‘Não podemos pagar para ver se é bravata’, diz chefe da PF sobre suposto plano para matar Alexandre de Moraes
O diretor-geral da Polícia Federal, delegado Andrei Augusto Passos Rodrigues, disse que as supostas ameaças ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, foram ‘urdidas nas redes sociais, em trocas de mensagens’. Segundo o delegado, esses diálogos indicavam, inicialmente, plano para ‘retirar o ministro do processo investigatório (dos atos golpistas de 8 de janeiro), da condução dos processos sob sua relatoria’. A etapa seguinte, informou Andrei, seria a ‘eliminação’ de Moraes, ‘das formas mais bárbaras possíveis’.
“Nós não podemos pagar para ver se essa gente vai ou não executar, se isso é bravata ou não”, declarou o diretor da PF em entrevista ao Estadão nesta quinta-feira, 4. “O que eu posso dizer é que isso é de uma gravidade absoluta e nós vamos sempre atuar com muito rigor uma vez identificadas essas pessoas (autores do suposto plano de ataque ao ministro). Houve sim essa situação que o ministro tornou público e esse fato é muito preocupante.”
Na entrevista ao jornal O Estado de São Paulo , Andrei Passos falou sobre os atos golpistas de 8 de janeiro e o avanço das investigações no âmbito da Operação Lesa Pátria, que já levou à condenação de vários radicais pela invasão e depredação da sede dos poderes em Brasília.
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Um ano de 8 de janeiro. Que lição ficou?
São várias lições nesse período, mas eu vejo sempre o copo meio cheio. E o copo meio cheio nos mostrou que as instituições – me refiro à PF e o Judiciário – responderam à altura do que a sociedade brasileira esperava, de maneira que houve uma reação muito enérgica e com isso se conseguiu colocar um freio e mostrar pra todos que nós atuaremos muito firmemente em defesa do Estado Democrático de Direito, da Constituição e das leis. Acho que é uma lição para toda sociedade brasileira e para nós, das instituições. Há também a lição de que o cuidado e a prevenção são sempre o melhor caminho. Isso vale para a proteção da democracia e para evitar o cometimento de crimes de modo geral, para que a gente tenha sempre as instituições preparadas para dar respostas e sempre com caráter preventivo.
A ação da PF, que resultou em condenações de vários radicais, é indicativo de que não ocorrerá outro 8 de janeiro?
É o nosso trabalho e esforço, de que nunca mais na história do nosso país nós tenhamos um 8 de janeiro. São ações da polícia e do Poder Judiciário – e aqui é importante destacar o papel central do ministro Alexandre de Moraes, que com muita coragem e muita determinação tomou medidas duras, foi alvo de críticas, mas é graças a ele, a essa firmeza que nós chegamos onde chegamos. São várias ações e aqui falo da PF: a Operação Leva Pátria já passa de 20 fases, onde, seguidamente, a partir das investigações e desdobramentos delas, a gente consegue identificar atores que participaram desse nefasto dia. Com muita qualidade, muita convicção, a gente consegue apresentar ao Poder Judiciário elementos de autoria e materialidade para que as pessoas sejam julgadas. Muitas delas já foram condenadas a penas duríssimas e assim tem que ser. Crimes graves tem que ter repressão também dura para que a gente tenha como lição de que quem tentar fazer isso em alguma medida vai ser severamente responsabilizado.
Sobre as investigações que envolvem autoridades na trama do 8 de janeiro, como estão avançando?
Por óbvias razões não posso entrar no detalhe das investigações, pessoalizar investigação revelando coisas que estão sobre os segredos de Justiça ainda. O que eu posso dizer é que nós já identificamos várias financiadores, vários atores que não são executores. O fato de serem executores é gravíssimo também, mas são pessoas que participaram em outro estamento da organização criminosa, mediante financiamento mediante, articulações, incitação em grupos de redes sociais, vários atores nesse aspecto que inclusive já sofreram condenação criminal e alguns inclusive ainda estão presos. A polícia segue nessa investigação, segue com um foco único que é identificar todos os atores, todos os responsáveis por esse crime que merece toda a nossa repulsa. Independente de estatura política, social, econômica, relações que tenha, seja civil, seja militar, policial, de que categoria profissional for. Nós vamos trabalhar incessantemente até que todos sejam responsabilizados.
Sobre as ameaças ao ministro Alexandre de Moraes, o sr vê verossimilhança nos planos de atentado contra o ministro?
Essas ameaças, esses planos foram urdidos nas redes sociais, em trocas de mensagens. Não posso entrar em mais detalhes que isso, mas o ministro Alexandre tornou público isso em entrevista. De fato houve essas articulações, essas trocas de mensagens no sentido de, primeiro lugar, retirar o ministro Alexandre de Moraes do processo de investigatório, da condução dos processos que estão na sua relatoria na Suprema Corte e, em segundo lugar, de eliminá-lo das formas mais bárbaras possíveis. Portanto, nós não podemos pagar para ver se essa gente vai ou não executar, se isso é bravata ou não. O que eu posso dizer é que isso é de uma gravidade absoluta e nós vamos sempre atuar com muito rigor uma vez identificadas essas pessoas. Houve sim essa situação que o ministro tornou público e esse fato é muito preocupante.
O ex-presidente Jair Bolsonaro pode ser enquadrado em algum desses inquéritos?
