Congresso já barrou 93 vetos do Executivo; veja qual presidente teve mais atos derrubados
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva intensificou nas últimas semanas as negociações com parlamentares para tentar atenuar um entrave que tem afetado não só a gestão petista, mas também mandatos presidenciais anteriores: a derrubada de vetos pelo Congresso. Levantamento realizado pelos cientistas políticos Lucio Rennó e Isaac Sassi, com exclusividade para o Estadão, mostra que, de 2003 até agora, deputados e senadores já anularam 93 vetos assinados por presidentes da República. Desses, 70 foram da gestão Jair Bolsonaro, o maior derrotado. Nesta quinta-feira, 08, o Congresso vai analisar mais uma leva de 32 vetos.
Quando o Parlamento aprova uma lei, o presidente tem direito de vetar o texto integral ou parcialmente. Cabe ao Poder Legislativo dar a palavra final e decidir se mantém ou derruba o veto presidencial. O volume de decisões do Congresso contra os atos do Poder Executivo cresceu a partir de 2013. Naquele ano, os congressistas promoveram mudanças regimentais que aprimoraram o exercício do direito à apreciação dos vetos, fortalecendo o Legislativo e impondo mais desafios de governabilidade ao Executivo.
Até 2013, o Congresso não dava prioridade à análise de vetos presidenciais, ficando o Executivo com poder de maior em relação a projetos aprovados por deputados e senadores.
Naquele ano, os congressistas aprovaram um calendário de votação e alteraram a forma pelo qual o prazo constitucional de 30 dias de apreciação do veto era calculado. O limite temporal, quando não respeitado, passa a “trancar” a pauta do Congresso, impedindo, por exemplo, a votação de leis orçamentárias, até que o texto do veto seja analisado pelo plenário.
Entre 2003 e 2024, o Congresso analisou 772 vetos presidenciais. Desses, 93 foram rejeitados, o equivalente a 12%. Nesse período a gestão de Jair Bolsonaro (PL) foi a que sofreu mais derrotas: 70 vetos derrubados pelo Congresso. Já o ex-presidente Michel Temer (MDB) teve 11 vetos revogados e Dilma Rousseff (PT) 2. No ano passado, a gestão Lula teve oito vetos derrubados.
O ex-presidente Bolsonaro teve 255 vetos analisados pelos parlamentares durante os quatro anos de governo, e os rejeitados representam 27% do total, o maior percentual de todos os presidentes no período analisado.
Para Rennó, a falta de articulação política e a ausência de formação de uma coalizão no Congresso, somadas às mudanças regimentais, foram os principais responsáveis pela reversão integral dos vetos pelos parlamentares.
“Bolsonaro já não tinha uma coalizão grande no Congresso. Com a prerrogativa constitucional de reverter o veto sendo efetivamente exercida, acabamos vendo muitos vetos derrubados. Não tenho dúvida, sem as reformas ele não teria dito esse número de rejeições“, diz.
Já Temer, que assumiu a presidência após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, é o segundo presidente com mais derrotas. Durante os dois anos em que esteve à frente do Executivo, foram 128 vetos que passaram pelo crivo dos congressistas, dos quais 11 foram derrubados integralmente (8,5%).
Rennó pontua que, embora seja considerado um político com uma longa trajetória no Congresso, Temer também enfrentou reveses no Parlamento devido a nova dinâmica regimental de votação dos vetos e a perda de capital político ao longo do mandato.
“Mesmo Temer sendo um político muito experiente, vimos a dificuldade dele em lidar com o novo momento de arranjo institucional do Legislativo”, ressalta.
Mudança regimental fortalece Legislativo
Antes de 2013, o presidente do Senado precisava pautar individualmente cada veto, convocando uma sessão conjunta para que deputados e senadores deliberassem sobre o dispositivo vetado. Somente nesse momento que o prazo de 30 dias começava a fluir. Dessa forma, o sobrestamento da pauta raramente ocorria, já que o prazo estava vinculado à realização da sessão conjunta.
