Por Lauro Jardim, em O Globo — Herdeiros do Grupo João Santos (Cimento Nassau) travam há um ano uma disputa na Justiça de Pernambuco para impedir que novos credores compliquem sua atribulada recuperação judicial, iniciada em 2022. Os casos tramitavam em sigilo na 15ª Vara Cível de Recife, mas foram recém-tornados públicos e revelam um litígio de nada menos que R$ 2 bilhões.
O montante está sendo cobrado da RJ do grupo por três empresas com sede na Suíça: a Agricultural & Industrial Development; a Cement & Land, e a Sugar & Land. O trio pede para ser incluído na lista de credores com garantias reais do grupo, tendo prioridade de pagamento em caso de falência. Os R$ 2 bilhões equivalem a soma de créditos adquiridos por empresas do João Santos no início dos anos 2010.
Só que a atual administração do grupo, representada pelo escritório Matos Advogados, contesta a origem dos créditos. Os fundos suíços seriam, na verdade, um mecanismo offshore para “blindar o patrimônio (do próprio grupo) dos milhares de credores trabalhistas, fornecedores e do fisco” — nada tão fora da curva, uma vez que o João Santos é alvo da PF desde 2021 por crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa em sonegações de valores nos bastidores do conglomerado.
Os criadores do sistema na Suíça, ainda não investigado e trazido à tona mais recentemente, teriam sido antigos administradores do grupo: Fernando e José Bernardino dos Santos. Ambos são filhos do patriarca João Pereira dos Santos, que morreu aos 101 anos em 2009.
Fernando, na visão dos ramos familiares dos outros cinco herdeiros, estaria agora tentando recuperar esses R$ 2 bilhões, via RJ, a despeito dos demais herdeiros e credores. O grupo passaria a dever um valor que já fez parte de seu patrimônio. E o passivo da RJ, que já foi de R$ 14 bilhões e vem sendo renegociado para R$ 5,3 bilhões, passaria a ser de cerca de R$ 7,3 bilhões.
Para tentar evitar o movimento, os advogados do grupo tentam, desde maio de 2023, fazer com que as dívidas com as empresas suíças sejam transformadas em créditos intercompany (um mútuo entre PJs da mesma composição societária, ou seja, um crédito contábil apenas). Assim, os R$ 2 bilhões não seriam um acréscimo no passivo a ser pago pelo grupo.
Também foi feito um pedido por uma análise do MP de Pernambuco. Na última sexta-feira, o promotor Paulo Figueiredo orientou a interrupção das ações envolvendo os créditos, uma vez que se tratam de “somas vultuosas” com potencial de “causar um impacto financeiro considerável”.
Agora, caberá à 15ª Vara Cível de Recife decidir o que será feito, enfim, com a tal fatura bilionária.