A proposta das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 não é que exista uma disciplina exclusiva para a história negra e indígena, mas sim que essas perspectivas estejam presente nas grades curriculares de ensino. Na Escolinha Maria Felipa, por exemplo, todos os conteúdos tradicionais são abordados para seu público, que é de crianças dos 2 aos 11 anos de idade. O diferencial do local é a valorização da cultura africana e indígena.
“Temos uma lei que existe há 21 anos e que não é cumprida, não é fiscalizada, não é autuada, não é denunciada. Isso revela o quão importante é o nosso trabalho para que a gente valorize as nossas heranças culturais, para que isso não morra, para que essa história continue existindo e que a gente possa contar ela de alguma forma, que infelizmente não é contada nas outras escolas”, afirma a sócia gestora da Escolinha Maria Felipa, Maju Passos.
Quem tem acompanhado de perto o resultado do modelo é a mãe e arquiteta Inaha Paz, que já tem aprendido com sua filha, a pequena Flora de 3 anos, que vive sua primeira experiência estudantil na Maria Felipa. “Mesmo com toda minha desconstrução ainda aprendo com ela e enquanto for assim tá valendo. Outro dia ela ia entrar em casa depois de brincar no parquinho descalça e eu disse ‘epa, epa, epa, nada de pisar com o pé dessa cor no sofá’. Ela respondeu logo: ‘essa cor é ruim, mamãe?’. Fiquei com o corpo inteiro gelado e disse ‘essa cor é maravilhosa, a sujeira que é o problema’. Estou aprendendo também com minha filha”, conta.
Ganhar importância
Ainda que em todas as instituições de nível básico esses temas sejam abordados – já que é uma obrigação legal – existem dificuldades na implantação, como indica o presidente do Sindicato das Escolas Particulares da Bahia (Sinepe – BA), Jorge Tadeu Coelho. “O desafio das escolas particulares, como conjunto, é trazer a cultura da África para o interior das escolas. Não precisa ser uma disciplina, mas é preciso ganhar importância no currículo, com atividades propostas que não sejam superficiais, que não seja tratado como algo alegórico, mas que o aluno entre de fato em contato com essas culturas”, afirma.
Na Escolinha Maria Felipa isso é visível nos detalhes. Desde um mural em que os alunos colocam o nome de suas comunidades até fotos de referências negras espalhadas pela instituição. Essa perspectiva não está presente só na disciplina de história, mas perpassa todo o projeto acadêmico, conforme a diretora da escola Cristiane Coelho.
“O continente africano é o berço da humanidade. É de lá que surge todo o pensamento tecnológico e científico. Se a gente pensar, por exemplo, na matemática, a gente pode se remeter para lá. Se pensarmos em tecnologia também. Trazemos esse conhecimento de várias formas como, por exemplo, o projeto Afrotec, em que trazemos inventores e inventoras da África para que a gente empodere pessoas a partir de narrativas positivas”, conta.
O destaque para atividades que tratem também de outras perspectivas para além da história hegemônica europeia ainda é muito questionado, de acordo com Maju. “Temos escola americana, alemã, canadense, chinesa, tudo no Brasil. Quando falamos de uma escola afro-brasileira existe uma dificuldade inclusive das pessoas entenderem que isso aqui se trata, antes de tudo, de uma escola”, afirma.
Ela reforça ainda que essa manifestação não significa negar a contribuição de outras culturas. “A gente conta todas as histórias, a gente não nega nenhuma outra história. É importante dizer isso. A gente não nega a importância dessa história para nossa constituição, mas não colocamos a Europa no centro”, comenta a sócia gestora da Escolinha Maria Felipa.