A investigação que resultou na Operação Segreto, conduzida pela Corregedoria da Polícia Militar e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), obteve diversos diálogos gravados pelas câmeras corporais dos agentes denunciados. Em uma das conversas, um sargento da Polícia Militar ironiza a fiscalização das câmeras corporais, afirmando que não é possível monitorar todo o efetivo da corporação. Segundo as investigações, além de dinheiro, os PMs foram flagrados recolhendo engradados de cerveja e até frutas de estabelecimentos. Até o início desta tarde, 21 PMs foram presos.
Em uma das conversas gravadas, um sargento diz: “Se eu for fazer algo errado, eu não vou usar a câmera”. Em outro momento, ele complementa: “o dia que eu for cometer um crime eu não vou usar câmera, que pô idiotice, não tem coerência“.
No decorrer do diálogo, ele afirma que é impossível monitorar todos os policiais a partir dos aparelhos: “Eles podem até parar de ficar me olhando, que não adianta, que eles olhar eu não vou estar cometendo crime. Eu não vou cometer crime com eles me olhando”.
Depois de uma pausa, ele continuou: “Esse negócio aí, que ficam olhando lá no monitor olham por amostragem po, não tem como olhar cinquenta mil, vamo bota vinte mil polícia, dez mil, não tem como olhar dez mil polícia“, afirmou.
Os militares foram denunciados por corrupção passiva, negativa de obediência e associação criminosa. Segundo a denúncia, foi identificado o recolhimento de valores em 54 estabelecimentos. Assim, o grupo envolvido no esquema promovia um “tour da propina”, destaca o MPRJ, porque visitava sequência dezenas de comércios para arrecadar dinheiro ilicitamente.
Os crimes aconteceram no segundo semestre de 2023 e, à época, os investigados estavam lotados no 20º Batalhão (Mesquita). As vítimas eram da área sob cuidado da repartição. Como os envolvidos tinham um dia certo para fazer a cobrança das taxas — sempre às sextas-feiras —, o grupo foi chamado pela investigação de “tour da propina” ao passarem em cada um dos comércios para a retirada dos valores. O MPRJ destacou que esse tipo de ação dos envolvidos transformou o serviço na PM “numa verdadeira caçada ao ‘arrego'”.
Em nota, o escritório Simão Advogados Associados, que faz a defesa de quatro dos PMs presos, disse que tudo não se trata de mal-entendido e que os envolvidos não foram ouvidos antes da prisão.
“Apesar dos fatos se referirem ao ano de 2023, portanto sem contemporaneidade, ninguém perguntou a nenhum policial se teria recebido dinheiro e por qual razão teria recebido o dinheiro, de forma que os mesmos pudessem esclarecer, já que as razões podem ser licitas. Pior, nem as pessoas que supostamente teriam realizado os pagamentos foram ouvidas. Tudo é um grande mal-entendido, fruto de uma falta de investigação que sequer teve o trabalho de ouvir as partes antes de pedir a prisão. Fato que tem se tornado corriqueiro, desmotivando os policias militares que corajosamente defendem nossa sociedade”.
Crimes não registrados por câmera corporal
A tenente-coronel Cláudia Moraes explica como os agentes burlavam o uso de câmera corporal acoplada ao uniforme para que os crimes não fossem gravados. Segundo a porta-voz, o Rio de Janeiro é o estado com o maior número de câmeras ativas — são 13 mil —, e que há a determinação para o uso durante todo o serviço. A investigação apontou que muitos deles burlavam o uso não retirando o equipamento no início do dia de trabalho, o que também começou a despertar suspeitas sobre os agentes.
— A não utilização da câmera, segundo a Corregedoria, é considerada falta grave. O policial pode ser punido e até excluído. Por conta disso, esses policiais faziam tentativas de burlar essa câmera, ou tentar ocultar e esconder, ou até mesmo não pegar a câmera durante o serviço, o que já caracteriza uma falta grave — conta Cláudia Moraes. — A ideia deles era exatamente tentar mascarar a questão da câmera como algo que temos utilizado hoje, tanto para a transparência da atividade da Polícia Militar, quanto também para as atividades de Corregedoria.