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Caroline Pacheco/Famecos/PUCRS |
Dentro de um mês a campanha eleitoral entra na fase decisiva. Um desses marcos é o início do horário eleitoral gratuito.
Marcado para iniciar no dia 30 de agosto, o programa eleitoral dominou por décadas as campanhas políticas na televisão e no rádio, sendo o responsável pela criação de grandes líderes. Contudo, com a ascensão das redes sociais e das plataformas digitais, cientistas políticos afirmam que o guia eleitoral já não tem a mesma força que tinha antes.
Essa mudança reflete uma nova dinâmica no processo eleitoral, em, que a eficácia do guia tradicional está cada vez mais em xeque, exigindo uma integração cuidadosa entre o digital e o tradicional para alcançar diferentes perfis de eleitores.
“A forma de conceber um programa eleitoral hoje é completamente diferente do que era 10, 15 anos atrás, quando você não tinha essa integração de linguagens. Antes o importante, para o paradigma da comunicação política, era demonstrar seriedade. Hoje existem mais variáveis. A partir disso, a comunicação tradicional começou a tentar usar um pouco da linguagem que foi introduzida pelo digital”, ressalta a cientista política Priscila Lapa.
Para entender essa mudança citada por Priscila, é preciso entender como se deu a progressão histórica do guia eleitoral no Brasil. No governo de Juscelino Kubitschek, a televisão não era democratizada, ou seja, a TV não era acessada por grande parte da população. Assim, as propagandas eleitorais passavam apenas nas rádios.
História
“Então, naquela época já acontecia muito comício, grandes manifestações nas ruas, eventos públicos abertos e fechados. E em programas de rádio, que não eram formais como são hoje”, comenta o professor e cientista político, Sandro Prado. “Então tivemos o golpe militar de 1964. E aí o que que passa acontecer é que qualquer tipo de atividade política, qualquer evento, qualquer comício ou qualquer manifestação seja para o guia eleitoral ou não, passa a ser restrito”.
Sandro explica que, a partir da Ditadura Militar, a censura impediu que as pessoas participassem de campanhas eleitorais, não se expondo e só podendo serem divulgadas suas informações básicas. “Porque isso, justamente, poderia ter alguma performance sobre a opinião pública e alterar as campanhas. Nesse momento só tínhamos o MDB e a Arena, e a gente não tinha uma campanha mais fervorosa, porque os cargos executivos eram biônicos”, explica,
Com isso, não podia haver nenhuma forma de debate e nenhuma forma de expressão falada para que as pessoas pudessem fazer comparativo entre esses candidatos.
Em 1974, em uma eleição para o Senado, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) superou a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que era considerada o partido dos militares. A história conta que por terem medo de perder mais uma vez para o MDB, Ernesto Geisel, o então presidente, instituiu a Lei Falcão em 1976.
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Com a Lei Falcão, os candidatos só tinham direito a uma foto 3×4, seu nome, seu número e um breve currículo (Reprodução) |
Essa Lei limitou os candidatos a apresentarem em suas propagandas eleitorais apenas seu nome, número e um breve currículo do candidato. Se fosse na televisão, ainda havia o acréscimo de uma foto 3×4.
Após o período da ditadura, o guia eleitoral entrou em uma nova fase. Em 1989, um grande número de candidatos disputou o pleito, e cada um começou a utilizar as ferramentas que tinha para construir sua propaganda.
A propaganda de 89
“O guia de 89 lançou dois grandes personagens da política brasileira: Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. Tínhamos dois partidos disputando e começando a colocar alguns pontos que antes não eram debatidos por conta da ditadura. Algo que a gente não via na televisão, mas via nas ruas. Eles começaram a perceber que ganhavam mais destratando e trazendo pontos polêmicos sobre o seu adversário, do que fazendo propostas de governo”, pontua Sandro Prado.
A partir daí começaram os ‘motes’. “Eles exploravam esses antagonismos. Isso pra mim foi bastante marcante no guia, que ainda vemos hoje. Você vê na televisão não só a pessoa falando bem de seu plano de governo, mas falando mal dos outros”, assinala.
A também cientista política Priscila Lapa, acrescenta que o guia eleitoral precisa causar algumas emoções no espectador. “Essas emoções vão depender do contexto de cada campanha, de cada perfil de candidatura. Se o pano de fundo dessa candidatura é o medo, eu tenho que despertar no eleitor o medo do adversário de ganhar. Se é mudança, tenho que mostrar que o candidato está antenado com a mudança”, explica.
Priscila ainda afirma que o guia é um dos principais instrumentos nas democracias de comunicação política. “No Brasil a gente tem um modelo, que olhando na perspectiva histórica, ele foi considerado ao longo dos anos como sendo um mau que estava desequilibrando demais a disputa. No sentido de que, você tinha uma concentração de recursos políticos em algumas campanhas e diferentemente de outras”.
Um exemplo marcante foi o da campanha de Collor. “Ele fez um investimento muito grande tanto no condicionamento, quanto na construção de uma imagem de uma pessoa jovem, esportista e um Super-Homem brasileiro. Ele colocou a tecnologia, colocou um trem de prata, que ia quebrando lá corrupção entre outras coisas”, detalha Sandro Prado.
Era Digital
Embora a televisão e o rádio ainda tenham grande força para com o público, especialmente entre pessoas menos digitais e geralmente mais velhas, Priscila Lapa acredita que a propaganda eleitoral e o meio digital podem se complementar.
“Até porque as audiências são diferentes, especialmente às pessoas que veem televisão. A TV ainda é muito assistida por um perfil de pessoas, elas são menos menos digitais, às vezes são mais velhas. Então não posso também ficar colocando assuntos de redes sociais, como danças virais em aplicativos, na televisão. Eles se reforçam como grande estratégia, mas com essa escolha mais adequada de o que é que eu quero dizer por cada um deles. Eu acho que, no final das contas, sendo um certo organizador narrativo, quando eu tiver dúvida sobre qual é o posicionamento eu assisto ali e passo a entender melhor quem é essa pessoa”, afirma.
Além de conhecer mais sobre o candidato, o guia eleitoral, para Priscila Lapa, é uma ferramenta que pode definir a vitória ou a derrota. “Não dá para fazer de qualquer jeito porque ele pode não ser decisivo pra ganhar, mas ele pode impactar em uma derrota. Porque ele pode ter algum erro de execução, ele pode reforçar uma imagem negativa, se ele não estiver inserido num processo de visão estratégica do que ele também conta. Ele não é tão soberano como foi outrora, mas ele conta também. Se uma resposta que não foi dada em uma rede social, se não for devidamente respondida no guia, pode ter impacto em uma campanha”.