Aldo Paes Barreto*
Na série atual de descompassos, a seleção brasileira viveu mais um vexame. Foi barrada na porta do hotel onde ficara hospedada, nos EUA. Iria jogar contra a Colômbia. Teve que entrar pelas portas dos fundos. Preconceitos são eternos e vão se perpetuando no nosso mundo desequilibrado. Há quase cem anos, Capiba, no Recife, viveu uma experiência parecida.
Pernambucano de Surubim, Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba, vivia e respirava música. Seu pai, Mestre de Banda, educou os filhos sob a batuta de maestro e eles aprendiam o alfabeto ao mesmo tempo em que estudavam a escala musical.
Capiba terminou o secundário em João Pessoa, prestou concurso para o Banco do Brasil, passou e foi nomeado para o Recife. A transferência mudou sua vida e consolidou o encanto pela música.
Ambientado na capital pernambucana, enturmou-se, fez novas amizades. Uma delas, com o acadêmico de Medicina, Ferreira dos Santos, possibilitou musicar a poesia que o estudante tinha escrito para a formatura da Turma de Medicina, de 1931. A parceria resultou na “Valsa Verde”, que ganhou incontáveis gravações.
A música e os colegas estudantes que tocavam algum instrumento colocaram Capiba diante de novo sonho: fundar uma orquestra. Os rendimentos das apresentações seriam destinados a construir uma moradia para estudantes que vinham do interior. Nasciam a Jazz Band Acadêmica e a Casa do Estudante de Pernambuco.
A Casa do Estudante seguia sendo construída paralela ao sucesso da Jazz Band, integrada pelos universitários. Capiba, maestro, arranjador, sax alto e piano, passou a estudar Direito; o futuro médico Evaldo Altino, um dos pioneiros da moderna Oftalmologia em Pernambuco, tocava banjo; Vicente de Andrade Lima, médico, professor universitário renomado no Ceará, crooner, pistão e violino; Teófilo de Barros Filho, jornalista, advogado, transferido depois para o Rio de Janeiro, tocava violino; Lauro Casado, médico, professor, hoje nome de Escola e de Rua no Recife, instrumentos de sopro; Ivan Tavares, consagrado professor e cardiologista, tocava piano; Walter de Oliveira, médico, teatrólogo, professor de várias gerações, tocava bateria; Homero Freire, médico renomado, exímio no sax-alto.
A orquestra pernambucana excursionou. No Pará, no Maranhão e no Ceará, fazia sucesso nos primeiros anos da década de 1930 e, depois, no Rio de Janeiro, ao apresentar-se em Petrópolis e no Copacabana Palace, mostrando o frevo. Na época, a orquestra ainda contava com o futuro cientista, sanitarista e indigenista, Noel Nutels, ao piano; o crooner era Fernando Lobo; o estudante de Medicina e baterista, Abelardo Barbosa, transformado no icônico Chacrinha.
A orquestra também tocava em clubes sociais da elite recifense. No Internacional, o desencanto: a diretoria queria que os jovens estudantes entrassem pelos fundos. Capiba ameaçou ir embora, com os colegas juntos.
Ficaram e os rapazes entraram sob aplausos das jovens fãs extasiadas. Fizeram bem. Anos mais tarde, o grupo traria orgulho às conterrâneas e aos familiares. A Casa do Estudante ainda está viva, a Orquestra morreu de inanição. Mas, a música e a universidade continuam no mesmo ritmo.
A música e o consagrado Maestro Duda – o maior arranjador do século, segundo uma publicação inglesa do ano 2000, na virada do milênio. E sua história também, revivida recentemente pelo grupo Ária Social nos palcos de São Paulo, com o espetáculo “Capiba, pelas ruas eu vou”. Conta a rica trajetória do compositor, que morreu no último dia de 1997. Na UTI, apenas uma amiga Rose (Paes Barreto) foi autorizada a ficar com ele. Segurou-lhe as mãos. O caminho ninguém precisava ensaiar. Ele sabia de cor. Bastava seguir as notas musicais. Foi o que sempre fez na vida.
*Jornalista
Extraído do Blog do Magno