*Por Fabiano Lana, do Estadão – Um presidente da República perder popularidade em períodos de crescimento econômico e queda de desemprego não costuma ser trivial. A divulgação de três pesquisas que indicam a queda da aprovação de Lula abriu a temporada de debates.
Há hipóteses instigantes como a questão dos valores representados pelos segmentos evangélicos terem sido supostamente desrespeitados pelo presidente; o fato de a economia só ter crescido no primeiro semestre de 2023; ou o desenvolvimento estar concentrado em praticamente um único setor, o agro. Há comparações internacionais como a com os EUA, de um presidente Biden ser impopular com bons números. Outra possibilidade, pelo menos para quem já atua no setor, é assistir aos chamados grupos de pesquisa qualitativa, onde os brasileiros falam sobre suas vidas. A conclusão pode ser mais ampla: haveria parcela ampla da sociedade que não se sente representada pelo Estado e não quer ceder nada a ele.
Para quem não conhece, os grupos qualitativos são formados por pessoas escolhidas, por faixa de renda da população, para, sentados em torno de uma mesa, conversarem sobre determinado tema apresentados por um moderador. Como se fosse um big brother particular, os diálogos são observados por quem está atrás de um falso espelho. Empresas e governos costumam fazer testes desse tipo antes de lançarem produtos, campanhas publicitários ou mesmo ações públicas.
A vitória de Lula nas eleições presidenciais foi incontestável nas chamadas classes D e E, com renda mensal domiciliar de até R$ 3 mil – que no final de 2022 representava 50,7% da população, segundo a pesquisa Classes de Renda e Consumo no Brasil. Na classe C, de renda domiciliar entre R$ 3 mil e R$ 7 mil, o presidente já começa a enfrentar dificuldades de anuência que tendem a crescer nas estratificações de maior poder aquisitivo. A classe C representa cerca de 1/3 da população brasileira.
O que os grupos qualitativos mostram, em diversas manifestações dos escolhidos, que há uma parcela significativa da população que possui renda acima daquelas que são beneficiárias dos programas sociais e, por outro lado, não tem acesso nenhum aos privilégios de quem pode pagar por escolas caras para seus filhos, viajar ao exterior e viver em bairros com relativa segurança e muita infraestrutura.
Sem auxílio direto do governo, são famílias que não acreditam na segurança pública e acham poder viver com a proteção paga a milícias; reputam o sistema de transporte público que os leva ao trabalho um tormento diário; consideram o sistema de saúde insuficiente e demorado (aquele momento de amor eterno ao SUS, na pandemia, era coisa de classe média alta); na educação, o Estado tem sido incapaz de cuidar da formação escolar dos filhos quando se exige muito mais do que a merenda. Soma-se a esse caldo um País que mesmo apresentando taxas de crescimentos há 3 anos ainda tem uma renda per capita abaixo da registrada em 2011.
Até aí tudo bem, são questões objetivas. O tópico curioso que se pôde perceber nos grupos classe C, principalmente aqueles em que se selecionam apenas homens, foi um certo ressentimento com relação a programas sociais que não os beneficiam diretamente. Houve condenações ao Bolsa Família, por exemplo, por “fazer as mulheres terem mais filhos e não trabalharem”, declarações vindas de profissionais como técnicos de Tecnologia da Informação e de motorista de aplicativo.
Nesse fenômeno de certo Brasil dobrar à direita, na expressão do cientista político Jairo Nicolau, algo que parece ter ficado mais consolidado é a noção de que o dinheiro do Estado pertence ao cidadão, não ao governo. Logo, em diversas hipóteses, nos momentos em que se apresentavam programas destinados a outros segmentos sociais, eram vistos rostos de desaprovação, inclusive em grupos oriundos de regiões metropolitanas de capital nordestina. Algo como, “não quero ver esse dinheiro meu aí não”. Nos grupos femininos observados, havia certa condescendência. Nos masculinos, pouca solidariedade de classes. É como se dissessem: “por que meu dinheiro suado não volta para mim como serviços de Estado?” Isso talvez explique a razão de motoristas de aplicativos não aceitarem nem mesmo direitos previdenciários. Neste momento não querem dar nada ao Estado porque não confiam que receberão de volta.
Há vários desdobramentos desse novo Brasil classe C. Um deles é político. Figuras como Jair Bolsonaro e outros tiveram faro mais rápido para detectar milhões que não se sentem representados pelo Estado, pela política tradicional, e muito menos pelo Partido dos Trabalhadores de Lula. Que viram a igreja evangélica tomar o papel que em tese seria de entes públicos, como oferecimento de emprego e recuperação de viciados em drogas. Na classe C, inclusive, até mesmo pretos se posicionam contra as teses da esquerda. Política de cotas beneficiariam a minoria, entre a classe C, que consegue fazer um estudante completar o ensino médio. Entre os pretos, esse gargalo não costuma ser ultrapassável de maneira fácil. Quem cursava ensino superior, pagava mensalidades. Essa classe C hoje busca eleger quem defenda os seus interesses. Encontram seus representantes em antilulistas aos quais se atribuem posições de “extrema direita”.
Outro desafio que se impõe é na área de comunicação. A opinião pública pode estar dividida por um critério de classes. Até certa renda, aprova-se uma política de Estado. Mais adiante, em outro segmento, haverá mudanças de postura. Às vezes, na cúpula da pirâmide, certa ação volta a ser aplaudida. Procura-se, portanto, fórmulas mais segmentadas de se chegar às pessoas. Por último, mas não menos importante tanto para área política como a de comunicação: hoje o principal meio de recebimentos de informações e notícias no Brasil parece ser o Instagram. “Fulano pode ser ótimo, mas como não vejo no Instagram o que ele faz não sei o que dizer dele”, afirmou uma mulher sobre um representante público em quem votou há pouco mais de um ano. São os novos tempos.