Estatal pivô de operação contra ministro de Lula é atingida por ‘química’ fraudulenta, diz TCU

 

Fraudes conhecidas como “química” no setor de perícia de engenharia se espalharam pelas obras de pavimentação da Codevasf, estatal pivô das acusações contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, segundo auditores do TCU (Tribunal de Contas da União).

Em trabalho concluído em julho, os técnicos do tribunal ainda indicam um grande risco de que tenha ocorrido uma “deturpação estratégica” na companhia para fazer uma “pulverização de contratos” e prejudicar o controle e a fiscalização dos serviços.

Entre as obras supostamente afetadas pela “química” fraudulenta estão pavimentações feitas pela empreiteira Construservice, que também está no centro das acusações contra Juscelino Filho, sob suspeita de repasses para laranjas indicados pelo ministro.

A palavra “química” é usada pelos auditores em referência às mudanças nos serviços previamente acordados em um contrato, que seriam análogas às transformações pelas quais os elementos químicos passam ao longo de uma reação.

O trabalho dos técnicos do TCU sobre as obras da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) também traz duras críticas ao modelo afrouxado de licitação de pavimentação que tomou conta da estatal na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Contratos obtidos sob esse mecanismo estão sendo reiniciados ou prorrogados no governo Lula (PT), que manteve a direção da Codevasf nomeada sob Bolsonaro.

Em meio à disputa por cargos e recursos em Brasília, a estatal espera uma injeção de verba que supera R$ 1 bilhão. O aporte, feito principalmente com verbas originalmente alocadas no Ministério das Cidades, foi sugerido por Lula e está sob análise do Congresso Nacional.

No relatório de julho, os auditores do TCU reforçaram as evidências de que a Codevasf foi alvo de um cartel de empresas de pavimentação que atuou em licitações no total de R$ 1 bilhão na administração anterior, como revelou a Folha no domingo (17).

Nesse trabalho eles também chamam a atenção para a “existência de um contexto maior, que pode ter facilitado a concretização do que ora se entabula como indícios de fraude e conluio”.

Os técnicos apontam como cenário mais geral o SRP (Sistema de Registro de Preços), mecanismo de licitação e contratação flexibilizado no qual são feitas concorrências públicas online para firmar grandes “contratos guarda-chuva”.

Depois que uma empreiteira ganha uma licitação para, por exemplo, fazer 100 mil metros quadrados de pavimentação em um estado, esse “contrato guarda-chuva” é desmembrado em acordos menores para execução dos serviços em cada cidade.

De acordo com os auditores, “se por um lado há a nobre motivação de se alcançar municipalidades com expressiva carência em infraestrutura de pavimentação, por outro, é incontroverso que o uso disseminado do SRP levou à pulverização dos contratos, comprometendo em alguma medida a expectativa do controle”.

Eles então apontam a suspeita de que essa grande fragmentação e consequente dificuldade de fiscalização tenha sido aproveitada pelos fraudadores nas licitações da Codevasf.

“Tal circunstância também pode, inclusive, explicar por que torna-se mais efetivo aos potenciais infratores superfaturar em estágios próprios da execução contratual, como, por exemplo, por química, após descaracterizar o contrato por meio de um superdimensionamento, no lugar de sobrepreços estampados na proposta ou outras irregularidades identificáveis sem a atuação in loco e ostensiva.”

A “química” apontada pelos auditores ocorre quando, por exemplo, um tipo de execução de serviço é especificado no orçamento da obra, mas, na prática, um outro, mais barato, é efetuado pela empreiteira. O problema é que o pagamento à construtora é feito pelo preço do serviço mais caro, que na realidade não foi realizado.

Segundo auditorias do TCU, este foi o tipo de irregularidade verificado em contratos da empreiteira Construservice, que é alvo de investigação da Polícia Federal sob suspeita de fraudar contratos da Codevasf e ter feito repasses que teriam como destinatário o ministro Juscelino Filho.

As obras da Construservice alvo da perícia do TCU foram para pavimentação em cidades do Tocantins.

Apesar de as pavimentações serem para vias urbanas, os editais das licitações previam sarjetas profundas e em formato triangular, que são típicas de rodovias.

A análise das fotos dos locais pavimentados permitiu constatar que as benfeitorias do tipo triangular não tinham sido construídas.

Apesar de a Construservice ter realizado sarjetas do tipo comum para vias urbanas, ela foi paga como se tivesse feito as sarjetas triangulares usadas em rodovias.

O relatório do TCU critica ainda o uso dos “contratos guarda-chuva”, que chegam a abarcar estados inteiros, porém com “objeto incerto e indefinido, sem a prévia realização dos projetos básico e executivo das intervenções”.

Os auditores dizem que é preciso aprofundar as apurações, inclusive ouvindo a Codevasf, para descobrir se as escolhas dos modelos pela estatal foram regulares ou configuraram uma “deturpação estratégica, ocasião em que gestores modificam o desenho das contratações para atender interesses privados”.

O pedido de oitiva da Codesvaf resulta de um entendimento dos técnicos quanto à gravidade dos casos.

A área de auditoria do TCU também pediu a entrada da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União) nas investigações.

Os requerimentos foram encaminhados ao ministro Jorge Oliveira em agosto para que ele decida os próximos passos do caso.

CODEVASF DIZ QUE SUAS LICITAÇÕES SÃO FEITAS EM CONFORMIDADE COM A LEI
A Codevasf afirmou que suas licitações e seus contratos são formalizados de acordo com a lei e ainda não foi notificada sobre o relatório do TCU.

“A eventual prorrogação de contratos assegura a prestação de serviços e o efetivo emprego de recursos orçamentários já empenhados, em benefício das comunidades atendidas. Apurações em curso não anulam obrigações fixadas em instrumentos contratuais”, segundo a estatal.

Procurada pela Folha, a Construservice não se manifestou sobre as auditorias do TCU.

Sobre operação da PF na qual Juscelino Filho é acusado de envolvimento em irregularidades ligadas a obras da Codevasf, após a ação policial os advogados do ministro negaram que ele tenha participado de atos ilícitos.

 

Flávio Ferreira e Mateus Vargas/Folhapress

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