Psicóloga explica por que pessoas se tornam fãs de golpistas e criminosos

Pessoas tendem a nutrir relações de admiração com figuras públicas que muitas vezes estão envolvidas em polêmicas e crimes

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Diversos fãs de Deolane foram até a Colônia Penal Feminina do Recife, no bairro de Iputinga, Zona Oeste da capital, para pedir sua soltura (Foto: Marina Torres/DP Foto)
A relação entre fã e ídolo voltou ao centro das discussões após fãs de Deolane Bezerra, presa na quarta-feira (5), se manifestarem na porta do presídio em sua defesa. A advogada e influenciadora digital, de 36 anos, foi detida pela Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) em um hotel no bairro de São José, em Recife, sob suspeita de envolvimento com uma organização criminosa investigada por lavagem de dinheiro.
Diversos fãs de Deolane foram até a Colônia Penal Feminina do Recife, no bairro de Iputinga, Zona Oeste da capital, para pedir sua soltura. Com cartazes e coros clamando por justiça e declarando seus sentimentos, os admiradores demonstraram como se sentem diante da prisão preventiva da influenciadora.
Com a repercussão do caso, usuários de redes sociais criticaram o fanatismo em torno de Deolane, afirmando que sentiam vergonha da situação, sugerindo que os fãs estariam sendo pagos, e questionando se eles não teriam um emprego para se ocupar.
Relação entre fã e ídolo
A relação entre ídolo e fã começa por uma identificação e também está ligada ao sentimento de recompensa do fã, que se mantém atento às atualizações sobre a pessoa que admira. O ser humano possui um sistema de recompensa ligado ao processamento de informações que trazem prazer ou satisfação. Esse mecanismo faz com que o fã consuma cada vez mais notícias e produtos relacionados ao ídolo.
As recompensas são divididas em duas categorias. As primárias estão relacionadas às necessidades essenciais para a sobrevivência, como alimentação, sexo e abrigo. As secundárias, por outro lado, estão ligadas à sobrevivência social, como confiança, respeito, contato físico e afeto.
Fatores externos, ligados à sociedade em que o indivíduo vive, também influenciam a formação da admiração por celebridades ou figuras públicas.
“A modelagem é um processo no qual os indivíduos aprendem comportamentos e atitudes ao observar os outros, que servem como modelo. Quando uma pessoa admira o ídolo, muitas vezes está imitando, aspirando ou incorporando características daquela pessoa”, explica a psicóloga comportamental Brunna Laís.
Os fãs tendem a ver nos ídolos exemplos de pessoas que gostariam de ser ou valores que seguem. Essas ideias são frequentemente reafirmadas, o que aumenta o senso de pertencimento e identificação.
“A identificação com o ídolo pode oferecer um senso de conexão com valores e padrões pessoais desejados, reforçando uma autoimagem positiva e validando os próprios objetivos e valores. Além disso, ídolos podem desempenhar funções importantes no funcionamento emocional e motivacional dos fãs”, complementa a psicóloga.
Além de buscar identificação com o ídolo, o indivíduo procura se conectar com outras pessoas que compartilham essa admiração, formando comunidades conhecidas como “fandoms”, que rodeiam figuras públicas, como influenciadores, cantores e até marcas.
Esses grupos carregam a ideia de originalidade e engajamento, alimentados por interações e novidades do ídolo. É uma sinergia baseada no pertencimento e na autenticidade.
Quando a relação deixa de ser saudável
Foto: Marina Torres/DP Foto
Pessoas que não nutrem uma admiração intensa por figuras públicas muitas vezes não entendem o comportamento dos fãs, que chegam a contrair dívidas para comprar produtos, acampam em condições insalubres para ver o ídolo, ou até arriscam suas vidas para conseguir uma foto.
Muitos desses casos ultrapassam os limites da lei, e os fãs se tornam indesejados pelas celebridades. Assim, a relação deixa de ser saudável, como pontua Brunna Laís.
“Percebemos que uma relação não é saudável quando há uma idealização excessiva. Se a admiração pelo ídolo atinge um nível de idealização em que o fã ignora comportamentos negativos ou prejudiciais, isso indica uma relação não saudável. A idealização excessiva pode causar um desligamento da realidade e até distorção da percepção do ídolo. Quando há uma dependência emocional exacerbada, os comportamentos do fã são ditados pelo ídolo”, explica a psicóloga.
Devido à admiração excessiva, alguns fãs não conseguem ver os ídolos de forma crítica, acreditando que o ídolo está sempre certo. Esse viés pode distorcer a realidade.
No caso de Deolane, os fãs afirmam que a influenciadora é inocente, questionando as investigações policiais e as decisões judiciais.
“Essas distorções são frequentemente causadas por visões irrealistas ou enviesadas do mundo. Os fãs podem sofrer com distorções cognitivas que afetam a forma como veem seus ídolos e as situações em que estão envolvidos. O viés de confirmação, um fenômeno cognitivo no qual as pessoas buscam e interpretam informações que confirmem suas crenças pré-existentes, é comum. No contexto de ídolos, significa que os fãs tendem a buscar informações que reforcem sua visão positiva do ídolo e desconsideram evidências contrárias”, esclarece a psicóloga.
Além disso, há casos em que os fãs se tornam stalkers, invadindo a privacidade dos ídolos. Alguns casos de perseguição se tornaram manchete, como o da apresentadora de TV Ana Hickmann, feita refém em um hotel de Belo Horizonte, e da empresária americana Kim Kardashian, perseguida tanto online quanto pessoalmente por um homem.
Neste ano, a atriz Débora Falabella revelou que foi perseguida por mais de dez anos por uma mulher diagnosticada com esquizofrenia, cuja prisão foi revogada. A stalker a seguiu tanto nas ruas quanto nas redes sociais.
Essas situações podem estar associadas a transtornos psicológicos, como a síndrome de adoração a celebridades, caracterizada por uma fascinação obsessiva por famosos.
Criminosos também têm fãs
Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Chico Picadinho, Ted Bundy e Jeffrey Dahmer. O que essas pessoas têm em comum? Todos foram condenados por assassinatos e, mesmo assim, possuem admiradores ao redor do mundo.
“Um dos fatores chaves na abordagem cognitivo-comportamental são crenças distorcidas ou pensamentos automáticos que influenciam a percepção de figuras controversas. Algumas pessoas podem desenvolver uma visão positiva de um criminoso se tiverem crenças pré-existentes que justifiquem ou minimizem comportamentos antiéticos, como acreditar que as regras são injustas ou que a corrupção é inevitável. Isso pode normalizar o comportamento de um criminoso”, explica a psicóloga Brunna.
Ela também observa que a admiração por pessoas que infringem a lei pode ser resultado de um efeito dominó.
“Se um grupo demonstra admiração por um criminoso, a pressão social pode levar outros a adotarem atitudes semelhantes para se encaixar ou ganhar aceitação. Além disso, a busca por narrativas alternativas pode atrair pessoas a apoiar figuras controversas, especialmente se essas narrativas oferecerem explicações simples para problemas sociais complexos”, conclui.

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