Gilmar compara pacote anti-STF do Congresso à Constituição da ditadura Vargas

 

O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), comparou nesta quarta-feira (23) o chamado pacote anti-STF do Congresso à Constituição da ditadura de Getúlio Vargas, de 1937. De acordo com ele, neste momento histórico, é perigoso que o Parlamento passe a derrubar decisões da corte.

O colegiado passou mais de uma hora da sessão plenária debatendo se o Congresso respeitou o rito legislativo correto no caso que incluiu as cooperativas médicas no rol de companhias que podem pedir recuperação judicial de acordo com a Lei das Falências.

O decano manifestou a preocupação sobre a repercussão que a conclusão do plenário poderia ter em outros temas a partir da decisões e mesmo sobre o momento de tensão entre os dois Poderes.

“Acho muito perigoso estimular a postura do Congresso Nacional no momento que estamos vivendo. Estamos falando de 4 ou 5 emendas constitucionais, um mandado de segurança, uma com o ministro Kassio [Nunes Marques], que trata de cláusula pétrea. Uma delas que revive o dispositivo da Polaca, a carta de 1937 de Getúlio Vargas”, disse.

Gilmar se referiu ao pedido feito pelo deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), o Paulinho da Força, ao Supremo para que determine o arquivamento de duas propostas em análise no Congresso e que limitam os poderes dos ministros da corte.

No pedido protocolado no último dia 11, o parlamentar defende a tomada de decisão em caráter emergencial (liminar) para que seja suspensa a tramitação das PECs e sustada qualquer deliberação sobre essas propostas. O relator será o ministro Kassio Nunes Marques, indicado ao tribunal pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O trecho mencionado por Gilmar estabelecia que o Congresso, sob a ditadura Vargas, poderia cassar decisões do STF. “Para quem sabe, não houve Congresso em 1937. Então, quem exerceu esse poder foi o presidente ditador Getúlio Vargas, que cassou decisões do Supremo. Estamos vivendo essa quadra”, afirmou o ministro.

O pacote de medidas conhecido como anti-STF foi aprovado no último dia 9 na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania) da Câmara dos Deputados em ofensiva liderada pelo PL de Bolsonaro, mas que contou também com o apoio dos demais partidos de centro e de direita.

O colegiado aprovou a admissibilidade de duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) e dois projetos de lei que limitam poderes de ministros do Supremo e ampliam as hipóteses de pedidos de impeachment dos magistrados.

As propostas haviam sido enviadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à comissão numa resposta à decisão unânime do Supremo de suspender a execução das emendas parlamentares até a adoção de medidas mais transparentes.

A PEC 8/2021 foi aprovada por 39 votos a 18. Ela restringe o poder de os magistrados da corte derrubarem por decisão monocrática (individual) leis aprovadas pelo Congresso. O PT usou o recurso da obstrução para tentar evitar a apreciação do tema, mas a maioria optou por dar prosseguimento à votação.

Já a PEC 28/2024, aprovada com 38 a 8, permite que as decisões do STF possam ser derrubadas pelo Congresso. Além da análise por uma comissão especial e pelo Plenário, em dois turnos de votação, a proposta também segue para apreciação do Senado.

A Constituição de 1937 citada pelo decano da corte previa que o presidente da República poderia manobrar para tornar sem efeito uma decisão do STF pela inconstitucionalidade de uma lei. O chefe do Executivo teria a possibilidade de, sob a justificativa do “bem-estar do povo, da promoção ou da defesa de interesse nacional de alta monta”, devolver o caso ao exame do Parlamento.

Caso o Congresso confirmasse por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, a decisão da corte estaria cassada. Este dispositivo foi revogado em dezembro de 1945.

O Congresso foi fechado por Vargas em 10 de novembro de 1937. Em discurso transmitido pelas rádios, Getúlio informou que instituía um “regime forte, de paz, justiça e de trabalho”. As eleições foram suspensas, a Constituição de 34 foi anulada, partidos políticos foram proibidos, e rádios e jornais, censurados.

A Constituição daquele ano ficou conhecida como Polaca por ter textos de inspiração no modelo semifascista polonês, era centralizadora e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados.

 

Ana Pompeu, Folhapress

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *