Oito anos depois, Aleppo voltou ao controle de forças de oposição, e a coalizão que o ajudou a conter as forças rebeldes a alguns bolsões no país praticamente se desfez, diante de novas guerras no Oriente Médio — em Gaza e no Líbano.
“Antes desta ofensiva, as linhas de frente na longa guerra da Síria estavam relativamente congeladas há quatro anos. Para manter essas linhas de frente, a Rússia, o Irã e o Hezbollah protegeram o regime de Assad, enquanto a Turquia preservou as partes do norte do país controladas pela oposição, e os Estados Unidos mantiveram forças no nordeste e leste da Síria”, afirmou, em artigo, Natasha Hall, pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Nestes 13 anos de conflito, Bashar al-Assad esteve diante de uma série de inimigos, desde forças seculares de oposição, grupos jihadistas (alguns com o apoio da Turquia) até o Estado Islâmico, que fez de Raqqa, cidade próxima à fronteira com o Iraque, a capital de seu califado e base de operações terroristas pelo mundo.
Ao mesmo tempo, o líder cuja sobrevivência foi posta em xeque algumas muitas vezes conseguiu montar uma complexa aliança militar e política.
A começar pelo Irã, principal aliado de Damasco no Oriente Médio. Embora não tenham enviado tropas, os iranianos forneceram equipamentos — inclusive para conter os protestos da Primavera Árabe —, treinamento e transformaram partes do país em bases operacionais avançadas da Guarda Revolucionária, tendo como alvo Israel.
Os bilhões de dólares vindos de Teerã ainda ajudaram o regime a sobreviver às sanções internacionais e ao bloqueio imposto por países vizinhos.
Em 2013, o libanês Hezbollah decidiu se juntar às forças de Assad. Na época, o então líder do grupo, Hassan Nasrallah, afirmou que os sírios — que mantiveram uma ostensiva presença militar no Líbano por três décadas — eram seus “reais amigos na região”, e que jamais deixaria que o país caísse “nas mãos dos americanos, israelenses” e de grupos extremistas sunitas.
A participação nos combates deu ao grupo experiência militar, mas manchou sua imagem em partes do Oriente Médio: afinal, eles não estavam na Síria apenas para combater extremistas que decapitavam as pessoas diante de câmeras, mas também civis que se levantaram contra Assad.
Com o apoio dos bombardeios russos, por vezes indiscriminados, e seus dois aliados regionais, Assad conseguiu enfraquecer o Estado Islâmico, conter os rebeldes e se manter no poder, em uma guerra que, embora esquecida, jamais chegou ao seu fim.
Mas em um Oriente Médio que, desde os ataques do Hamas, em outubro do ano passado, está em permanente estado de ebulição, a relativa paz de Assad estava destinada a terminar.
Com o início da ofensiva em Gaza, os israelenses não apenas centraram seu poderio militar contra o Hamas, hoje restrito a bolsões no enclave palestino, mas contra o Irã, alvo de bombardeios e assassinatos, inclusive na Síria, e contra o Hezbollah, com quem travou um conflito de baixa intensidade que evoluiu para uma guerra que arrastou o Estado libanês.
Conforme os combates se prolongaram, e conforme o premier Benjamin Netanyahu reiterava que o inimigo não era apenas o Hamas, mas sim o “regime de Teerã”, incluindo o Hezbollah, as fragilidades dos aliados de Damasco ficaram expostas.
— [A guerra na Síria] custou a eles (Hezbollah) mais do que sua reputação — disse Kareem Shaheen, editor para o Oriente Médio na revista New Lines, em entrevista ao portal Middle East Eye. — Custou a integridade operacional do partido e sua percepção como um partido que supostamente luta pelos fracos.
A expansão da presença do Hezbollah na Síria permitiu, de acordo com integrantes do governo israelense, que espiões se infiltrassem e chegassem aos altos escalões.
E ao concentrar suas forças no apoio ao regime de Assad, o grupo xiita deixou em segundo plano a sua segurança no Líbano, onde as principais lideranças, incluindo Hassan Nasrallah, foram mortas, e uma fatia considerável de sua capacidade militar foi destruída.
— Israel deu um golpe impressionante no Hezbollah no Líbano — afirmou Paul Salem, pesquisador do Instituto para o Oriente Médio, ao portal NPR. — O Hezbollah foi uma das principais forças de combate que salvaram o regime de Assad do colapso em 2015. Eles não estão mais realmente disponíveis para fazer isso.
Segundo a agência Reuters, o grupo enviou para a Síria um pequeno número de “forças de supervisão” para ajudar a evitar a queda de Homs, mas sem uma mobilização mais ampla de suas tropas, hoje à espera de um eventual fracasso do acordo de cessar-fogo com Israel, firmado no mês passado, para retornarem às linhas de frente no sul do Líbano.
O Irã, por sua vez, tenta mobilizar milícias aliadas para apoiar Assad, mas muitas delas foram atacadas por Israel e EUA desde outubro de 2023 e perderam capacidade de ação. Existe a promessa de envio de equipamentos militares e armas, e de fornecimento de inteligência — Teerã não se compromete com o envio de tropas, apenas de “conselheiros militares”, como são chamados os membros da Guarda Revolucionária no país.
Também há pouca disposição dentro do governo do presidente Masoud Pezeshkian para comprometer recursos no exterior diante da possibilidade de um Netanyahu empoderado pela chegada de Donald Trump ao poder nos EUA, e de uma guerra “total”.
E há o fator Rússia. Apesar da guerra na Ucrânia estar perto de completar três anos, e ter drenado forças consideráveis, Charles Lister, especialista em Síria, afirmou ao Washington Post que não houve redução de recursos nas bases russas no país árabe — Hmeimim e Tartus.
Desde o início da ofensiva rebelde, aeronaves de Moscou realizaram bombardeios nos arredores de Aleppo e, agora, de Homs, mas sem sinal de uma presença militar terrestre de Moscou.
Mas ao contrário de 2016, os mísseis russos podem não ser mais suficientes. Na ocasião, as bombas eram acompanhadas por uma robusta ofensiva terrestre. Um cenário que não existe mais.
— No início da guerra, as chamadas forças governamentais eram uma coalizão de retalhos que incluía o Exército, ramos de segurança expandidos recrutando combatentes adicionais, forças auxiliares, Hezbollah, milícias estrangeiras pró-iranianas, conselheiros [do Corpo de Guardas Revolucionários Iranianos] e apoio aéreo da Rússia — Armenak Tokmajyan, pesquisador do Centro Carnegie para o Oriente Médio, disse ao Middle East Eye. — Hoje, essa coalizão não existe mais. Essa é a explicação provável para a incapacidade do regime de resistir às forças de avanço da oposição.
Em questão de dias, os rebeldes conseguiram tomar Aleppo, segunda maior cidade síria, praticamente sem resistência, e rumam para Homs, cidade que ainda está sob controle de Assad e que é estratégica para a sobrevivência do regime. Em Damasco, cidade que não caiu nem nos piores momentos da guerra civil, o clima é de apreensão.
— Sempre que rumores se espalham, as pessoas correm para comprar vários produtos, pão, arroz, açúcar e detergentes — disse Amine, 56, que administra uma mercearia no bairro de Sheikh Saad, na capital, à AFP. —Hoje, comprei duas vezes do meu atacadista para atender à demanda.
Kirill Semenov, especialista em Síria no Conselho de Assuntos Internacionais Russo, também culpa o regime sírio pela fragilidade diante da ofensiva.
— O governo sírio está demonstrando uma incapacidade completa de realizar reformas e encontrar as soluções necessárias. Isso se aplica a todas as áreas, incluindo o Exército. Desde 2020, nada foi feito para melhorar as forças armadas da República Árabe Síria. Elas estão em um estado de semi-desintegração — disse, em entrevista ao jornal Vzglyad.