Dez anos sem Ariano Suassuna, o grandioso do Armorial

Viver relembra memória Ariano Suassuna, falecido há 10 anos no Recife; família, artistas e amigos falam sobre a marca que o autor deixou na cultura pernambucana e brasileira

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Foto: Anna Clarice Almeida
A defesa do patrimônio cultural brasileiro e nordestino em suas muitas expressões era mais do que uma bandeira para Ariano Suassuna: era filosofia. O escritor, dramaturgo, advogado e professor nascido em João Pessoa em 1927, mas com toda a formação adulta em Pernambuco, foi a grande mente por trás de uma das maiores iniciativas artísticas para a preservação da cultura do Nordeste: o Movimento Armorial, que, surgido nos anos 1970, foi responsável por uma fusão entre o erudito e as raízes populares da música, literatura, teatro, dança, artes plásticas, cinema e arquitetura, a fim de reforçar a identidade da arte pernambucana perante a hegemonia estrangeira.
Hoje completa 10 anos desde que Ariano faleceu, no Recife, aos 87 anos, em decorrência de uma parada cardíaca. O legado deixado por ele, porém, não apenas se perpetua através dos livros, peças e pensamentos, mas na esfera da administração pública, já que atuou como secretário de educação e cultura da capital pernambucana de 1975 a 1978, do estado, de 1994 a 1998, e, novamente, como secretário especial de cultural, entre 2007 e 2010, na Assessoria Especial do governo de Eduardo Campos, além de professor de estética da Universidade Federal de Pernambuco.
Os causos que arrancaram gargalhadas e grandes reflexões pelo país são lembrados até hoje como marcas de uma visão contestadora da desvalorização da arte brasileira em detrimento da internacional. Tornou-se ícone da resistência contra o que ele denunciava ser uma tentativa de dominação intelectual a partir do uso do inglês, colocando-se em defesa do português como a mais rica e musical das línguas. Estreando como dramaturgo com Uma mulher vertida de sol, Ariano lançou várias outras peças icônicas, como O castigo da soberba, O rico avarento e O santo e a porca, mas O auto da Compadecida virou sua obra mais popular devido principalmente à adaptação para o cinema em 2000.
Artista plástico e sobrinho de Ariano, Romero de Andrade Lima destacou ao Viver o que o escritor representou para a arte popular no Brasil e no mundo. “Tio Ariano conseguiu abrir os olhos dos apreciadores de arte para a importância do popular como elemento fundamental da cultura no geral, já que durante muito tempo havia uma ‘cultura oficial erudita’, tida como importante e amplamente divulgada, e a cultura popular sobrevivia de maneira paralela, considerada exótica, engraçada, mas sem a importância que ela merecia. Caiu para ele ser o representante em Pernambuco e no Brasil para chamar atenção de algo que já vinha acontecendo no mundo: essa interpenetração entre o erudito e o popular e que ninguém tinha parado para louvar e mostrar como aquilo gera grandes resultados da mesma forma e influência que ele”, afirmou o pintor.
O escritor e jornalista pernambucano Raimundo Carrero, discípulo de Ariano e com vários trabalhos realizados junto a ele, destacou sua favorita entre as obras do autor.  “A Pedra do Reino, um dos trabalhos mais celebrados dele, é um dos maiores livros da literatura brasileira e da América Latina. A prosa de Ariano sempre se demonstrou renovadora, agradável e cômica e ao mesmo tempo profunda. Ele é seguramente o mais importante autor da literatura nacional do final do século passado e início do século 21”, exaltou.
“A permanência do legado de Ariano está incrustada no nosso cotidiano como pedras preciosas: quando falamos em outra língua e pensamos: ‘Que Ariano não me ouça!’; ou quando nos resta pouca esperança e lembramos: ‘sou um realista esperançoso’. Ariano é pedra preciosa e farol em um mar revolto que ilumina a luta contra o esquecimento de quem somos e do que somos feitos”, descreveu Maria Paula Costa Rego, coreógrafa do Grupo Grial.
“Ariano é desses autores raros que parecem criar uma língua para falar de um povo, transportando um jeito de sentir e existir para o território mágico e universal da literatura. Na sua obra, o Nordeste se inventa e reinventa, se confirma e eterniza. Seus personagens e enredos acabam falando de todos nós. E para sempre falarão”, destacou Milu Megale, secretária de Cultura do Recife.
Manoel Dantas Suassuna, pintor e filho, contou ao Viver sobre a responsabilidade de preservar o legado do pai. “Em 2013, quando ele sentia que algo iria acontecer, tivemos uma conversa sobre o que fazer com a obra, com relação a editoras, à continuidade dos seus trabalhos ainda incompletos e todas as providências necessárias, o que venho fazendo junto com Carlos Newton Jr. e Ricardo Gouveia de Melo”, revelou. “Aprendi com ele um olhar único sobre o Brasil, uma valorização dos cordéis e das xilogravuras que levei ao meu trabalho para sempre, mesmo que tenha precisado me afastar também para encontrar minha própria identidade. A obra dele tem um valor inestimável com a qual temos mantido todo o cuidado ao longo desses 10 anos. Eu tenho a sorte de ter duas grandes influências: o ‘gracioso’ do feminino, da Zona da Mata e do Recife, representado pela minha mãe, Zelia de Andrade Lima, e o ‘grandioso’ do masculino, do Sertão representado pelo meu pai, Ariano Suassuna”, completou.

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