Do Estadão – A cantora e ministra da Cultura Margareth Menezes fechou contratos para fazer shows bancados por recursos públicos, o que contraria princípio da Comissão de Ética da Presidência da República. O colegiado analisa situações de conflito de interesses de ministros e servidores do governo federal e veda casos em que as autoridades misturem assuntos privados com públicos. A Pasta de Margareth Menezes é responsável por aprovar incentivos fiscais que custeiam eventos culturais em todo o País.
Margareth Menezes se apresentou no Carnaval de Porto Seguro no final de fevereiro de 2023, com cachê pago pela prefeitura do município. Antes disso, também fez show de pré-Carnaval em João Pessoa. Segundo informações prestadas pela própria ministra, o evento era bancado por verba pública.
A Comissão de Ética chegou a autorizar os shows, mas deixou claro em uma das decisões que Margareth não poderia receber dinheiro de nenhuma instituição pública. Procurada, a ministra informou por meio de sua assessoria que todos os compromissos foram feitos seguindo as recomendações da Comissão de Ética e, para ela, não geram conflito de interesse.
Margareth foi anunciada como ministra da Cultura pelo então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva no dia 22 de dezembro de 2022. Ela tomou posse no dia 2 de janeiro. Uma semana depois de assumir o cargo, enviou à Comissão de Ética da Presidência da República questionamento se podia cantar em shows que já havia acertado antes de entrar no governo.
Nessa consulta enviada pela ministra à Comissão, ela informou que todos os shows eram pagos com recursos de empresas privadas. Embora tenha justificado que os shows foram contratados “bem antes” de virar ministra, três deles foram fechados depois de ela já ter sido anunciada para o cargo.
No dia 23 de dezembro de 2022, foi assinado contrato para show em João Pessoa (PB). No dia 28, acordo fechado com a prefeitura de Porto Seguro previa apresentação da cantora no Carnaval da cidade em 2023. Os dois contratos tinham dinheiro público envolvido. Outro, assinado também em 28 de dezembro de 2022, era para show no Rio de Janeiro, mas bancado com dinheiro privado.
No total, Margareth Menezes fez duas consultas à Comissão de Ética. Ambas foram analisadas numa mesma sessão, em 28 de fevereiro de 2023, mas as decisões indicam uma divergência de entendimento que a comissão, procurada pelo Estadão/Broadcast, não esclareceu.
A primeira consulta, de 11 de janeiro, foi relatada pelo conselheiro João Henrique Nascimento de Freitas. Nela, Margareth apresentou uma lista de shows e sustentou que todos eram eventos privados. O relator entendeu que não havia conflito de interesses e autorizou a realização dos shows. Mas deixou claro que ela não poderia receber recursos públicos. “Destaque-se, também, que a consulente deve se abster de receber remuneração, vantagens ou benefícios dos entes públicos de qualquer esfera de Poder, inclusive aqueles recursos oriundos das leis de incentivo à cultura”, escreveu o relator.
O entendimento do relator segue o princípio de que um ministro que cuida de verbas para um setor não pode ser beneficiado pessoalmente por esses recursos. No caso de Margareth, o Ministério da Cultura aprova projetos enquadrados na Lei Rouanet e ainda libera verbas para eventos culturais em todo o País.
Em 20 de janeiro, Margareth Menezes apresentou novo pedido para cumprir contratos que envolviam dinheiro público. A solicitação ficou com outro relator, o conselheiro Edson Leonardo Dalescio Sá Teles.
O novo relator votou para autorizar a realização de shows já marcados e vedar o recebimento de cachês pagos com recursos públicos em contratos futuros. “Também é vedado à consulente receber remuneração dos entes públicos (federais, estaduais e municipais) por apresentações artísticas/musicais futuras”, escreveu em seu voto.
Mesmo com as afirmações conflitantes dos dois relatórios sobre a possibilidade de a ministra receber cachês bancados com dinheiro público, a Comissão de Ética aprovou os dois textos na mesma reunião. O extrato da ata com as decisões explicita a divergência. O extrato referente ao primeiro processo fala em “vedação ao recebimento de remuneração originado dos entes públicos”. No segundo caso, a restrição é “em eventuais contratações futuras”.
No caso do contrato com a Prefeitura de Porto Seguro, quem assina é a empresa Pedra do Mar Produções Artísticas LTDA, registrada em nome de Margareth Menezes e Jaqueline Matos de Azevedo, quem efetivamente assinou o acordo. O cachê previsto foi de R$ 300 mil.
O contrato com a prefeitura estipulava penalidades para a empresa em caso de descumprimento do acerto, como multa de 50% do valor do contrato e impedimento de celebrar novos acordos com o município de Porto Seguro, além de ser declarada inidônea para participar de licitações ou contratos da administração pública.
De acordo com Suzana de Camargo Gomes, ex-integrante da Comissão de Ética, a ministra correu um risco em realizar os shows sem a autorização prévia do colegiado. “O que a Comissão de Ética analisa é se está presente ou não o conflito de interesse. Se a Comissão de Ética decidir de forma contrária, você está violando”, afirma. “Não é que ela [Comissão de Ética] obrigue a não fazer. Só que se for descumprido isso gera consequências. As consequências podem ser a censura, por exemplo”. Essa censura não é vinculante a uma punição, tem um “caráter moral”, nas palavras dela. Ou seja, causam desgaste político.
O que diz a ministra
A assessoria de imprensa do Ministério da Cultura disse que os contratos mencionados foram fechados antes da posse de Margareth Menezes e que não há conflito de interesse no caso. “Ademais, cumpre dizer, que ainda que os contratos artísticos fossem firmados posteriormente ao convite ou à sua posse, não haveria impedimento legal, observadas as vedações constantes da lei e do Código de Conduta da Alta Administração, referendados pela Comissão de Ética Pública”, diz o ministério em nota. A pasta sustenta ainda que em 2024 “não houve contrato firmado com recursos públicos, até o momento”, mas não fez referência aos shows bancados com recursos públicos em 2023.
O Estadão/Broadcast questionou também a comissão sobre suas decisões. Por meio de nota, o colegiado declarou que as decisões “diziam respeito a consultas distintas, sendo que as recomendações e condicionantes aplicadas estavam adequadas a cada caso concreto e alinhadas com os precedentes da CEP”.