Em seus últimos dias como procurador-geral da República, Augusto Aras se dedicou a fazer um desagravo a si mesmo. Compartilhou com amigos uma lista de feitos na PGR, lançou um livro sobre como a sua gestão “salvou vidas” na pandemia e, em sua sessão de despedida no Supremo Tribunal Federal (STF), declarou ter sido vítima de “incompreensões e falsas narrativas”.
O discurso revela incômodo com avaliações de sua trajetória por parte da opinião pública. Desde que assumiu o cargo, acumulou críticas pelo alinhamento e a leniência com o ex-presidente Jair Bolsonaro, principalmente pela gestão da crise da Covid-19, bem como a proximidade com políticos do Centrão. As informações são do O GLOBO.
Após cerca de 1.500 dias no cargo, Aras deixará o posto na terça-feira. Nos últimos meses, sob a Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, ele tentou trilhar um novo caminho. Assumiu o papel de “amante” da democracia (“democracia, eu te amo, eu te amo, eu te amo”, disse na abertura do ano Judiciário) e lembrou aos petistas que foi responsável pelo fim da Lava-Jato.
Perfil “antilavajatista”
Lula pretende emplacar outro nome no posto, mas o entorno do presidente não esconde o plano de escolher um PGR com perfil semelhante ao de Aras — alguém que evite a “criminalização da política” e seja “antilavajatista”.
Ao contrário dos antecessores, que ofereceram denúncias contra os ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer, Aras arquivou mais de 70 pedidos de inquérito contra Bolsonaro. Entre elas, as acusações de prevaricação, emprego irregular de verba pública, infração a medidas sanitárias e epidemia com resultado de morte feitas pela CPI da Covid. O PGR também não viu crime nas pregações de Bolsonaro contra as vacinas e máscaras, nem nas declarações golpistas de 7 de setembro em 2021.
“Ali eu já teria aberto uma investigação contra o presidente por crimes contra o Estado Democrático de Direito. Desaguou em tudo isso agora pela enorme inércia e omissão” afirmou ao GLOBO Claudio Fonteles, indicado à PGR por Lula no primeiro mandato.
Para rebater as críticas, Aras passou a divulgar que também arquivou mais de 120 inquéritos pedidos contra Lula, seus ministros e familiares neste ano.
A “anticriminalização” da política praticada por Aras também se estendeu a outros políticos, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que atualmente faz campanha para que ele seja reconduzido ao posto. Na gestão de Aras, Lira foi “desdenunciado” — ou seja, o MPF pediu a retirada de uma denúncia oferecida pelo próprio órgão sobre caso de corrupção passiva que tratava de um suposto pagamento de R$ 1,5 milhão de propina feito pela construtora Queiroz Galvão.
Além de Lira, Aras pediu o arquivamento de um inquérito contra o então ministro da Casa Civil Ciro Nogueira no caso em que ele era suspeito de receber propina do grupo J&F. A PF concluiu que Nogueira cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas Lindôra Araújo, subordinada de Aras, entendeu que os indícios se baseavam apenas em delações premiadas.
“O Aras reproduziu com muito mais radicalidade o modelo do Geraldo Brindeiro, (ex-PGR de Fernando Henrique Cardoso), que era conhecido como o “engavetador-geral da República”, só que em um contexto mais grave”, afirma Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Uerj.
Pouco controle
Além de investigar e denunciar políticos com foro privilegiado, a PGR tem como atribuição atuar no chamado “controle de constitucionalidade” dos atos do governo federal. Segundo pesquisa feita pela professora da FGV Direito Eloísa Machado de Almeida, entre 2019 e 2022 foram apenas nove ações da PGR.
“Diante da retração da PGR, este papel acabou sendo exercido por partidos políticos, maiores litigantes no STF contra atos de Bolsonaro”, disse a professora.
Se do mundo jurídico vieram as críticas mais pesadas a Aras, no mundo político sobraram elogios. Admirador de Aras, o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF) conta que recebeu uma mensagem do procurador-geral na última semana listando os feitos que foram “boicotados” pela imprensa.
Procurada por meio de sua assessoria, a PGR enviou o pronunciamento de Aras em que tratou das “falsas narrativas”. “Nossa missão não é caminhar pela direita ou pela esquerda, mas garantir, dentro da ordem jurídica, que se realize justiça, liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana”