Por Guga Chacra*
Até duas semanas atrás, o Hezbollah era considerado a milícia mais poderosa do planeta. Em ações militares e de inteligência de um sucesso sem paralelo na história moderna do Oriente Médio, Israel conseguiu decapitar o comando do grupo em poucos dias. Mais impressionante, matou Hassan Nasrallah, comandante histórico da organização há mais de três décadas e “insubstituível”. Carismático, o líder da milícia xiita libanesa apoiada pelo Irã era visto como um gênio por seus seguidores e adversários. Sua morte pode ter mais impacto político do que as de Saddam Hussein, Osama bin Laden e Qassem Suleimani.
Toda a estrutura geopolítica da região foi pulverizada no bombardeio de Israel ao quartel-general do Hezbollah em Dahieh, no subúrbio de Beirute, uma região tão densamente povoada quanto Copacabana. Todos os cenários são possíveis neste momento, incluindo uma guerra de proporções gigantescas, envolvendo Irã e Israel e talvez sugando até mesmo os EUA. Os próximos dias serão determinantes e tudo dependerá de decisões imprevisíveis de Benjamin Netanyahu e do aiatolá Ali Khamanei. Os líderes israelense e iraniano estão calculando os próximos passos diante da nova equação de poder, mais favorável a Israel.
O governo de Joe Biden, por sua vez, está com pouca capacidade para exercer influência nos acontecimentos na região. Apresentou, junto com a França, um plano de cessar-fogo entre Israel e Hezbollah que foi ignorado por Benjamin Netanyahu. Para complicar, haverá eleições em pouco mais de um mês nos EUA e uma guerra certamente pode ter um efeito eleitoral.
Israel decidiu partir para cima de seus adversários. Quer vitórias como as de 1967 e 1973 contra a Síria, Jordânia e Egito que acabaram levando essas nações a se renderem e aceitarem os termos dos israelenses, que até hoje ocupam ilegalmente as colinas do Golã, um território sírio, segundo a ONU. Decidiu eliminar seus inimigos Hezbollah e Hamas nas fronteiras, independentemente dos custos para a desgastada imagem israelense no exterior e das mortes de civis no lado inimigo. Destruiu a Faixa de Gaza, em ações militares que resultaram na morte de 40 mil palestinos, incluindo milhares de crianças. Em uma ofensiva muito mais bem sucedida, eliminou o comando do Hezbollah. O grupo ainda possui um poderoso arsenal, mas claramente não dispõe mais de capacidade de organizar uma ampla resposta.
Benjamin Netanyahu conseguiu desviar a atenção de Gaza para o combate ao grupo apoiado pelo Irã. Conta com muito mais apoio interno para a guerra no Líbano do que na contra os palestinos. Não conseguiu trazer do Hamas os reféns para casa, que seguem nas mãos dos terroristas. Uma parcela grande da população israelense avalia, corretamente, que somente um acordo de cessar-fogo pode trazê-los de volta. Mas certamente existe um consenso em Israel de que a morte de Nasrallah será positiva para o país. Talvez seja cedo para saber se os moradores do Norte voltarão para as suas casas. Tampouco está definido se os israelenses invadirão o sul do território libanês para tentar criar uma zona tampão como tentaram e fracassaram nos anos 1980 e 1990.
O Líbano, neste momento, está paralisado. Ninguém sabe o que acontecerá. Seguidores do Hezbollah estão órfãos. Foi um cataclisma. Os adversários tampouco sabem como agir. Precisarão refazer seus cálculos. Existe um risco de conflitos sectários, ainda mais com as áreas xiitas tendo sido alvejadas em larga escala com centenas de mortos, enquanto regiões de maioria cristã, sunita e drusas foram poupadas. A sensação é de choque total e caos. São milhares de pessoas que precisaram deixar suas casas devido aos bombardeios e estão nas ruas, praias e praças. O temor é que a guerra se intensifique mais e essa nação mais uma vez seja palco de uma guerra entre outras potências. As únicas esperanças são o apoio de todos ao Exército, única força capaz de manter a ordem neste momento e evitar o caos interno. Um improvável cessar-fogo é apenas um sonho, apesar de o governo libanês ter aceitado a proposta dos EUA e da França.
*Colunista do O GLOBO