Passageiros e motoristas vivenciam rotina de medo e violência nos ônibus: “tem um celular para o ladrão”

Só em abril deste ano, foram registrados 46 assaltos a coletivos no Estado. Casos recentes deixaram mortos e feridos

Por: Wilson Maranhão
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Com a sensação de insegurança nos ônibus, passageiros adotam estratégias para tentar grandes perdas  (Foto: Priscilla Melo/DP )
Com a sensação de insegurança nos ônibus, passageiros adotam estratégias para tentar grandes perdas (Foto: Priscilla Melo/DP )
A universitária Maria Luiza Borges, de 18 anos, usa diariamente o ônibus para ir de casa, em  Casa Amarela, na Zona Norte do Recife, para a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Dois Irmãos, na Zona Oeste da cidade. Com medo da violência nos coletivos, cada vez maior no Grande Recife, ela adotou uma estratégia para tentar evitar grandes perdas: o “celular do ladrão”.
“Saio todo dia com dois celulares, um que é pessoal e o outro que é do ladrão. Adotei um esquema em que escondo o meu celular pessoal e deixo outro, que é um que nem uso direito, no bolso da calça. Daí, se o ladrão for me roubar, entrego esse aparelho. Tenho muito medo de ser vítima, de me tornar mais uma diante de várias. Infelizmente, não há outra sensação. Ando diariamente no ônibus com medo de não voltar mais para casa”, declarou.

A universitária Maria Luiza Borges, de 18 anos, anda com dois celulares, em que ela enfatiza: "um deles é o celular do ladrão"  (Foto: Marina Torres/DP )
A universitária Maria Luiza Borges, de 18 anos, anda com dois celulares, em que ela enfatiza: “um deles é o celular do ladrão” (Foto: Marina Torres/DP )
O depoimento da universitária mostra a sensação de insegurança que toma conta de quem anda de ônibus.  E esse medo tem fundamento. Os números oficiais divulgados pela Secretaria de Defesa Social (SDS) registram 46 casos de roubos a ônibus no estado em abril deste ano. Isso equivale a uma média de mais de um assalto por dia.

Dessas ocorrências, 24 aconteceram na Região Metropolitana do Recife (RMR), enquanto 22 foram registradas especificamente no Recife. No interior do estado não houve ocorrências nesse mês de referência.

As estatísticas da pasta também apontam que, no primeiro quadrimestre de 2024 (janeiro a abril), foram contabilizadas 146 ocorrências. Isso significa uma média de mais de um assalto a ônibus  por dia.

Vítimas
Para quem já foi vítima dos bandidos nos coletivos, o drama é ainda maior. Uma vendedora de 34 anos, que preferiu não ser identificada, contou que já ficou com medo de morrer em um assalto. Na ação, ela teve o celular levado pelos criminosos.
“Adotei a minha própria segurança. Decidi evitar pegar ônibus à noite pois, no mês passado, passei por apuros. Fui ameaçada pelo assaltante, que me disse: ‘não olhe para trás, senão dou um tiro no seu olho e te mato'”, relembrou.
A mulher afirmou que o trauma é grande. “Não tenho o que fazer. Preciso do ônibus para poder me deslocar ao trabalho”, relatou a moradora do bairro de Cavaleiro, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife.
Mortes
Neste mês de maio, dois casos de violência no sistema de transporte público resultaram na morte do suspeito, após passageiros reagirem a tentativas de assalto. Um deles aconteceu no dia 10, em uma investida contra um ônibus BRT da linha Camaragibe/Conde da Boa Vista. Terminou com o criminoso morto naquela madrugada. O outro integrante do grupo pulou do veículo em movimento, ficou ferido e acabou sendo detido. Além disso, a polícia prendeu outros três rapazes, todos envolvidos no crime.
Um dia antes, um policial militar da reserva, de 53 anos, reagiu a uma tentativa de assalto em um ônibus, em Sítio dos Pintos, na Zona Oeste do Recife, e atirou no suspeito, de 37 anos. O caso aconteceu em um coletivo que fazia a linha TI Camaragibe/TI Macaxeira, nas proximidades da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Além desses casos, um crime que repercutiu no Estado foi a morte do universitário Gean Carlos Lopes Júnior, de 20 anos, que foi morto após levar uma facada no peito durante um assalto a um ônibus BRT, na Avenida Guararapes, no Centro do Recife, no dia 30 de abril.
Mobilização 
No dia 14 deste mês, familiares e amigos de Gean Carlos realizaram um ato em conjunto com o Sindicato dos Rodoviários do Recife e Região Metropolitana.

