Espólio do miliciano Zinho é decidido atrás das grades

Por Vera Araújo, do Extra

Ao se entregar à Polícia Federal no Rio, na véspera do Natal passado, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, chefe da milícia de Santa Cruz, mexeu no tabuleiro de xadrez da região, até então sob seu domínio. Enquanto era levado para isolamento numa cela da penitenciária de segurança máxima Láercio da Costa Pellegrino, conhecida como Bangu 1, o homem considerado “o inimigo número 1” do estado podia não saber, mas, a cerca de um quilômetro dali, no Presídio Bandeira Stampa, aliados e dissidentes de seu bando começavam a discutir a divisão de seu espólio.

Arte — Foto: Editoria de Arte
Arte — Foto: Editoria de Arte

Uma reunião na unidade, antes da virada do ano, já ecoou para fora dos muros da cadeia acertando a divisão do território de Zinho entre quem está atrás das grades e no asfalto. A ideia é seguir os passos dos antigos banqueiros do jogo de bicho, num pacto em que cada um respeitaria o espaço do outro na exploração das atividades criminosas, como extorsões, taxas de segurança e o pedágio na circulação de vans.

A informação chegou aos órgãos de inteligência das polícias Civil e Federal, da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) e do Ministério Público, que observam as jogadas dos paramilitares para entender como ficará a nova geografia das milícias da Zona Oeste. Para os criminosos se reestruturarem, seria necessário eliminar os que se opõem ao consórcio da nova milícia da região, evitando que ela fique nas mãos de um só dono, como durante o império da família Braga, antes formado pelos irmãos Carlos Alexandre da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, Wellington da Silva Braga, o Ecko, e Zinho. Foi quando este último assumiu, com a morte de Ecko, em junho de 2021, que aliados que não aceitavam Zinho como chefe deixaram a milícia para criarem o próprio grupo, inimigo de quem os comandava.

Rastro de mortes

 

Foi assim com Danilo Dias Lima, o Tandera. Ele saiu do bando perto do fim da era Ecko, com quem tinha um pacto de não agressão — o que mudou com Zinho. A disputa territorial se acirrou com outros milicianos dissidentes da tropa dos Braga, aumentando os assassinatos na região. Como publicou O GLOBO, os homicídios dolosos na região, de janeiro a setembro do ano passado, aumentaram 72,3% em relação ao mesmo período de 2022, conforme dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).

Já após Zinho se entregar, a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) contabilizou três mortes e um desaparecimento relacionados à disputa de quadrilhas. No último dia 29, o miliciano Antônio Carlos dos Santos Pinto, o Pit, de 44 anos, foi assassinado na favela Três Pontes, reduto do clã Braga. O filho de Pit, de 9, estava com o pai, também foi baleado e morreu no dia seguinte. Pit era responsável pelas finanças de Zinho e tinha importância na grupo.

Além dos três homicídios, a DHC investiga o sumiço de Jairo Batista Freire, o Jairo Caveira, no último dia 6. Ele era considerado o matador da quadrilha, uma vez que Zinho não tinha o perfil de ser um homem de guerra e, sim, o responsável pela lavagem de dinheiro dos Braga. No dia em que desapareceu, fotos de um homem morto, com o rosto desfigurado por tiros, circularam nas redes sociais, como sendo Jairo. Policiais do 27º BPM estiveram à noite no suposto local do ataque, também em Três Pontes, mas não encontraram o corpo. Jairo tinha saído recentemente da cadeia, após ficar preso de janeiro de 2022 a outubro de 2023.

Na manhã seguinte, uma equipe da DHC foi à favela ouvir testemunhas. O lugar apontado como o do assassinato era uma espécie de “área de lazer da milícia”, como descreveu um investigador. O relato do policial é recheado de detalhes: é uma rua sem saída, que dá para um córrego. Há uma cobertura que protege uma churrasqueira, uma mesa de sinuca e bancos, em frente a uma birosca. Não havia vestígios do crime, mas se destacava a pintura recente na mureta do rio e o fato de o local estar impecavelmente limpo. Segundo o delegado titular da DHC, Alexandre Herdy, o desparecimento de Jairo foi registrado durante a semana:

— Há indícios de que Jairo tenha sido assassinado em virtude da disputa interna, a sucessão pelo comando da região. Fizemos diligências na favela Três Pontes e perícia no local indicado como a cena do crime. A investigação prossegue, porque estamos tentando localizar o corpo.

A prática de sumir com corpos, que já foi comum na milícia, teria sido retomada. Na guerra entre os grupos de Zinho e Tandera, deixar os mortos nas ruas era uma exibição de poder pela violência. A estratégia agora seria não chamar a atenção.

Instabilidade

 

O coordenador do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, Fábio Corrêa, aposta no fatiamento da Zona Oeste:

— As investigações indicam a fragmentação de lideranças destes grupos armados, desconstruindo a percepção de hegemonia e personificação de um sucessor. Hoje, observa-se no submundo um momento de instabilidade e disputa, sobretudo, por territórios.

Um dos beneficiados com o pacto seria Rui Paulo Gonçalves Estevão, o Pipito, segurança de Zinho. Ele seria um dos homens mais fortes para herdar dois feudos: as favelas de Antares e Urucânia, em Santa Cruz. Nessas áreas, circulam informações de que ele seria o autor dos disparos contra Jairo, devido à morte do filho de Pit.

Para o delegado titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), João Valentim, a morte de Matheus da Silva Rezende, o Teteus ou Faustão, sobrinho de Zinho, foi o fator principal para a derrocada da quadrilha de Zinho. Matheus foi morto em ação da Polícia Civil, em Santa Cruz, em outubro, o que desencadeou uma onda de violência na região, incendiando 35 ônibus:

— Estamos investigando quais serão os novos chefes ou se haverá um consórcio com os principais cabeças que sobraram soltos.

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