Visita de mulher de líder do CV a ministério não foi uma falha, diz secretário de políticas penais

 

O secretário nacional de Políticas Penais, Rafael Velasco Brandani, 42, disse que a superlotação e outras condições presentes em algumas unidades prisionais do país potencializam as atividades das organizações criminosas, criando um ambiente propício para o recrutamento de novos membros.

Em sua opinião, é viável combater a influência das facções ao mesmo tempo em que se respeitam os direitos humanos. Ele destaca a necessidade de significativos avanços em termos de segurança, infraestrutura e humanização dentro desse sistema.

“A violência e a criminalidade que são a natureza dessas organizações atrapalham a vida de todos. Elas fazem um processo que é o contrário da ressocialização, levando [o detento] mais a fundo dentro da criminalidade”, disse.

Rafael Velasco foi uma das autoridades que receberam no Ministério da Justiça Luciane Farias, mulher de Clemilson dos Santos Farias, conhecido como Tio Patinhas, apontado como um dos líderes do Comando Vermelho no Amazonas.

O que tem sido feito especificamente para combater essas facções, principalmente o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), no sistema prisional?

Algumas ações são tomadas junto aos estados. Entre elas, por exemplo, o isolamento das lideranças no sistema penitenciário federal, em que passam a não ter mais nenhum contato com as facções.

O segundo ponto é orientar os estados para que tenham unidades específicas para separar as lideranças, separando os gerentes médios do restante da massa dos faccionados e impedindo que eles possam arregimentar novas pessoas para as facções. Além de atuar na busca de equipamentos ilícitos dentro das unidades prisionais e encaminhar telefones, por exemplo, para as unidades de perícia, para que a gente possa ter mais informações para subsidiar os órgãos de segurança pública.

O CV é uma das facções que tem gerado mais preocupação?

Duas facções, o PCC e o CV, preocupam nacionalmente em paralelo a algumas outras mais regionalizadas.

O trabalho [estudo dos grupos criminosos] é feito para mapear a atuação dessas facções. O processo de inteligência é muito mais rico dentro do sistema prisional, porque as facções se organizam ali dentro. A gente consegue apurar e saber as movimentações, as alterações das lideranças, as alianças, os rompimentos, as guerras.

É possível fazer esse combate de forma efetiva com a superlotação do sistema prisional?

O grande desafio hoje do sistema prisional é a superlotação, você acaba tendo um ciclo vicioso. Com mais pessoas, as facções arregimentam novos soldados, eles acabam indo para a rua, cometendo novos crimes, retornando para o sistema prisional e enchendo cada vez mais.

Hoje a gente investe em alternativas penais: monitoração eletrônica, trabalho, emprego, assistência social. Há muitas pessoas dentro do sistema que não deveriam estar em regime de privação de liberdade e ali estão e acabam se tornando mais soldados.

As pautas dos direitos humanos e do combate às facções podem caminhar juntas?

Direitos humanos são pautas essenciais dentro da execução penal. O combate à facção criminosa e à criminalidade e o enfraquecimento das facções não se chocam de forma alguma com o que nós temos de melhor estratégia de direitos humanos e dignificação das pessoas dentro do sistema prisional.

É possível tratar de políticas do sistema penitenciário com familiares de presos, sendo que muitas vezes são pessoas condenadas?

O familiar do preso faz parte do processo e da estratégia de reintegração social do detento. Se eventualmente algum familiar tem alguma condenação específica, ele tem que cumprir a pena que tenha sido determinada. Após o cumprimento, nada impede que o familiar dê continuidade a essa luta.

Na sua visão, houve problema em receber a esposa do Tio Patinhas [Clemilson dos Santos Farias, apontado como um dos líderes do CV no Amazonas]?

Como já foi muito bem esclarecido, a pessoa não tinha condenação à época em que houve recebimento aqui [no ministério]. Recebi por meio de advogados para outra pauta e ali a pessoa apresentou algumas reclamações. Ela foi orientada a apresentar essa reclamação por email, por um dos canais oficiais da ouvidoria.

As famílias e os próprios detentos reclamam muito da violência penal, achei até gente cega por causa da bala de borracha…

Eu consigo levantar para você casos piores do que este…

O que o senhor acha disso?

Foi acatada no Conselho Nacional de Secretários de Estado da Justiça e Administração Penitenciária [Consej] a proposta de formarmos um grupo de trabalho para padronizar algumas das condutas dentro das unidades prisionais.

A nossa missão é proteger e trazer aquela pessoa de volta para a sociedade como um cidadão produtivo, como cidadão pleno de direitos e de deveres. Estamos trabalhando também com a implementação de câmeras corporais.

O senhor considera insuficiente o número de agentes?

O volume de agentes penais vai depender do tipo de presos que você tem, mas é certo que precisamos, sim, de mais profissionais para trabalhar dentro da execução penal.

A secretaria tem acompanhado as mortes no sistema?

Quando solicitado pelos estados, nós temos capacidade de prestar apoio, como aconteceu no Rio Grande do Norte, onde foi dito que havia uma epidemia de tuberculose. Fomos lá e fizemos um mutirão.

Mas não é só isso, os recursos que os estados recebem do fundo penitenciário podem ser direcionados para a saúde. Por meio da União tem também um programa que chama Pnaisp [Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional], que custeia a aplicação da saúde dentro do sistema.

Nós temos também que tratar algumas coisas que antecedem e são objetivamente atinentes à saúde, como a água tratada. Estamos desde o começo do ano trabalhando com os estados para que possamos investir cirurgicamente.

Na sua avaliação, o orçamento dos estados para o sistema prisional é suficiente?

Não é adequado. Quando você abre a lei de execução penal, ela cita alguns dos serviços. Os detentos recebem todo o material necessário para a acomodação dentro das unidades? Muitas localidades não têm uniforme.

Todas as unidades têm esse pedagogo para condução de atividades, elevação de escolaridade, de leitura e de profissionalização de atividades educacionais complementares? Não têm. Então os estados estão investindo adequadamente? Se não tem nem sequer os profissionais, o investimento não é suficiente.

Política para egressos vocês têm?

Uma pesquisa feita em Pernambuco mostra que metade dos egressos, dentro do grupo que foi pesquisado, reincidiu criminalmente em menos de quatro meses. A grande maioria por pequenos tráficos de drogas e pequenos furtos, ou seja, ele não conseguiu emprego e renda e voltou para a criminalidade.

Queremos passar a trabalhar com os municípios para que estruturem os fundos municipais de execução penal, os fundos municipais penitenciários, para que possam receber aporte da Senappen [Secretaria Nacional de Políticas Penais].

É interessante fazer uma busca ativa das pessoas que vão sair dos presídios e entender a realidade familiar. A partir do momento que você os classifica, consegue definir as vulnerabilidades, as necessidades, consegue potencializar os resultados.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, pediu um plano para a melhora do sistema prisional em seis meses. Como está a elaboração?

A gente está aguardando a publicação do acórdão integral. Ele vai funcionar com dois paralelos: CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e Executivo.

Privatização de presídios é algo que está no radar?

É um assunto complexo, e a decisão cabe ao governo estadual. No governo federal não há nenhum planejamento pelo tipo de preso que a gente recebe.

Se eu juntar os presos que eu tenho nas penitenciárias federais eu te aponto alguns países que têm o PIB menor do que eles. Eles teriam capacidade de comprar a empresa que privatizou o presídio e sair pela porta da frente. Prefiro não pagar para ver.

 

Raquel Lopes/Pedro Ladeira/Folhapress

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