90 anos de O Globo: Contando histórias

90 anos O GLOBO

As provas do Circuito da Gávea, entre 1933 e 1935 Foto: Reprodução

Contando histórias

Em 90 anos, O GLOBO publicou mais de 3 milhões de reportagens, muitas delas históricas

Em 29 de julho, quando O GLOBO completar 90 anos, terá levado a seus leitores 29.882 edições. Com média mensal de três mil reportagens, terá publicado 3,2 milhões desde 1925. Notícias que afetaram em cheio a vida neste país e no mundo.

De hoje e até a data oficial da comemoração, uma série lembrará algumas das coberturas mais relevantes. Hoje, serão conhecidos a história por trás da primeira manchete — dedicada à borracha brasileira —, a aventura de cobrir os 25 mil quilômetros da Coluna Prestes, o dia a dia da montagem do Cristo Redentor e a adrenalina do automobilismo no Circuito da Gávea. O leitor verá ainda que o debate por uma educação de qualidade existe desde os anos 30, com Anísio Teixeira e Cecília Meireles, e que a Guerra Civil Espanhola teve uma cobertura em “tempo real” na época, com oito edições impressas num só dia. A nova série se junta aos depoimentos de leitores — disponíveis no site do jornal — e à seção “Por Dentro” especial, na página 2.

* Danielle Nogueira, Cristina Tardáguila, Barbara Marcolini, Cláudio Nogueira, Paula Ferreira e André Lobato

A primeira manchete do GLOBO

Na primeira manchete, uma história de economia: “Voltam-se as vistas para a nossa borracha”, estampava o GLOBO em 29 de julho de 1925. O assunto era o burburinho em torno da expectativa da vinda do empresário americano Henry Ford ao Brasil. A reportagem dizia que Ford era esperado em breve no Pará, com o objetivo de erguer uma fábrica deborracha para abastecer a indústria automotiva nos EUA e, assim, driblar o predomínio inglês no mercado da extração de látex.

A demanda pela matéria-prima explodia nos EUA à medida que os americanos inundavam o mundo com seus carros, símbolos da modernidade. No Brasil, registrava-se um “assombroso aumento” das importações de automóveis. Em apenas um ano, de 1922 para 1923, o salto havia sido de 2.772 para 12.995 unidades, também registrava o GLOBO na sua primeira edição. Um salto impressionante para o país que, hoje, produz 3,5 milhões de veículos por mês.

Ford acabou nunca vindo ao Brasil, mas seu projeto começou a sair do papel em 1927, quando ele comprou um terreno de quase 15.000 quilômetros quadrados às margens do Rio Tapajós, no Pará. Com apoio do então presidente Getulio Vargas, a cidade foi inaugurada na década seguinte, com campo de golfe, quadra de tênis, saneamento básico e uma vila inspirada na cidade americana de Detroit. A casa de Henry Ford, que o próprio nunca chegou a conhecer, também teve seu espaço reservado no mapa da cidade, batizada de Fordlândia.

O projeto de Ford, porém, não conseguiu revitalizar a indústria da borracha brasileira, que vivera seu auge entre 1870 e 1912. Hoje, a Fordlândia virou um imenso pasto, e os seringais da Amazônia — de onde se extraía a totalidade do látex brasileiro — foram para o fim da fila na produção nacional de borracha natural, atualmente liderada por São Paulo. Essa reviravolta na geografia da produção foi acompanhada por mudanças na posição ocupada pelo Brasil no comércio internacional.

O país, que chegou a ser o maior produtor e exportador de borracha do mundo, tornou-se importador da matéria-prima. Em 2014, importamos 241,4 mil toneladas de borracha — bem mais que as 185 mil produzidas aqui naquele ano, de acordo com dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior. E enviamos ao mundo modestas mil toneladas, o que não representa sequer 0,5% de nossa pauta de exportações. Em áureos tempos, o item respondia por cerca de um terço das vendas externas, perdendo apenas para o café.

A história da decadência da indústria da borracha brasileira, assim como a da Fordlândia, é digna de roteiros de filme de ficção. No fim do século XIX, o inglês Henry Wickman estabeleceu-se em terras paraenses aparentemente cultivando orquídeas. Na verdade, plantava seringueiras. Selecionou 70 mil sementes e as contrabandeou para Londres. As mudas espalharam-se pelas colônias asiáticas da Grã-Bretanha e da Holanda e logo quebraram o monopólio da borracha amazônica.

O golpe de misericórdia veio em 1913. Naquele ano, a produção dos seringais da Ásia (54.356 toneladas de borracha) superou pela primeira vez o que se extraiu dos seringais nativos da Amazônia (36.232 toneladas). Desde então, a distância entre os dois polos produtivos não parou de crescer.

