Do Estadão — Mapeamento sigiloso feito pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública e obtido pelo Estadão mostra que há pelo menos 72 facções criminosas nas prisões brasileiras. A análise leva em conta informações enviadas pelas agências de inteligência penitenciária dos 26 Estados e do Distrito Federal.
O relatório revela o alcance dos rivais Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), presentes em quase todos os Estados, e a pulverização de grupos locais – uma rede de alianças e tensões que frequentemente resulta em rebeliões sangrentas.
Para especialistas, as cadeias são “escritórios do crime”, de onde líderes traçam planos e enviam ordens para as ruas. E, com o controle falho pelo poder público e em condição precária, são espaços para cooptar novos integrantes, que entram como detentos comuns e viram parte do exército da facção.
“Um ambiente prisional superlotado, sem controle dos procedimentos, com forte presença de celulares, ou seja, um ambiente em desordem em que o Estado não controla as ações, propicia espontaneamente o surgimento dessas Orcrims (organizações criminosas) iniciais dentro do sistema penal”, admite trecho do relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
A análise identifica desde facções locais, com articulação restrita a bairros, distritos ou região metropolitana; aos dois grupos nacionais, com incidência em todo o País e nos vizinhos.
O trabalhou envolveu 141 relatórios das agências estaduais de inteligência com base em triagem feita pelos policiais, segundo protocolos indicados para identificar facções, mantidos em sigilo. São consideradas como de alto impacto no sistema penitenciário 21 facções.
“Os presos passam a se autogovernar nos presídios. O fenômeno das facções e o modelo de negócio do PCC, que até 1990 era mais restrito a Rio e São Paulo, começa a se espalhar pelo Brasil porque é um modelo bem sucedido”, diz Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o País tem 683 mil detentos nas prisões, em celas estaduais e nas cinco unidades mantidas pela União. Em fevereiro, a fuga inédita na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), unidade de segurança máxima, expôs nova deficiência do sistema.
Rogério Mendonça e Deibson Nascimento, apontados como membros do CV, usaram um buraco de luminária na cela e barras de ferro para escapar, como mostrou o Estadão.
A busca pelos foragidos se arrasta há duas semanas, com uso de cerca de 600 agentes de segurança. Ao Estadão, o secretário Nacional de Políticas Penais, André Garcia, afirmou que a fuga é um episódio atípico.
“Não é o padrão de segurança do sistema prisional. E todos procedimentos e protocolos foram retomados, inclusive em Mossoró. O que havia de fragilidade foi resolvido”, diz.
O relatório, prossegue ele, ajuda a nortear ações e evitar rebeliões. “O mais importante de ter conhecimento da existência dos grupos organizados é trabalhar isso sob o ponto de vista de segurança e inteligência: separar adequadamente (os presos), fazer classificação penal como tem de ser feita.”
Também há um balanço sobre as ações mais cometidas pelas facções: atentados contra o patrimônio (33%) ou contra servidores (17%); resgate de detentos em presídios (9%); motins (5%); e resgate de presos em escoltas (4%). As ocorrências, porém, não são detalhadas.
Rafael Velasco chefiava a Senappen quando o relatório foi produzido, em 2023. “As inteligências dos sistemas penitenciários eram desarticuladas, pequenas ilhas que funcionavam para dentro. O que fizemos foi disseminar metodologia, uma rede de comunicação para trocar informações entre os Estados e entender que as facções funcionam em rede”, disse ao Estadão.
Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Velasco defende a ressocialização de detentos, com oferta de profissionalização dentro do presídio, para afastá-los das organizações.
“As facções são um grande câncer no sistema prisional. Não falar, não estudar e não tratar objetivamente esse tipo de organização criminosa dentro do sistema é padecer desse mal”, afirma. “Diversas unidades prisionais são comandadas muito mais por facções do que pelo Estado.”
O relatório sugere cinco medidas para reduzir a força das facções nos presídios. A primeira é ampliar a capacidade do sistema. Dados do CNJ dão o tamanho do desafio: o déficit é de cerca de 191 mil vagas.
Além disso, recomenda criar um procedimento-padrão dentro das prisões; fiscalização de presos no semiaberto e aberto por meio de monitoramento eletrônico; oferta de trabalho e educação e integração das forças policiais para combate ao crime organizado.