Tropa de elite de cursinhos só vai para casa no fim de semana
Estudantes têm rotina de 14 horas diárias de estudo, sem TV nem videogames
A rotina lembra a de um alojamento militar. Em regime de internato, com folga apenas aos domingos, 74 jovens do Rio e de outros quatro estados brasileiros se põem de pé antes das 7h. Às 22h, é hora do toque de recolher. A rotina rígida, que inclui 14 horas diárias de estudo, sem direito à TV ou a jogos eletrônicos, é seguida à risca em dois alojamentos mantidos por cursinhos, na Tijuca e em Madureira. Não são soldados, mas formam a tropa de elite do ensino.
O confinamento dos melhores alunos é a nova estratégia usada por dois cursinhos cariocas — Pensi e Sistema Elite — para enfrentar o Enem e os exames militares mais concorridos do país. A iniciativa tem se mostrado eficaz. No ano passado, alunos do Pensi ficaram com o 1º e 2º lugar gerais da Uerj e o 1º lugar do Brasil no Instituto Militar de Engenharia. O Elite coleciona, entre tantos resultados, o 1º lugar na Escola de Sargento Especialistas da Aeronáutica e o 1º na Academia da Força Aérea.
O Colégio Martins não dispõe de alojamento, mas mantém turmas especiais. “As melhores aprovações são nossas”, afirma o diretor da unidade Méier, José Tavares. A rede preencheu 30 das 45 vagas do Colégio Militar para o 6º ano. “O rendimento é melhor. Estamos todos focados, e não tem aluno disperso atrapalhando a aula”, reconhece a estudante Amanda Lamachão, de 15 anos, aprovada em 3º lugar no Colégio Militar e em mais três seleções.
Para conseguir vaga, os alunos passam por provas e entrevistas. No contrato assinado com o cursinho, eles cedem o uso de imagem nas campanhas da rede. “É uma troca. Investimos neles e usamos o resultado como marketing da instituição”, diz André Felipe Mendonça, coordenador do Centro de Desenvolvimento de Alunos de Alta Performance (Cdaap), do Elite.
No espaço em Madureira, os alunos fazem quatro refeições por dia, têm internet wi-fi e ar-condicionado nos quartos. As paredes estão cobertas por fórmulas e anotações. Tudo para ajudar a fixar o conteúdo. “Não há vigilância ou controle. E nem precisa. Todo mundo quer passar nos exames”, diz Fernanda de Cothé, de 17 anos, de São Gonçalo. Como ela, quem mora longe se beneficia. “Se eu tivesse que vir de Campo Grande todos os dias perderia duas horas de estudo no trânsito”, diz Hugo Concolato, 17 anos, do Elite.
Para especialista, aulas devem ser iguais para todos
Nem oito, nem oitenta. Na equação da boa Educação dita a regra de que o modelo ideal de ensino é aquele que mistura alunos de diferentes níveis intelectuais e socioeconômicos. A opinião é da doutora em Psicologia Clínica pela PUC Teresa Creuza Negreiros.
“O elitismo cultural, quando se criam turmas só com os melhores, não ajuda nem os bons, porque os faz se sentirem superiores aos outros, e muito menos aos mais fracos, pois aumenta a cobrança sobre o seu desempenho e afeta a sua autoestima por se sentirem excluídos. Na verdade, só beneficia os cursos que usam a propaganda das primeiras colocações a seu favor”, critica a psicóloga.
Na avaliação da especialista, a boa escola é aquela que oferece o mesmo tipo de ensino para todos os alunos, sem distinção. “Todo mundo é bom em alguma coisa. Um é melhor em Biologia, o outro em Matemática. É na convivência que os estudantes aprendem uns com os outros”, acrescenta a psicóloga.
Segundo ela, outro equívoco é considerar o resultado de um pequeno grupo de alunos como sendo o desempenho de toda a escola. Para Teresa, a origem desse sistema de ensino está na base. “A educação pública atual está fraca, a maioria dos professores é mal paga, desestimulada, e os alunos se interessam apenas pelo o que está nas redes sociais. Quando chegam ao Ensino Médio, não têm base. Vão sendo atropelados pela cobrança de passar para uma universidade”, observa Teresa.
Fonte: O Dia