Familiares e amigos do estudante Gean Carlos, de 20 anos, morto após um assalto em um ônibus BRT, fizeram um ato de protesto para cobrar Justiça pela morte do universitário  (Foto: Marina Torres/DP )
Familiares e amigos do estudante Gean Carlos, de 20 anos, morto após um assalto em um ônibus BRT, fizeram um ato de protesto para cobrar Justiça pela morte do universitário (Foto: Marina Torres/DP )
Diversos ônibus ficaram enfileirados na Avenida Guararapes, no Centro, em sinal de protesto para denunciar a falta de segurança no transporte público de passageiros.
“A quantidade de rodoviários que entram em contato com o sindicato para relatar que foram vítimas de assalto é alta. Muitos motoristas relatam que estão adoecendo por conta disso, quem sai de casa com medo da violência e não sabe se volta pra casa. Os usuários também fazem esse relato constante, em que muitos deles afirmam a constância de casos no Centro do Recife, principalmente, nos períodos da madrugada. O Centro da cidade está abandonado. Eu não tenho dúvida que o sentimento de insegurança que os rodoviários sofrem é o mesmo dos usuários”, comentou o presidente do Sindicato dos Rodoviários do Recife e Região Metropolitana, Aldo Lima.
Ainda segundo ele, a profissão de rodoviário se tornou, na visão dele, uma das mais arriscadas e estressantes.
“Estressante porque o rodoviário hoje em dia além de dirigir, tem que passar troco, acumulando a dupla função. Além disso, o calor dentro dos coletivos, sem a refrigeração, carros sucateados, ou seja, é um nível de estresse que é muito alto. E agora, culmina no problema da falta de segurança, com os assaltos, vandalismo, surfe nos coletivos e agressões. Tudo isso adoece o rodoviário. Muitos motoristas estão com problemas psicológicos causados pela violência no transporte. E cabe apenas a nossa instituição cobrar providências do Poder Público. Pois, do jeito que está, não dá. Nada é feito para combater a violência nos ônibus”, enfatizou o dirigente sindical.
O que diz a Urbana
Nessa questão citada pelo presidente do sindicato, dos rodoviários que apresentam problemas psicológicos por conta da violência e dentro dos coletivos e o estresse, a reportagem do Diario de Pernambuco procurou o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado (Urbana-PE) para saber se as operadores prestam serviço de apoio médico aos rodoviários.
Por meio de nota, a entidade disse que “As empresas têm em seus quadros psicólogos que fazem o atendimento inicial e acompanhamento dos rodoviários após ocorrências como assaltos”. A nota destacou que há projetos voltados à saúde emocional desses profissionais, iniciativas que abrangem programas de saúde e segurança do trabalho, orientações psicológica, financeira, nutricional e jurídica. “Empresas do setor também já ofereceram oficinas para equilíbrio emocional, aulas de relaxamento, ginástica laboral e até massoterapia, além de iniciativas de fomento à leitura e ao esporte”, detalhou a nota.

A equipe do Diario ainda questionou sobre reforço na segurança dos coletivos. A Urbana-PE reiterou que busca soluções para a questão junto ao governo do estado e à SDS. “Toda a frota da RMR é equipada com até cinco câmeras de segurança. Além disso, por meio de convênio, as empresas disponibilizam para a Polícia Civil as imagens de eventuais assaltos nos ônibus, assim como relatórios detalhados sobre as ocorrências, a fim de contribuir com o planejamento da ação policial”, esclareceu. Importante ressaltar que a categoria não possui acréscimo salarial por insalubridade – uma compensação paga a algumas classes profissionais sujeitas à exposição nociva à saúde em razão do exercício profissional.

