Passar semanas de olho no calendário e contar os dias para o começo do mês de julho é uma experiência quase universal para todo jovem em idade escolar.
As tão aguardadas férias do meio do ano são o sonho de toda criança que espera com ansiedade a pausa das obrigações educacionais e uma oportunidade para descansar e se divertir, longe das complicadas contas de matemática ou das intrigantes dúvidas de gramática.
Para os pais, principalmente aqueles com crianças na primeira infância, este período pode representar um desafio: como equilibrar o desejo dos filhos por diversão com a necessidade de continuar promovendo o desenvolvimento cognitivo de forma leve, além de lidar com a própria rotina de trabalho.
O dilema é constante na vida de famílias como a de Thaíssa Lins, fisioterapeuta e mãe de primeira viagem que, aos 31 anos, tenta dividir as responsabilidades da vida pessoal com a criação do filho Thiago, de 2 anos e 11 meses.
A rotina é compartilhada com a irmã, tia da criança, a avó materna e o esposo, Thiago Albuquerque, que é contador e consegue trabalhar de casa. Durante o período letivo, Thaíssa passa as manhãs na casa da mãe, Cida Lins, onde também mora a irmã, Alice Lins.
“Trabalho pela tarde, no consultório com a minha mãe. Por isso, pela manhã, venho para a casa dela, onde a rede de apoio é maior. Com a escola, durante a tarde, consigo fazer minhas atividades e trabalhar”, conta.
Ela explica que a mudança no itinerário escolar do filho, devido às férias, é sempre um momento que requer uma articulação coletiva da família.
“O turno da tarde, quando ele não está na escola e eu preciso trabalhar, é o mais complicado. Me revezo com a minha mãe nos dias de trabalho, porque não posso deixar de ir”
Thaíssa relata que, em alguns dias da semana, ainda precisa levar o filho ao trabalho por não ter outra opção.“A família toda tenta ajudar, de manhã fica comigo, pela tarde com a avó ou a tia e de noite com o pai”.
Sem a rotina escolar, Thaísa e a família tentam inserir atividades e dinâmicas e educacionais no dia a dia de Thiago. “Eu noto que ele fica entediado, porque na escola todo dia tem atividade diferente, além dos amigos. Aqui, ele só tem a gente”.
Com a necessidade de seguir com as obrigações, muitas vezes as telas são a opção para que Thaísa consiga delegar as tarefas diárias.
“O uso das telas aumenta nas férias porque preciso fazer as coisas em casa quando estamos só eu e ele. Não gosto e tenho tentado diminuir, mas é melhor do que deixá-lo livre sem supervisão, onde pode se machucar”, desabafa a mãe, que salienta o cuidado com o que o filho assiste nos momentos de tela.
“Tento trazer mais conteúdos educacionais e animações próprias para crianças, que incentivem ele a brincar com brinquedos e não outras tecnologias”.
TELAS
As telas são grandes vilãs no desenvolvimento das crianças fora da escola. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2021, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), 93% das crianças e adolescentes brasileiros de 9 a 17 anos usam a internet, principalmente em dispositivos móveis (89% via smartphones).
Além disso, 82% acessam a internet diariamente, com mais de 40% passando mais de quatro horas por dia conectadas durante a semana.
O número sobe para 50% nos fins de semana. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que a exposição às telas comece apenas após os dois anos, limitando-se a uma hora diária entre a fase que vai de 2 até 5 anos.
Para crianças mais velhas, o tempo de tela deve ser supervisionado e limitado, com intervalos para atividades físicas e interações sociais.
O poder econômico é a principal barreira para estabelecer uma rotina saudável de cuidados e brincadeiras durante as férias, evitando o uso excessivo de tablets e televisões.
Uma revisão sistemática publicada no ResearchGate indica que crianças de famílias de baixa renda passam mais tempo em frente às telas por falta de recursos para outras formas de entretenimento.
Esse fenômeno ocorre especialmente em lares onde os pais precisam trabalhar e têm menos tempo para atividades ao ar livre ou interativas com os filhos.
ALTERNATIVAS
De acordo com Tiago Barreto, psicólogo clínico, especialista em psicomotricidade relacional e coordenador do setor de psicomotricidade do Grupo Ampliar, a solução nesses casos é buscar construir tempo de qualidade com as ferramentas disponíveis dentro de casa.
“É comum ouvir no consultório pais culpados por não conseguirem organizar um cronograma de lazer com viagens e brincadeiras para seus pequenos nas férias escolares. Para eles, sempre deixo uma reflexão: será que seu filho precisa disso tudo para estar feliz?”, destaca.
Segundo Barreto, é mais proveitoso que os pais pensem na qualidade de tempo da relação estabelecida com as crianças. Práticas simples podem estimular vínculos e desenvolvimentos tão duradouros – ou até maiores – do que grandiosas viagens de férias, passeios elaborados ou brinquedos caros.
“Não é apenas se fazer presente, é estar integralmente com o outro, dedicando parte de seu tempo, atenção e afeto. É ensinar e aprender coisas juntos, é ouvir, com respeito, o que dizem, sem se preocupar com os distratores da vida adulta: celular, notícias, demandas de trabalho, entre outros”.
Para o profissional, o ambiente de convívio familiar já é um ótimo começo, quando bem aproveitado.
“A nossa casa dispõe de um grande circuito com custo zero. Sendo assim, podemos montar alguns desafios e cenários utilizando seus cômodos e móveis. Por exemplo, um caminho de obstáculos com almofadas e travesseiros, túnel e cabanas com cadeiras e lençóis, fita adesiva colorida no chão para trabalhar consciência corporal e segmento de instrução”, explica.
Incluir a criança nos afazeres domésticos também pode promover o aprendizado, desenvolver a independência e transformar a atividade em uma divertida brincadeira para os menores.
“Do mesmo modo que entretemos, estamos estimulando competências importantes para o neurodesenvolvimento, tais como: coordenação motora, autonomia, relação com rotina, regras, autoestima. Bem como, tornando-a protagonista na execução dessas atividades”, complementa.
DESCANSO
Durante os momentos de brincadeira dirigida e educativa é importante também pensar no descanso. Afinal, o propósito das férias é, acima de tudo, relaxar e recuperar as energias para um novo semestre letivo.
Assim, ainda que a preocupação dos pais em construir momentos pedagógicos seja bem intencionada, Rogério Morais, diretor do projeto Primeira Infância Plantar Amor (Pipa), esclarece que é preciso deixar que as crianças descansem e também aprendam a lidar com o tédio.
“É absolutamente normal e compreensível que em alguns momentos haja ócio, o que pode ser bom, e um certo tédio que pode ser contornado por atitudes de ambas as partes. Frustrações fazem parte da vida”.
Para ele, os programas ideais são os que conseguem unir a diversão e a educação de uma forma lúdica
“Por mais que também possa ser um período de novos aprendizados, é importante permitir espaço para a quebra da rotina, com acesso a mais momentos de lazer. Ir a um cinema, ler um livro, praticar esportes, ter contato com a natureza podem unir o útil ao agradável”.
Aos pais, ainda é essencial se atentar para algumas rotinas básicas: horários e tempo do sono e alimentação.
“O choque de mudanças pode prejudicar a rotina da casa, as atividades das férias, e, principalmente, na adaptação do retorno às aulas, que pode ser mais sofrida e prolongada. Vale a pena construir acordos que busquem um melhor equilíbrio neste sentido e todo mundo sai ganhando”.