Nos últimos anos, uma mudança significativa nas dinâmicas do tráfico de drogas e uma aparente trégua entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) vêm sendo apontadas como fatores determinantes para a queda nos índices de homicídios no Brasil a partir de 2017.
A disputa intensa entre PCC e CV em 2015 pela rota caipira, que passa pelo Centro-Oeste e interior paulista, desencadeou uma série de eventos que resultaram na abertura de novas frentes de tráfico, principalmente na região Norte. A dominação da rota amazônica por grupos como o Comando Vermelho contribuiu para a profissionalização das organizações criminosas locais.
Confira o texto do Estadão:
Com a profissionalização desses grupos, começa a disputa por rotas do narcotráfico. Em 2015, quando PCC e Comando Vermelho intensificam a venda no atacado, as duas facções abrem guerra pelos corredores de escoamento, principalmente a “Rota caipira”, que passa pelo Centro-Oeste e o interior paulista. Com isso, o CV busca alternativas no Norte, e passa a operar uma rota amazônica.
Segundo relatório da Senappen, atuam nas prisões do Norte 14 facções, entre elas PCC, Comando Vermelho, Revolucionários do Amazonas, Cartel do Norte, Família Terror do Amapá, entre outras.
A partir do domínio da rota amazônica por organizações de peso, como o Comando Vermelho, e a chegada de integrantes dessas denominações nas cadeias da região, os grupos locais se profissionalizaram.
“Nos anos 1970 e 1980, já havia tráfico de drogas no Norte. Mas a partir dessa guerra, marcada pelas rebeliões nas penitenciárias (em 2017, quando rebelião em um prisão de Manaus teve 56 mortos), vêm as facções do Sudeste”, diz Rodrigo Chagas. professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
“Esses grupos eram mais organizados, com armas pesadíssimas, rede estabelecida com narcotráfico internacional e buscaram na Amazônia novas rotas”, completa ele, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
PCC x Comando Vermelho
Após a guerra pelas rotas de tráfico em 2015, marcada por rebeliões sangrentas nos anos seguintes, PCC e Comando Vermelho começam a entrar em um período de relativa trégua. Antes desse episódio, o mercado interno brasileiro era abastecido principalmente com a cocaína boliviana, que chegava ao País pela Rota Caipira. A abertura de uma nova frente de tráfico no Norte descentralizou a distribuição.
“Como essas rotas não coincidem mais, há certa acomodação do conflito entre PCC e Comando Vermelho. Não parece que há sinalização de nova aliança entre as facções, mas alguma acomodação”, diz Daniel Hirata, coordenador do Núcleo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF).
“Isso ajuda a entender porque desde 2017 temos uma queda dos homicídios no Brasil. Ela é muito mais associada a esse momento do que qualquer política pública”, complementa.
Em 2017, houve um pico no número de homicídios no País devido à guerra entre PCC e Comando Vermelho. A partir de 2018, há uma tendência de queda, com aumento apenas em 2020, ano que teve comportamento atípico diante do início da pandemia.
Dados do Fórum de Segurança Pública mostram que em 2022, segundo o balanço mais recente, o Brasil registrou 47.508 assassinatos, o segundo menor número desde 2011. Mas estudo feito pelas Nações Unidas mostra o Brasil ainda com taxa de 21,3 homicídios a cada 100 mil habitantes, três vezes maior que a média mundial (5,8).
Para Hirata, da UFF, é importante apostar na desarticulação política e econômica das facções. Os grupos criminosos conseguem, por exemplo, se infiltrar na administração pública. Como revelou o Estadão, algumas empresas de ônibus que mantêm contratos com a Prefeitura de São Paulo têm diretores investigados pela polícia em razão da suposta participação em crimes ligados ao PCC.
Do uso de igrejas de fachada à criação de contas em bancos digitais, o PCC também tem diversificado as estratégias de lavar dinheiro para esconder ganhos obtidos com o tráfico e driblar a polícia.
“É importante dar condições que hoje só as facções oferecem nas prisões: segurança, apoio, tratamento um pouco mais justo, proteção a quem está lá dentro. Isso ajudaria a reduzir o poder efetivo das facções sobre a população prisional”, afirma.
Ele defende ainda políticas para evitar o encarceramento em massa e medidas de progressão de pena.
Estados dizem atuar contra o crime organizado
A reportagem procurou as secretarias de Administração Penitenciária dos três maiores Estados do País.
Com cerca de 195 mil detentos, São Paulo afirma combater “diuturnamente” o crime organizado, com ações de inteligência e colaboração com as forças de segurança.
A Secretaria da Administração Penitenciária informa ainda ter parcerias com o governo federal que incluem troca de informações, conhecimento e tecnologia no enfrentamento de facções. E disse que não detalharia as ações por questão de segurança.
O governo de Minas Gerais, que tem a 2ª maior população carcerária (66,2 mil), afirma que o Departamento Penitenciário identifica os declarados pertencentes a organizações criminosas, incluindo seu monitoramento dentro das prisões.
A Secretaria de Justiça e Segurança diz ainda atuar no combate a grupos criminosos de forma contínua, independentemente de projetos específicos da União.
O Rio de Janeiro, cuja população carcerária é de 47,6 mil pessoas, não respondeu ao questionamento da reportagem.
Fonte: Blog Ricardo Antunes