 
 
Rotina de medo 
A equipe do Diario de Pernambuco conversou com dois rodoviários que atuam no sistema de transporte público do Grande Recife. Ambos preferiram não se identificar e disseram viver sob a carga de estresse e medo da violência diante ao volante. Um deles tem 39 anos, sendo sete dedicados à profissão. Ele contou que já foi vítima de assalto dentro do coletivo por cinco vezes.
“Danos pessoais não tive, somente a renda das viagens, além dos pertences dos passageiros. Dois aconteceram em Olinda, dois na Avenida Caxangá e o último no bairro do Curado. O sentimento é sair de casa e não saber se volta. A gente tá entregue às baratas, abandonados. Eu ainda tomo alguns cuidados, pois se eu sentir que na parada do ônibus há gente suspeita, que porventura venha roubar no meu carro, eu infelizmente queimo a parada. No entanto, as empresas exigem que não façamos isso, temos que parar para todos. Mas a gente fica vulnerável a qualquer situação. A nossa própria vida está em risco. Acredito que só o policiamento dentro dos ônibus, de forma ostensiva, com rendição dentro dos carros para aqueles que querem roubar dê solução. Antigamente, os motoristas tinham respeito, mas hoje em dia, não. Estou sob constante estresse e medo em meio ao meu ambiente de trabalho”, relatou.

Um rodoviário, que preferiu não se identificar, contou cque já foi vítima cinco vezes de assalto dentro dos coletivos  (Foto: Marina Torres/DP )
Um rodoviário, que preferiu não se identificar, contou cque já foi vítima cinco vezes de assalto dentro dos coletivos (Foto: Marina Torres/DP )
Já outro rodoviário, de 40 anos, sendo dez dedicados à função, contou ao Diario que também adotou estratégias para tentar não ser vítima da violência dentro do ônibus. “Eu já fui vítima de assalto também. Aconteceu nas proximidades da favela da Ponte Preta, em Olinda. Três ladrões subiram no coletivo, todos com faca. Levaram a renda da viagem e os pertences dos passageiros. Eu dirijo diariamente com medo, ando recentemente muito aflito, diante dos últimos casos que vi na imprensa. Há um tempo venho adotando estratégias, como não deixar meu celular no bolso, deixo na bolsa. A gente que roda à noite, onde as paradas são escuras, fica sempre com medo. A gente sai de casa sem saber se voltamos. Trabalhamos porque precisamos. Se fosse reforçado o policiamento nos coletivos ajudaria bastante. Hoje em dia ser motorista de ônibus não é uma tarefa fácil”, comentou o rodoviário.

Outro rodoviário, que também não quis se identificar, contou o drama diário do medo de dirigir em meio a violência nos coletivos  (Foto: Marina Torres/DP )
Outro rodoviário, que também não quis se identificar, contou o drama diário do medo de dirigir em meio a violência nos coletivos (Foto: Marina Torres/DP )
O que diz o governo
A reportagem do Diario de Pernambuco procurou a Secretaria de Defesa Social (SDS) para saber quais ações a pasta está tomando para reforçar a segurança no transporte público de passageiros.
Por meio de nota, a SDS disse que os registros de abril passado (46 ocorrências) apresentaram redução de 4,2% se comparado ao mesmo período de 2023, quando houve 48 ocorrências. “Através de ações preventivas e investigativas das polícias Militar e Civil, o primeiro quadrimestre de 2024 (145 registros) alcançou uma redução de 29% nos roubos a coletivos, o que representa o melhor período desde o ano de 2015”, detalhou a nota.
A gestão afirmou que os números alcançados pelas Forças de Segurança em 2024 são os melhores da série histórica. “Diversas ações de prevenção e repressão vêm sendo realizadas visando a redução desse tipo de crime. Através da Força-tarefa Coletivos e da Operação Transporte Seguro, que consiste em viaturas trabalhando integradas realizando abordagens a coletivos e paradas de ônibus, estamos reforçando as ações de combate aos roubos em ônibus. Nos finais de semana, feriados e dias de jogos também é desencadeada a Operação Medina, que combate a depredação e surfe em ônibus”.
Fonte: Diário de Pernambuco

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