Opinião
O jornalismo brasileiro perdeu, ontem, um grande talento: o meu amigo Sebastião Nery, aos 92 anos, com o qual tive o prazer de conviver em Brasília. Dos seus livros, já li e reli “A Nuvem”, o melhor de tantos outros que escreveu ao longo da sua longa trajetória profissional e política.
Político com mandatos na Bahia e no Rio de Janeiro, Ney foi repórter e colunista de alguns dos principais jornais brasileiros, escreveu mais de uma dezena de livros e assinou a coluna Contraponto, na Folha, de 1975 a 1983. Em “A Nuvem”, livro extraordinário, misto de memórias e manifesto político-sentimental, conta a história impressionante de sua vida.
Conta também a histórias das pessoas, escritores, artistas e políticos – principalmente políticos – com os quais conviveu. Meio século de uma vida que se confunde com a nossa história contemporânea. Se erguemos os olhos para acompanhar a trajetória tão rica e fecunda da nuvem de Sebastião Nery, veremos que ela não é nem um pouco passageira.
Veio para ficar. Todo grande personagem é inspirado por uma entidade que o orienta, auxilia ou abandona. Napoleão por sua estrela (da qual Josefina seria a personificação), Sócrates por seu demônio, Joana d’Arc por suas “vozes”, Sebastião Nery por sua nuvem. Uma nuvem que, por sinal, fez chover na sua horta, tornando-o um dos mais respeitados e polêmicos jornalistas brasileiros e cronista-mor da nossa época.
Além de professor, advogado e político, Sebastião Nery foi um homem de letras, na acepção mais ampla do termo. A Nuvem merece agora figurar entre os memorialistas do calibre de Graciliano Ramos e de Pedro Nava. Sobre política, Nery, que foi político – deputado, conselheiro de políticos, adido cultural de governos no exterior – deixou uma conclusão amarga: “A política tem uma coisa péssima: ela atrai demais os maus, porque o poder é quem manda, e quem manda no poder é a política. Quando instrumento do mal, ela duplica o mal”, escreveu.
UMA VIAGEM PELO MUNDO – “A Nuvem” inicia-se em 1944, quando o precoce menino Sebastião é levado de sua Jaguaquara natal para o seminário, e encerra-se quando do seu retorno da adorada Paris para o Brasil, em 1994. Proporcionando-lhe uma formação acadêmica invejável, após dotá-lo do intenso amor ao saber que resultou em erudição caudalosa, a nuvem de Nery conduziu-o pelo mundo inteiro como jornalista e adido cultural, e por todo o Brasil nas campanhas políticas mais efervescentes da nossa volátil democracia, como as de Juscelino em 1955 e das Diretas em 1984.
Por: Magno Martins