Governo e centrão negociam congelar indicação política para acelerar vazão a emendas
A solução para o impasse político em torno do comando da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) deverá ficar para o início do próximo ano. O órgão deverá ser recriado pelo presidente Lula (PT) apenas com servidores técnicos, deixando as indicações partidárias para um momento posterior.
Essa ideia surgiu de integrantes do próprio centrão, que disputa internamente quem comandará a nova Funasa.
A preocupação do grupo político é com o curto prazo para que, até o fim do ano, as emendas parlamentares na área de saneamento sejam devidamente direcionadas para os redutos eleitorais dos deputados e senadores.
Além disso, os parlamentares têm sido pressionados por prefeitos diante do receio de perda de verba prevista para a área.
Em julho, o governo prorrogou convênios para evitar que municípios perdessem mais de R$ 1,2 bilhão em gastos previstos em contratos com a Funasa que venciam naquele mês. Havia 811 convênios para vencer de 20 de julho a setembro. A prorrogação vale até o fim do ano.
Por isso, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto costuram um acordo para que, por enquanto, a Funasa entre em funcionamento com membros técnicos para dar vazão às emendas e convênios, já que ainda não há uma solução política para as indicações aos cargos do órgão.
PSD e Republicanos disputam o controle da fundação de saúde. Internamente no PSD, há ainda uma rivalidade entre integrantes da Câmara dos Deputados e do Senado.
Em entrevista à Folha em setembro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que os cargos da Funasa devem ser indicados por integrantes do Republicanos, como parte do acordo político que levou o partido e o PP ao primeiro escalão do governo Lula.
Mas o PSD reivindica o poder de apresentar os nomes para os postos no órgão. A sigla tem três ministérios, mas a bancada da Câmara pede mais espaço —os senadores do partido ocupam duas pastas.
Enquanto o Republicanos negociava a reforma ministerial com o Planalto, o PSD enviou uma carta para ministros palacianos reforçando a indicação do nome do ex-vice-governador do Ceará Domingos Filho para chefiar a Funasa. O documento foi assinado pelos líderes do partido na Câmara, Antonio Brito (BA), e no Senado, Otto Alencar (BA).
No entanto, o grupo mais próximo à senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB) também pleiteia a escolha de quem irá presidir o órgão. Ela é presidente da Comissão Mista de Orçamento, uma das mais importantes do Congresso, e irmã do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), um dos mais influentes da Câmara.
Auxiliares de Lula e membros do Congresso ainda tentam construir um entendimento entre Republicanos e PSD para que indicações sejam divididas entre as duas siglas. Uma ala do PSD concorda com essa saída, mas outra parte da legenda rejeita a proposta e quer o poder de controlar toda a cúpula da fundação.
Lula tentou extinguir a Funasa logo no início do governo, mas o Congresso rejeitou a proposta e forçou o presidente a recriar o órgão. Uma ala do governo quer que ela seja enxuta, enquanto congressistas pretendem turbiná-la.
O ministro-chefe da Casa Civil Rui Costa (PT) e aliados defendem que a estrutura seja reduzida e vinculada ao Ministério das Cidades. Já os parlamentares defendem que ela seja mantida no porte atual.
A expectativa é que o governo ceda à pressão de parlamentares e coloque o órgão no Ministério da Saúde.
A Funasa teve orçamento de R$ 3,4 bilhões em 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro (PL), com estruturas distribuídas pelas 27 unidades da federação. Criado em 1991, o órgão tem entre suas atribuições financiar ações de saneamento em municípios pequenos e comunidades tradicionais, como ribeirinhos e assentamentos da reforma agrária.
Interlocutores de Lula dizem que o grande interesse da classe política na recriação está ligado ao fato de o órgão ter contratos de alto valor que estão sob risco de perda de validade, além de possuir emendas parlamentares de governos anteriores que precisam ser quitadas.
Há ao menos três propostas de estruturação da Funasa sobre a mesa. O problema, apontam integrantes do Planalto, é que a recriação da Funasa pode atrapalhar o tamanho de ministérios que planejavam usar as gratificações que ficariam disponíveis com a extinção para engordar seus quadros.
O presidente decidiu ter 37 ministérios (14 a mais do que tinha Bolsonaro), mas determinou que não houvesse despesas adicionais na montagem das novas pastas. Por isso, ministérios como o de Povos Indígenas e até mesmo a Secretaria de Relações Institucionais terão de abrir mão de espaços.
Com a previsão de que fosse deixar de existir, o Ministério da Gestão realocou os servidores da Funasa para outros órgãos da máquina federal.
Integrantes do governo relatam que alguns postos comissionados já teriam sido distribuídos e os ministérios poderiam ser obrigados a devolvê-los. A Saúde foi o que mais recebeu funcionários da fundação, 735 no total, seguido pela Gestão, com 434, e Cidades, que recebeu 233 servidores.
A Funasa tem historicamente servido como instrumento de negociação com parlamentares, que indicam cargos em troca de apoio ao governo.
Thiago Resende e Julia Chaib/Folhapress