A cidade que ainda celebra a Saturnália, festa romana milenar que antecedeu o Natal
Dezembro é tempo de diferentes festividades e comemorações ao redor do mundo, como o Natal e o Chanucá, que estão entre as mais conhecidas.
Mas existe um ritual pagão com mais de 2.000 anos que ainda é celebrado em uma cidade da Inglaterra.
Trata-se da Saturnália, que tem origem na Roma Antiga e é celebrada até hoje em Chester, cidade que comemora assim a ligação que a Grã-Bretanha tem com seu passado romano.
Na quinta-feira passada (14/12), como em todos os anos, as ruas de Chester foram tomadas pelas mesmas imagens, sons e cheiros que marcam as festividades da Saturnália no local desde os tempos em que era uma cidade romana chamada Deva Victrix.
A Grã-Bretanha (maior ilha do Reino Unido, que abrange Inglaterra, Escócia e País de Gales) foi ocupada pelo Império Romano de 43 a 410 d.C.
O festival em homenagem a Saturno, o deus romano da agricultura e da colheita, era uma das celebrações mais populares do antigo império.
Originalmente o evento só era celebrado no dia 17 de dezembro, mas sua popularidade fez com que fosse prolongado até 23 de dezembro.
Embora os romanos aderissem a regras sociais rígidas e todos tivessem o seu lugar na sociedade, durante a Saturnália eles se esqueciam dessas regras e até pessoas escravizadas podiam participar e se divertir.
A celebração envolvia troca de presentes, além de excesso de comida e bebida; tradições que continuaram quando o feriado foi substituído pelo Natal após a queda do Império Romano.
No entanto, em Chester, que já foi uma cidade importante na antiga província romana da Grã-Bretanha, muitas das tradições sobreviveram até os tempos modernos.
Tradição viva
Chester, no noroeste da Inglaterra, perto de Liverpool, foi fundada em 79 d.C., inicialmente como um forte militar romano sob o regime do imperador Vespasiano.
Mais tarde, tornou-se um importante centro civil chamado Deva Victrix e suas antigas muralhas estão entre as mais bem preservadas do país.
“Chester é bem conhecida por sua herança romana e os moradores locais são muito orgulhosos disso”, diz Cellan Harston, gerente de uma empresa de turismo que ajuda a organizar o desfile da Saturnália na cidade.
“É importante refletir a história de Chester”, acrescenta.
Mas manter viva essa tradição romana vai além de preservar a história, ressalta.
A Saturnália “é uma oportunidade para lançar o caos no mundo”, diz Harston, e a procissão moderna que acontece na cidade é um “espetáculo que representa esse caos”.
O ‘presente de luz’
Lisa Denson, uma política local, diz que a procissão, que passa pelo antigo anfiteatro romano da cidade, é uma cerimônia oficial que inclui o acendimento de tochas e a distribuição de “presentes de luzes”.
É uma forma de lembrar o passado de Chester e olhar para seu futuro, diz ela.
“Chester é uma cidade romana e a Saturnália oferece a oportunidade de combinar as celebrações modernas do Natal com o reconhecimento da nossa história romana”, diz Denson.
“Os soldados romanos que marcham pelo centro da cidade atraem sempre multidões, que se deleitam quando os soldados acendem suas tochas e partilham a luz distribuindo varinhas fluorescentes.”
Os soldados da época provavelmente comemoravam o fato de que o festival possibilitava a eles desfrutar de alguns dias de folga, diz Caroline Pudney, professora de arqueologia na Universidade de Chester.
“A festa também envolvia a decoração das casas com folhagens verdes, como guirlandas e galhos, e o acendimento de velas, e as Saturnálias eram encerradas com as Sigilarias, quando eram entregues presentes, mais ou menos parecido com o dia de Natal”, afirma.
‘Seguimos aqui’
Ela também observa que as celebrações modernas da Saturnália não são exatamente como as romanas, já que Chester “combina o festival romano com as tradições vibrantes dos desfiles e procissões medievais da cidade”.
Porém, há um momento que liga intrinsecamente o desfile a Roma, quando um ator inicia as atividades com um discurso do imperador Domiciano, que governou na época da Deva Victrix.
“Não se engane, nós romanos ainda estamos aqui, em algumas épocas do ano vocês nos verão marchando novamente pelo nosso forte”, diz ele à multidão reunida.
“Lembre-se de quem e o que eu sou. (…) Eu sou a espada do canto na escuridão. Sou o som de uma legião marchando para a guerra. (…) Eu sou o machado que afunda em seu crânio. Sou acusador, juiz e carrasco. (…) Eu sou imperador. Eu sou um deus vivo. Eu sou César. Eu sou Roma.”