Todas as pessoas que, em alguma medida, tiveram participação nesses atos criminosos vão ser responsabilizados. E quando eu digo todas eu não estou excluindo ninguém. Eu não sei se a pessoa A ou a pessoa B ou a pessoa C será responsabilizada, porque quem vai dizer isso é a investigação. É diferente de outros momentos. A Polícia Federal trabalha com muita responsabilidade, trabalha focada na qualidade da prova e na certeza de que aquelas pessoas que forem apontadas à Justiça, serão apontadas com consistência, com provas e vinculações que vão demonstrar quem participou desse ano. E repito: seja de que estatura política for, estatura social, econômica, seja civil, militar, seja quem for. Nós não vamos nos furtar de levar essa investigação até o fim.
Para a próxima segunda-feira, quando 8 de janeiro faz um ano, há um esquema especial da Polícia Federal?
É um dia de celebrar a democracia, a vitória da democracia, a vitória das instituições, a vitória da sociedade brasileira e que nos traz também, mais uma vez, essa reflexão do papel de cada um, da imprensa, da sociedade em geral, nesse contexto de defesa e proteção da democracia. E nós como sempre, estamos preparados para todo e qualquer cenário. Pelos acompanhamentos que temos feito não acredito que tenhamos nada, perto, parecido, nenhum movimento de importância nesse dia, se não o movimento em defesa, em homenagem à democracia. Mas estamos prontos. Assinamos hoje com a Secretaria de Segurança Pública e o governo do Distrito Federal uma ação integrada e portanto todas as agências das instituições estão mobilizadas dentro das suas atribuições legais para atuarem se for necessário.
2024 é ano de eleições municipais. O sr. está apreensivo? Como é que o sr prepara a sua corporação?
A Polícia Federal, como polícia judiciária da União, também é a polícia judiciária eleitoral e portanto encara com naturalidade mais esse desafio, mais uma eleição. Nos 80 anos da instituição foram muitas eleições, essa última duríssima, com embates e toda uma agressividade, de uma parte da campanha e que nos trouxe experiências e aprendizados. A integração com o TSE já é histórica, é uma relação que temos há muito. Eu já fiz reuniões, tanto como ministro Alexandre de Moraes, conversei também com a futura presidente da Cármen Lúcia para que a gente atue cada vez mais próximos, de maneira coordenada, para que tenhamos eleições absolutamente tranquilas, seguras seja em relação a redes sociais, crimes virtuais, mas também na questão física, logística que a Polícia Federal estará atuando.
No 8 de janeiro o governo federal falhou em algum momento?
Nós precisamos entender a responsabilidade e o papel legal, constitucional, de cada instituição. O papel de contenção desses criminosos era o papel da Polícia Militar do Distrito Federal, que é uma das polícias mais preparadas e que melhor atuação tem historicamente. Portanto houve sim uma falha e eu na véspera do dia 8, portanto dia 7, estive reunido com o secretário de segurança do Distrito Federal, documentei isso, enviei um ofício, dizendo que esses criminosos não poderiam sair do acampamento, se não eles iriam invadir e depredar prédios públicos. Inclusive citei os três prédios que efetivamente foram depredados. E o governo do Distrito Federal nada fez. Consequentemente houve essa falha gritante, que permitiu a invasão absurda e todo o cenário que nós vimos. Eu avalio que o grande problema que houve, passa por essa falha, que foi proposital. Eu digo aqui com uma absoluta convicção, tanto que pedi a prisão, e foi decretada, do Secretário de Segurança, do Comandante Geral da Polícia Militar, que culminaram com essas ações bárbaras. E a partir daí tudo foi consequência. A atuação da Polícia Federal como polícia judiciária foi muito firme. Prendemos mais de 1.500 pessoas no dia seguinte. No dia da operação, já junto com a polícia militar e civil foram presas mais de 200 pessoas, mas infelizmente o cenário estava posto daquela falha que houve. E é claro que também é importante não deixar de comentar que em alguma medida o Palácio do Planalto tinha uma proteção do Gabinete de Segurança Institucional que também foi falha, que não atendeu à demanda – poderia ter atendido – e que portanto, em alguma medida também errou.
Para esse 8 de janeiro, quem comemorar os atos golpistas, de invasão à Praça dos Três Poderes, pode ser investigado?
É difícil a gente fazer essa análise em tese, sem saber o teor, que tipo de manifestação é essa que estamos falando. É importante dizer que o Brasil é um país livre democrático e é graças a essa democracia que as pessoas podem se manifestar. E que bom que se manifestam, discordando, concordando, na medida. Agora vamos separar muito claramente o que é a liberdade de expressão, o que é a manifestação legítima, mesmo que seja contrária ao governo do momento, desde que não constitua crime. Se alguém sair na rua dizendo que vai matar uma criança, que vai violentar uma pessoa, que vai traficar droga, não pode. Porque ela poderia dizer que quer um golpe de estado? Também não pode. Então a gente precisa separar a livre manifestação do pensamento – repito saudável, que deve ser preservada, estimulada por todos nós democratas – e apartar muito isso do cometimento de crimes. É difícil falar em tese, mas o que eu posso dizer, também tese, é que quem cometer crime vai ser responsabilizado, seja o crime de furto, seja o crime de golpe de estado ou seja o crime de tráfico de drogas.
Pepita Ortega/Fausto Macedo/Estadão