Delação de Cid inspira punição para que o passado ‘não mais nos assombre’, diz Instituto Vladimir Herzog
O Instituto Vladimir Herzog afirma que a delação feita à Polícia Federal (PF) pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, dá ao Estado brasileiro a oportunidade de adotar medidas nunca antes tomadas para responsabilizar militares por ações contra a democracia.
A organização, que leva em seu nome uma homenagem ao jornalista assassinado pela ditadura militar (1964-1985), afirma que os ataques ocorridos em 8 de janeiro são fruto da inexistência de políticas para condenar “agentes que há muito e livremente” atentam contra o Estado democrático de Direito.
Em sua delação, Cid afirmou à PF que, logo após a disputa do segundo turno do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu de um assessor uma minuta de decreto para convocar novas eleições, que incluía a prisão de adversários.
Segundo o relato, Bolsonaro submeteu o teor do documento em conversa com militares de alta patente. A informação foi divulgada pelo UOL e pelo jornal O Globo nesta quinta-feira (21) e confirmada pela Folha.
“O trecho da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid que relata reunião do ex-presidente Jair Bolsonaro com oficiais das Forças Armadas para discutir o planejamento de um golpe de Estado no país após o resultado das eleições de 2022 é um indício evidente de que a democracia brasileira, conquistada duramente após 21 anos de regime ditatorial, permanece ameaçada”, afirma o Instituto Vladimir Herzog.
“Conclamamos a sociedade civil para que se mobilize amplamente em defesa da democracia e reivindique medidas firmes contra os atos e intentos golpistas e seus responsáveis. Para que o passado não mais nos assombre e a memória nos sirva de lição para a defesa da democracia e a construção de um futuro de justiça”, segue a organização, sem citar nominalmente a caserna.
Não há informações se Cid entregou algum tipo de prova que confirme ou reforce o seu relato à PF. De acordo com a reportagem do UOL, o assessor responsável pela entrega da minuta seria Filipe Martins.
O delator, segue o UOL em sua reportagem, disse ainda que o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, manifestou-se favoravelmente ao plano golpista durante as conversas de bastidores, mas não houve adesão do Alto Comando das Forças Armadas.
Em nota, a defesa de Bolsonaro disse que o ex-presidente não compactuou com medidas sem respaldo na lei e que vai adotar medidas judiciais contra eventuais calúnias em delação premiada, sem citar diretamente Mauro Cid.
Procurado, Martins também não respondeu. Seu advogado, João Manssur, disse que não poderia se manifestar por não ter conhecimento do assunto e não estar constituído nos autos. A reportagem também entrou em contato com um assessor de Garnier, mas não houve resposta.
Leia, abaixo, a íntegra da nota do Instituto Vladimir Herzog:
“O trecho da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid que relata reunião do ex-presidente Jair Bolsonaro com oficiais das Forças Armadas para discutir o planejamento de um golpe de Estado no país após o resultado das eleições de 2022 é um indício evidente de que a democracia brasileira, conquistada duramente após 21 anos de regime ditatorial, permanece ameaçada.
Fatos como os revelados agora pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e episódios como os ataques de 8 de janeiro de 2023 são resultados diretos da ausência de políticas efetivas para a responsabilização e punição de agentes que há muito e livremente praticam crimes contra o Estado democrático de Direito.
Os graves acontecimentos revelados por Mauro Cid nos colocam novamente diante da oportunidade de responsabilizar todos os que atentaram contra a nossa democracia. Os trabalhos da CPMI dos Atos Antidemocráticos e as ações julgadas no Supremo Tribunal Federal são fundamentais para a efetiva superação da cultura de impunidade que marca a história do País.
Conclamamos a sociedade civil para que se mobilize amplamente em defesa da democracia e reivindique medidas firmes contra os atos e intentos golpistas e seus responsáveis. Para que o passado não mais nos assombre e a memória nos sirva de lição para a defesa da democracia e a construção de um futuro de justiça.”
Mônica Bergamo/Folhapress