Leis municipais que multam usuários de drogas invadem competência da União

 

Leis e propostas para multar quem porta ou consome drogas em locais públicos têm ganhado espaço em municípios brasileiros, mas especialistas avaliam que a medida é inconstitucional. Eles afirmam que, uma vez que Lei de Drogas (11.343/2006) trata a questão em âmbito federal, não cabe aos municípios legislar sobre o tema.

A Câmara Municipal de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, aprovou no último dia 10 uma lei que multa em R$ 411,93 quem “utilizar, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, entorpecentes sem autorização”, em áreas públicas como praias, praças, ginásios, repartições e estacionamentos descobertos.

O valor pode dobrar, chegando a R$ 823,86, se o infrator for reincidente ou se for flagrado com drogas próximo a estabelecimentos como escolas, hospitais e casas de espetáculo. A lei é aplicada “sem prejuízo de eventuais medidas no âmbito penal”, diz o texto.

Ao menos outras duas cidades litorâneas catarinenses, Porto Belo e Itapema, aprovaram leis semelhantes em 2023, e o Distrito Federal também discute legislação do tipo, com projeto já protocolado na Câmara Legislativa.

Para Maíra Fernandes, professora de direito penal na FGV (Fundação Getulio Vargas), não é legítimo um município aplicar tais multas.

“O porte de drogas é fato já regulado pelo Estado [União], que, segundo a Constituição, possui exclusividade para decidir sobre o tema”, afirma.

No Brasil, “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização” recebe penas educativas —advertência sobre os efeitos de entorpecentes e prestação de serviços à comunidade. Caso tais medidas sejam recusadas, a Justiça pode determinar a aplicação de multa. É o que diz o artigo 28 da Lei da Drogas.

“Parece, então, desproporcional punir o portador com multa administrativa quando a própria norma penal já prevê a aplicação [de multa] em caso medida socioeducativa descumprida”, acrescenta Fernandes.

Luiz Henrique Urquhart Cademartori, docente da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), faz avaliação semelhante. Para ele, a criação de leis como esta em âmbito municipal é questionável.

“Me parece muito difícil contornar a obrigatoriedade de matéria normativa de caráter nacional para tratar sobre o uso de drogas”, afirma. “Isso não pode ser legislado, portanto, por municípios.”

O artigo 28 da Lei de Drogas é alvo de questionamento no STF (Supremo Tribunal Federal). No julgamento do Recurso Extraordinário 635659, que começou em 2015 e deve ser retomado neste ano, os ministros avaliam a constitucionalidade do artigo 28 e devem, ainda, definir critérios objetivos para distinguir o usuário do traficante.

 

Bruno Lucca/Folhapress

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