Congresso recorre e diz que decisão de Dino sobre emendas tem ‘premissas equivocadas’
O Congresso Nacional recorreu nesta quinta-feira (8) das decisões do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), que suspenderam o pagamento de emendas parlamentares consideradas sem transparência.
Os advogados da Câmara e do Senado afirmam que as decisões de Dino, com base em “premissas equivocadas”, causam “enorme insegurança jurídica” e comprometem o andamento de políticas públicas.
“A suspensão da execução das programações orçamentárias constitui enorme gravame ao interesse público e afeta a posição jurídica de terceiros de boa-fé que estão obrigados em decorrência de instrumentos contratuais à realização de obras ou à prestação de serviços”, diz o Congresso.
Os recursos foram apresentados contra duas decisões de Flávio Dino divulgadas na última quinta-feira (1º). Em uma delas, o ministro determinou que o governo suspendesse o pagamento de emendas de comissão e restos de emendas de relator que não tivessem “prévia e total transparência e rastreabilidade”.
Ele decidiu ainda que parlamentares não podem enviar emendas para estados diferentes dos quais foram eleitos e criou regras para a transferência de recursos para ONGs e entidades do terceiro setor.
Dino partiu do entendimento de que a decisão tomada pelo Supremo em 2022 de derrubar as emendas de relator por falta de transparência e alta discricionariedade não foi totalmente cumprida.
Isso porque o Congresso turbinou as emendas de comissão e ampliou outros dispositivos que, na visão de Dino, mantêm problemas de transparência.
O Congresso argumenta que as premissas usadas por Dino para tomar a decisão estão erradas. Os advogados defendem que as emendas de comissão são diferentes das emendas de relator —e que o Supremo não proibiu o Legislativo de recompor o valor das emendas derrubadas em outro mecanismo.
“A falta de definição clara e objetiva sobre o que constitui ‘total transparência e rastreabilidade’ gera interpretações divergentes quanto ao (des)cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal nesta ação, com enorme insegurança jurídica”, afirma.
Segundo o recurso, o alto grau de subjetividade permitido na decisão de Dino deixa a execução orçamentária sob risco de “incerteza e arbitrariedade”.
“Os gestores públicos podem hesitar ou se abster de executar determinadas despesas devido ao receio de não atenderem aos critérios de transparência e rastreabilidade”, diz.
O Congresso ainda questiona o trecho da decisão de Flávio Dino que proíbe parlamentares de enviarem emendas para estados pelos quais não foram eleitos. Ele defende que a atuação de deputados federais e senadores não se restringe aos seus redutos eleitorais, mas atende ao interesse nacional.
“Essa determinação, aliás, tende a reforçar o que se pretende coibir com o deferimento da medida cautelar, que é justamente o suposto caráter ‘paroquial’ ou ‘eleitoreiro’ da destinação dos recursos orçamentários”, diz.
Os advogados também apontam para o que consideram erros processuais que culminaram na decisão de Dino. O principal argumento é que a ação no Supremo começou com o foco nas emendas de relator e já havia sido encerrada com a decisão de 2022. O ministro não poderia, na visão do Congresso, tomar decisões monocráticas sobre as emendas de comissão em uma ação cujo objeto era diferente e que teria sido encerrada.
A segunda decisão tomada por Flávio Dino na última semana suspendia o pagamento das emendas Pix —modalidade de emenda individual que acelera o repasse de recursos diretamente para os caixas da prefeituras de aliados dos parlamentares nos estados.
O ministro condicionou a retomada do pagamento ao atendimento de critérios de transparência. No caso de emendas para a área de saúde, determinou ainda que a execução seja feita somente após uma avaliação técnica da área de governança do SUS (Sistema Único de Saúde).
No recurso ao Supremo, o Congresso concordou que pode fazer alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025 para exigir novos critérios para a execução mais transparente e rastreável das emendas Pix. Negou, porém, que a definição das diretrizes seja responsabilidade do Judiciário.
A Câmara e o Senado defendem que as emendas Pix têm como princípio a flexibilidade e a autonomia dos estados e municípios para aplicação dos recursos. E a definição de critérios que dificultam a chegada do dinheiro na ponta pode “comprometer a eficácia das transferências especiais”.
Os recursos foram apresentados na noite desta quinta ao Supremo. Horas antes, o ministro Flávio Dino voltou a exigir informações ao governo e ao Congresso sobre as indicações de emendas de comissão.
Como a Folha mostrou, o Congresso Nacional turbinou as emendas de comissão em 2023 após o STF definir que as emendas de relator —principal moeda de troca no Legislativo durante o governo Jair Bolsonaro (PL)— fossem derrubadas.
As emendas de comissão tiveram um salto em 2023, chegando a R$ 7,6 bilhões, aumento de mais de 300%. Neste ano, o valor dobrou e ficou fixado em mais de R$ 15 bilhões no Orçamento.
O mecanismo serve, na prática, como uma moeda de troca nas disputas políticas. Apesar de o presidente da comissão ter o direito de definir como os recursos serão alocados, a distribuição é acertada pela cúpula do Congresso para contemplar interesses de determinados parlamentares.
Flávio Dino quer que o Congresso torne público o nome dos deputados e senadores autores dos pedidos originais de envio de recursos. O Congresso alega que não consegue identificar quem “patrocinou” as emendas porque oficialmente a autoria das emendas é do presidente das comissões.
Cézar Feitoza/Folhapress