Meu nome é Sylvia Steiner. Fui, por 13 anos, juíza do Tribunal Penal Internacional. Os que lá ainda trabalham lembram-se da “juíza brasileira” e a mim se referem como uma excelente juíza. E como alguém que honrou seu país. Tenho orgulho disso, é claro. E é por isso que tomo a liberdade de me dirigir ao meu presidente para falar dos comentários feitos por você acerca do Tribunal Penal Internacional, instituição que honrei enquanto honrava meu país.
Uma assertiva inicial se faz necessária: você é meu presidente, e meu voto com certeza foi importante, ao lado de outros milhões, para elegê-lo presidente de meu país. Nunca fui “minion”, com a graça de Deus. Mas foi seu antecessor, o inominável, quem pela primeira vez sugeriu que meu país deveria desligar-se do Tribunal Penal Internacional. Afinal, ele tem várias denúncias sendo examinadas pela Procuradoria daquele Tribunal e talvez se torne, um dia, réu por crimes contra a humanidade.
Mas você, por outro lado, foi quem me fez juíza daquele tribunal, meu presidente. Foi na sua gestão, e graças ao empenho de seu ministro Celso Amorim, que fui eleita como a “juíza brasileira do TPI” em fevereiro de 2003. Primeira composição do recém-criado tribunal! Tenho até hoje a carta que você me enviou, parabenizando-me por minha eleição.
Pois então, meu presidente. A Constituição brasileira prevê, em seu artigo 5º, parágrafo 4º, que o Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Cláusula pétrea. Seu antecessor, o inominável, não sabia disso quando sugeriu que o país se desvinculasse do TPI.
Mas você, meu presidente, conhece o TPI e conhece a Constituição. E sabe que, se nosso país ratificou o Estatuto de Roma e elevou sua obrigação de se submeter à condição de cláusula pétrea da Constituição Federal, nós temos que cumprir com nossas obrigações. Assim como mais 124 Estados soberanos o fazem, como todos os Estados latino-americanos, todos os europeus, alguns asiáticos como Japão e Coreia do Sul, alguns no “Norte” como Canadá, quase todos os Estados africanos.
Então, meu presidente. Há um mandado de prisão internacional expedido pelo TPI contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Por crimes contra a humanidade. Se ele vier ao Brasil, deverá ser preso. Deverá. Nós cumprimos com nossas obrigações internacionais. Temos que cumprir porque somos um país que ratifica tratados e sempre o faz de boa-fé. Mais ainda quando os eleva à condição de cláusula pétrea da Constituição federal.
Sei o que se passou com os mandados de prisão expedidos contra o então presidente Al Bashir (Sudão). Alguns países o receberam e não o prenderam e não o entregaram ao TPI, como deveriam ter feito. Mas nós não somos assim. Nós não nos portamos assim no cenário internacional. Nós temos uma reputação e vamos zelar por ela.
Obrigada, meu presidente, por manter nosso país no patamar de prestígio de que ele sempre desfrutou no cenário internacional. Não voltemos à situação do governo anterior. Nunca, nunca mesmo, use as palavras ou copie as ideias nefastas do inominável ou daquele similar norte-americano ou de outros chefetes de extrema direita que criticam o Tribunal Penal Internacional sem realmente o conhecer, mas que o temem.
Eles temem os avanços que a existência do TPI, por si só, significam para a paz e a segurança desse nosso mundo tão cheio de guerras, de catástrofes humanitárias indescritíveis, de perseguições a minorias, de sofrimentos.
Obrigada, meu presidente.
*Ex-desembargadora e procuradora da República, atuou no Tribunal Penal Internacional de 2003 a 2016