Lei que proíbe uso do celular nas escolas de Salvador tem gerado debates entre especialistas, educadores e estudantes. Os que apontam os dispositivos eletrônicos como prejudiciais ao aprendizado – sobretudo para as crianças mais novas – e os que defendem uso consciente dos aparelhos por parte dos alunos só demonstram a complexidade da discussão. Independente da legislação, educadores indicam que é preciso desenvolver combinados entre os agentes do processo educacional e uma atuação mais ativa da família, para coibir o uso irresponsável dos celulares pelos estudantes.
Com o objetivo de limitar o uso de aparelhos eletrônicos nas salas de aula, o Projeto de Lei nº 302/2023, de autoria do vereador André Fraga (PV), foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal de Salvador, no dia 22 de maio deste ano. Agora, o projeto segue para votação no plenário.
A proposta permite o uso dos celulares para atividades específicas mediadas pelos educadores e para funções de acessibilidade. O projeto também indica a necessidade de instalação de placas informativas nas dependências das escolas e nas salas de aula, informando a proibição dos dispositivos e o número da lei.
O vereador André Fraga ressalta a importância do projeto municipal. “Não há nenhum tipo de benefício no uso exacerbado de telas. Esse projeto visa garantir que os alunos tenham foco e consigam priorizar os estudos”, argumenta. Caso a norma seja aprovada, a Prefeitura ou as próprias escolas devem organizar um modelo de implantação da regra.
Mas o projeto não é o único do tipo que tramita no estado. O uso de telefone celular e outros aparelhos eletrônicos pode ser vetado nas escolas de toda Bahia, se for aprovado o projeto de lei (PL) nº 25.203/2024, do deputado estadual Roberto Carlos (PV). O texto já foi encaminhado à Assembleia Legislativa da Bahia (Alba).
Mediação
Já existe uma recomendação no estado da Bahia para que os professores mediem o uso dos celulares na sala de aula, de acordo com o assessor especial da Secretaria de Educação da Bahia (SEC), Manoel Calazans. Ele explica que para tornar realidade o bom uso desses aparelhos nas escolas é necessário um acordo coletivo.
“É preciso fazer combinados, se não vamos ter tensionamentos. Temos que encontrar um meio que permita que as autoridades educacionais, no caso os professores, coordenadores pedagógicos e a própria gestão da escola, façam essa mediação dos aparelhos. Isso precisa estar combinado com as famílias também. Todo uso de rede social, de mídias inteligentes, precisa do acompanhamento de um adulto”, afirma.
O presidente do Sindicato das Escolas Particulares da Bahia (Sinepe – BA), Tadeu Coelho, reitera a afirmação. Ele conta que nos últimos anos houve uma invasão de celulares no ambiente escolar e que as escolas não dão conta.“É um desafio que deve ser feito a quatro mãos. A família precisa autorizar a escola a fazer essa redução do uso do aparelho celular no cotidiano das crianças. Ao menos enquanto elas estiverem na escola”, reforça Tadeu.
A psicopedagoga e educadora parental, Faezeh Santos, explica que os pais ou responsáveis são fundamentais para um bom desenvolvimento dessa relação entre jovens e a tecnologia. No caso dos mais novos, por exemplo, ela indica que estudos apontam que os pequenos devem se manter completamente distantes de celulares até os 3 anos.
A Escola Experimental, que trabalha com crianças da educação infantil até o 5º ano – idade até por volta de 10, 11 anos – estabeleceu há dois anos uma proibição do uso de celulares. A pedagoga e diretora da escola experimental, Lisa Almeida expõe o motivo da decisão. “Nós acreditamos que o uso de aparelhos de celular dentro da escola, dentro da sala de aula, ele é bastante nocivo, sobretudo se ele é utilizado por crianças. Esses aparelhos não foram pensados para serem usados na infância”, argumenta.
Com os mais velhos é preciso que essas definições sejam conversadas, segundo Faezeh. Os pais devem ajudar no entendimento de quais ambientes são adequados para o uso do celular, devem apresentar e participar de opções de lazer offline e acompanhar o que seus filhos consomem nas mídias sociais.
Para a professora de língua portuguesa, Joanne Santana, o uso moderado dos aparelhos eletrônicos é a solução ideal para o problema. “A questão da proibição não vai, de fato, definir se vai ser usado ou não. O que faz a diferença é a consciência no uso do celular”, diz. A assistente social, Mônica Ferreira, conta que nunca recebeu reclamações por seu filho, Arthur Ferreira, de 15 anos, no 2º ano do ensino médio, usar o celular em sala, mas sabe que o jovem usa. “Sou contra a proibição. Acho que ele já é grandinho e sabe a hora que pode e que não pode usar. Tanto que não atrapalha o rendimento dele. Além disso, gosto de poder estar em contato com ele facilmente se precisar”.
Já a estudante Flávia Costa, de 17 anos, do 3º ano, admite usar o celular em sala de aula de maneira pontual e consciente. “Às vezes respondo rapidinho minha mãe, ou olho uma rede social, mas nada que ultrapasse o limite”, afirma Flávia, considerando a proibição injusta para os estudantes mais velhos.”Essa proposta faz parecer que os estudantes não se conhecem, não sabem os limites, e através dessa limitação também não vão aprender. Além do que a proibição vai fazer alguns quererem usar ainda mais”, afirma.