Alvo de reclamação constante de parlamentares, o ritmo de liberação de recursos pelo governo federal coloca em risco parte do dinheiro herdado do antigo orçamento secreto. Faltando pouco mais de um mês para acabar o ano, cerca de um terço dos R$ 8,7 bilhões remanejados para o caixa de ministérios nem sequer foi empenhado até agora, o que tem gerado preocupação em deputados e senadores. O empenho é a primeira fase da execução orçamentária, quando o dinheiro é reservado para ser gasto futuramente.
Os recursos foram realocados no fim do ano passado, após o Supremo Tribunal Federal (STF) barrar as chamadas emendas de relator, base do orçamento secreto. O instrumento orçamentário permitia a parlamentares indicar recursos da União a seus redutos eleitorais sem serem identificados e de forma desigual. O mecanismo estimulava a barganha política e beneficiava congressistas aliados do Executivo. As informações são do O Globo.
Após a decisão do STF, o acordo entre o governo eleito e o Congresso foi de enviar metade dos valores previstas na época para o caixa de sete ministérios, mas com a promessa que parlamentares poderiam continuar a fazer as indicações.
A liberação dessas verbas, contudo, tem sido o principal foco de tensão entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o Palácio do Planalto. Segundo dados da execução orçamentária, 29,4% dos valores não tiveram sua destinação definida até agora. Isso significa um montante de R$ 2,5 bilhões ainda sem indicação.
Pressão
Como consequência, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela relação do Planalto com o Congresso, já prevê que as semanas restantes até o fim do ano serão marcadas por uma intensa pressão de parlamentares. Se os empenhos não acontecerem até o fim do ano, os recursos são perdidos, o que pode gerar mais uma crise no relacionamento.
Segundo um integrante do governo, a organização do modelo é de difícil administração. As verbas são, oficialmente, dos ministérios, mas o poder sobre o destino delas está concentrado nas mãos de caciques da Câmara e do Senado.
Os parlamentares, via de regra, evitam bater diretamente na porta dos ministros responsáveis pelos empenhos. A orientação é ir primeiro ao gabinete do ministro da SRI, Alexandre Padilha, ou de auxiliares da pasta.
Um integrante da SRI minimiza a demora e diz que muitos empenhos ficam, anualmente, acumulados para o mês de dezembro. Ele admite que uma parte ficou represada por causa de mudanças de programação e aprovação de leis que remanejaram as verbas. Mas afirma que os compromissos devem ser cumpridos até o fim do ano.
As alterações na programação da verba reservada aos parlamentares, contudo, não representam uma fatia relevante. O motivo é o fato de o Planalto ter ordenado a todos os ministérios, desde o fim do orçamento secreto, que não mexessem no dinheiro sem autorização.
Mas nem em todos os casos a ordem foi respeitada. Deputados ficaram insatisfeitos, por exemplo, com a destinação de recursos no Ministério da Agricultura para redutos do titular da pasta, Carlos Fávaro, em Mato Grosso. Já no Ministério da Educação, que inicialmente tinha R$ 200 milhões para distribuir, a demora na execução levou a pasta a perder R$ 100 milhões para Saúde.
Há ainda outras pastas, como Cidades e Desenvolvimento Social, que estão com grande quantidade de recursos parados. O primeiro com R$ 745,4 milhões (44,68% do total inicialmente previsto) e o segundo, R$ 423,5 milhões (28,17%). Na Saúde, são 903 milhões.
Em conversas reservadas, parlamentares de partidos da base traçam um diagnóstico pessimista. O entendimento é que há uma “situação muito ruim” frente às bancadas no Congresso. Antes mesmo de chegar perto do prazo, ao longo do ano, líderes partidários e o próprio presidente da Câmara reclamaram publicamente do governo sobre o ritmo de liberação de emendas.
Próximo de Lira, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) reconhece que a execução dessas emendas não está sendo feita de forma plena, mas avalia que há tempo para o governo conseguir atender aos parlamentares:
— Historicamente, sempre prorrogam através de decreto a sua execução, que já era para ter sido publicado. Então penso que esteja no prazo.
Parte dos recursos herdados do orçamento secreto já tinham sido reduzidos ao longo do ano por causa de dificuldades do governo na liberação desse dinheiro. As transferências de verba foram aprovadas pelo Congresso Nacional em outubro e somaram R$ 2,1 bilhões. O Ministério da Educação, por exemplo, com dificuldade de execução dos recursos, tinha R$ 200 milhões em verbas do antigo orçamento secreto, agora tem R$ 79,4 milhões. Os recursos foram remanejados para a Saúde, que em ofício ao Ministério da Economia afirmou que tinha mais propostas cadastradas do que recursos à disposição.
Outro dos órgãos turbinados com esse dinheiro foi a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), um dos preferidos dos congressistas pela capilaridade de aplicação dos recursos. O orçamento do órgão, que era de R$ 2,2 bilhões quando o Orçamento foi aprovado, no ano passado, já é de R$ 3,3 bilhões.
Desse valor, R$ 313 milhões estão alocados nos recursos “A4”, do antigo orçamento secreto, mas até agora apenas R$ 103 milhões foram empenhados. Ou seja, até o final do ano, R$ 210 milhões terão que ter o destino definido pelo governo federal. Já o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável por obras de escolas, por exemplo, ainda não empenhou nada dos R$ 68 milhões previstos.
Calendário de pagamentos
A insatisfação de parlamentares com o ritmo de liberação dos recursos neste ano motivou o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte (União-CE), a propor um cronograma para pagamento obrigatório de emendas pelo governo.
Embora o pagamento de emendas individuais e de bancadas estaduais já seja obrigatório, atualmente não existe prazo para o Executivo quitar os valores que deputados e senadores indicam a seus redutos eleitorais. Para o relator, a falta de cronograma é o que permite o toma lá dá cá de emendas em votações importantes para o governo.
O Executivo, contudo, se opõe a esse calendário e deve trabalhar para evitar que ele seja incluído no texto final da LDO. Forte prometeu apresentar seu relatório nesta semana na Comissão Mista de Orçamento (CMO).
Como mostrou O GLOBO, especialistas alertam que as mudanças propostas pelo Congresso na gestão das emendas parlamentares amplificam o risco de desequilíbrio nas contas. Para o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e especialista em contas públicas, a ideia tornará o Orçamento mais fragmentado e engessado. Em casos de descumprimento da meta para o saldo primário — o balanço entre receitas e despesas, sem considerar os gastos com juros da dívida — das contas públicas, a equipe econômica será obrigada a cortar recursos de investimentos.