“A deterioração das relações pessoais tem sido uma constante em residências de todos os portes. Há 30 ou 40 anos, as convenções de condomínios tinham 12 ou 15 artigos apenas. Nem tudo precisava ser escrito, porque imperava o bom senso. Hoje, se essa mesma convenção fosse reformada, seriam 130 artigos, porque precisamos dizer o óbvio”, afirma Jorge Rangel, advogado especialista em Direito Condominial.
João Xavier, síndico profissional, considera que “um condomínio é reflexo da sociedade em pequena escala”, onde se encontram todo tipo de pessoas. Administrá-lo é, portanto, como administrar uma pequena cidade, cuja lei maior é o regulamento interno. É esse documento que determina as regras de boa convivência, como não fazer barulho alto após as 22 horas ou usar com bom senso a estrutura do lugar. “Além do regimento, as regras de usabilidade das áreas comuns, como piscinas, elevadores e academias devem estar detalhadas nesses mesmos locais, em placas grandes e explicativas. Assim, nenhum condômino infrator poderá argumentar que desconhecia as diretrizes.”
Rangel concorda que a comunicação é a melhor forma de prevenir atritos. “Somente 10% a 20% dos moradores comparecem às reuniões e assembleias, então, a administração deve adotar uma comunicação proativa. É importante fazer comunicados periódicos sobre situações que já tenham gerado notificações, usar cards com apelo visual nos grupos de WhatsApp para sensibilizar mais os moradores, além dos tradicionais comunicados em elevadores”, orienta.
Quando um morador descumpre alguma regra ou incomoda algum vizinho, há uma hierarquia de medidas que podem e devem ser adotadas pelos síndicos ou administradores. Primeiro, há uma advertência verbal, seguida por notificação por escrito. Se a situação persistir, pode ser aplicada a multa de uma taxa condominial, escalável até cinco ou 10 taxas. “As primeiras medidas são educativas, não punitivas. Com a reincidência, se aplicam algumas sanções”, explica Roberto Cabral, também especialista em Direito Condominial. “O problema é que em condomínios de luxo, onde o poder aquisitivo é maior, muitas vezes a medida pecuniária não tem um caráter disciplinador. Em vez de se educar, há quem prefira pagar as multas e fazer o que bem entender”, continua.
Foi o que João Xavier vivenciou em um condomínio de alto padrão em São Paulo, onde vivem juízes e deputados. Um dos condôminos realizou uma festa com 200 convidados no salão onde eram permitidas até 100 pessoas. O espaço foi danificado e, além disso, o morador contratou um serviço de valet no estacionamento, que interditou a entrada do condomínio. Quando a pessoa em questão se negou a cumprir as regras e disse que pagaria a multa, mas não cancelaria a festa, tiveram que ser acionados a polícia e o setor jurídico do empreendimento.
Situações extremas
Em situações extremas, quando o morador reincide no descumprimento da regulamentação ou insiste em conflitos e brigas com os demais condôminos, é possível que a administração solicite sua expulsão do local. Essa medida gera debate mesmo no meio jurídico, porque não há uma jurisprudência específica para esses casos, mas os precedentes no Brasil têm alguns anos. “O comportamento antissocial se caracteriza por um histórico de conflitos e infrações. Quando são reunidas provas, como imagens de vídeo, é permitido solicitar a expulsão do indivíduo em questão”, explica João Xavier.
Quando isso acontece, o morador não perde sua propriedade (no caso de ser dono do apartamento ou casa), ele ainda pode alugá-la ou vendê-la, mas fica proibido de habitar aquele condomínio, por ameaçar a convivência com os demais, a segurança e a salubridade do espaço coletivo. De acordo com Roberto Cabral, algumas das ações reiteradas que podem caracterizar esse tipo de comportamento antissocial são ameaças e agressões verbais ou físicas, som alto e fora de hora, acúmulo de lixo, criação de animais de maneira inadequada e falta de higiene generalizada.
“Em todos os casos, a administração deve ser mediadora, buscando soluções pacíficas, por meio de reuniões formais com as partes em conflito e, quando necessário, buscar a contratação de mediadores profissionais ou consultoria jurídica”, recomenda Roberto Cabral. Quando o senso comum falha, o Direito entra em ação.