A partir de julho daquele ano, durante o primeiro mandato de Dilma, ocorreram mudanças significativas nas regras de trâmite dos vetos com a aprovação de uma resolução regimental pelo Congresso. O texto determinou um calendário de votação mensal, permitiu a votação de mais de um veto em uma mesma sessão e alterou o início do prazo de apreciação para o momento da protocolização do veto pelo Executivo na Presidência do Senado Federal. Assim, o período de 30 dias para sua votação passou a ser cumprido, sob pena de efetivamente trancar a pauta.
Como até 2013 o Congresso pouco se mobilizava em relação aos vetos presidenciais, o Palácio do Planalto detinha a última palavra sobre a etapa final do processo decisório. Na prática, o antigo sistema conferia ao Executivo a prerrogativa de vetar quase qualquer iniciativa dos congressistas com a qual discordasse.
“Era bem mais cômodo para o Executivo antes da mudança regimental. O governo vetava um projeto de lei e não tinha problemas. Ele [Executivo] tinha a palavra final sobre uma proposição legislativa. Eram cerca de 3 mil dispositivos vetados pendentes e sem apreciação”, diz Rennó.
Para o cientista político Pedro Paulo de Assis, pesquisador do Departamento de Ciência Política da USP, o processo de análise de veto era moroso, ineficiente e incapaz de aglutinar as diferentes matizes políticas em torno da apreciação de veto, principalmente em um contexto de crescente fragmentação partidária no Congresso. O pesquisador também ressalta que a crescente oposição no Parlamento torna a mudança regimental fundamental para arregimentar parlamentares que não fazem parte da coalizão governista.
“A fragmentação faz com que os custos sejam cada vez maiores para coordenar os parlamentares. Então, a mudança no regimento cria mecanismos que tornam mais célere a formação da maioria. Em um contexto de aumento da oposição no Congresso, o regimento também funciona como um recurso coordenativo da própria oposição, em um cenário no qual cada vez menos parlamentares participam da coalizão do governo”, pontua.
De acordo com o professor do Instituto de Ciência Política da UnB, Frederico Bertholini, as alterações foram consequência de um processo contínuo de reação dos parlamentares para fortalecer o Legislativo ante o Executivo. Em sua avaliação, as mudanças propiciaram, por um lado, mais poder de barganha aos parlamentares e, por outro, aumentaram o custo de governabilidade do governo.
“A mudança regimental se deu em decorrência de uma deterioração da relação entre os dois Poderes, onde historicamente havia um Executivo muito forte e um Legislativo mais fraco. Foi uma alteração da própria Casa com objetivo de fortalecer o Legislativo”, explica.
Na mesma linha, Rennó pontua que os parlamentares recuperam o poder final no processo de aprovação de leis. “Desde a reforma, foi adicionada mais uma camada de negociação para o Executivo. A governabilidade fica mais difícil e o governo precisa analisar bem o que vetar”, completa.
A tendência de derrubar vetos, porém, só se tornou mais frequente depois de 2015. Naquele ano, quando a presidente Dilma começava seu segundo mandato sob forte contestação no Legislativo, 2 vetos feitos por ela foram derrubados integralmente.
Lula 3 e possibilidade de mais vetos derrubados
Lula também enfrenta dificuldades para fazer valer os vetos. No primeiro ano do seu terceiro mandato, foram 30 apreciações, com 8 atos revogados pelo Congresso (26%). O número já supera a soma dos dois primeiros mandatos do petista, que, juntos, totalizam 2 derrubadas de vetos, em 8 anos. O desempenho também é pior que o primeiro ano de Bolsonaro, quando o ex-presidente teve 62 vetos analisados, e 13 foram rejeitados integralmente (20%).
“Se a tendência do primeiro ano se mantiver, ele pode ter um desempenho pior do que de Bolsonaro. Até porque, é bom ressaltar que a coalizão do Lula também é uma das menores. Olha, por exemplo, a dificuldade sobre a apreciação dos 32 vetos. O adiamento da sessão foi considerado uma vitória”, diz Rennó.
Após a base aliada conseguir adiar a sessão de apreciação dos vetos, o Congresso ainda precisar analisar vetos de Lula como o que barrou parte do projeto das “saidinhas” de presos e o que fez corte de R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão do Orçamento.
“Lula vai ter bastante dificuldade no restante do mandato em relação aos vetos e nessa sessão de quinta. O ‘jogo’ entre os dois Poderes mudou”, completa Rennó.
Hugo Henud/Estadão Conteúdo