— Nos seringais asiáticos, o plantio era feito a partir de um planejamento que racionalizava o uso dos espaços. Enquanto nos seringais da Amazônia as árvores se situavam a dezenas de metros de distância, nos asiáticos elas eram plantadas em fileiras e bem próximas umas das outras, o que permitia significativa economia de tempo e dinheiro nas atividades de corte, coleta, defumação e transporte do látex. Na Malásia, um seringueiro precisava de apenas um dia para produzir três quilos deborracha, resultado equivalente a 30 longos dias de trabalho de um seringueiro na Amazônia — conta a historiadora Etelvina Garcia.

Pouco tempo depois de nascer a Fordlândia, uma praga que se espalhou pelas seringueiras arrasou a cidade. Ford tentou, então, reproduzir seu projeto em Belterra, município localizado a 100 quilômetros dali. Mas a nova sede da Ford Company no Brasil não resistiu à concorrência asiática. Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a concorrência da borrachasintética — oriunda da petroquímica —, a família Ford decidiu vender as duas cidades ao governo brasileiro. Com ambas abandonadas, Belterra entrou na rota da soja e Fordlândia, na atividade pecuária.

O fim do sonho de Ford também encerrou a tentativa de retomada da indústria da borracha no país, que durante o conflito ensaiou uma recuperação. Patrocinado pelo governo americano, o Estado Novo de Vargas recrutou cerca de 50 mil nordestinos durante a guerra para trabalhar nos seringais da Amazônia. O objetivo era reaquecer o setor e criar uma alternativa de suprimento para os EUA, já que os japoneses haviam bloqueado o fornecimento de borracha produzida no Sudeste da Ásia para os americanos.

José Romão, hoje aos 92 anos de idade, foi um dos recrutados. Acabara de completar duas décadas de vida quando deixou sua cidade natal, Parnaíba (PI), em 1943, para se aventurar na floresta amazônica. Deparou-se com uma realidade bem diferente da que lhe haviam prometido. Dormia em barracas de palha improvisadas na mata e trabalhava horas a fio todos os dias para colher o látex e tentar, em vão, pagar a dívida que os seringueiros adquiriam junto aos patrões quando compravam alimento.

— Era um regime de escravidão. Vivíamos endividados. A maioria não resistia e morria de doença — recorda Romão, que apenas este ano recebeu indenização do governo brasileiro pelos anos que passou no seringal.

Nos anos 80, o cultivo empresarial das seringueiras se disseminou no Brasil, especialmente no Sudeste. O regime de semiescravidão que marcou as relações de trabalho nos seringais da Amazônia na primeira metade do século XX foi substituído pelo trabalho assalariado ou regime de parcerias agrícolas, em que o dono da fazenda entra com área plantada, adubo e máquinas, e o sangrador (quem corta a árvore e colhe o látex), com a força de trabalho, ficando em geral com 30% da produção.

— Hoje, um sangrador consegue tirar R$ 4 mil a R$ 5 mil por mês em tempos de alta de preços da borracha no mercado internacional, algo impensável no passado — afirma Heiko Rossmann, diretor-executivo da Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor).

Com a profissionalização da atividade, a região de São José do Rio Preto (SP), que reúne 27 municípios produtores, desponta hoje como principal polo produtor de borracha natural do país. É fonte de insumos para a produção de preservativos, luvas cirúrgicas, alguns tipos de pneus e outras mercadorias que não podem ser fabricadas a partir da borracha derivada da petroquímica.

Uma tentativa da indústria da moda de reativar o seringais da Amazônia, com a produção do chamado couro vegetal — feito a partir da borracha natural —, pegou carona na onda do consumo consciente dos anos 90, mas acabou não vingando. Entre idas e vindas, a produção do látex tenta se reinventar e encontrar seu papel no cada vez mais competitivo mercado daborracha. Longe do projeto idealizado por Ford e sob pressão da concorrência asiática.

O SONHO DA FORDLÂNDIA E O PESADELO DOS SOLDADOS DA BORRACHA

  • O americano Henry Ford, sentado numa lavoura de trigo. O empresário americano idealizou a…Foto: Reprodução

  • Homens que trabalharam na limpeza da floresta amazônica no Pará, onde foi erguida a FordlândiaFoto: Reprodução / Editora Rocco

  • Homem posa ao lado de uma seringueira plantada na Fordlândia. A platanção não resitiu às pragas….Foto: Reprodução / Editora Rocco

  • Soldados da borracha em treinamento. Cerca de 50 mil homens foram recrutados no Nordeste para…Foto: Divulgação / Sindsbor

  • Cerca de 20 mil soldados da borracha morreram nos seringais da Amazônia durante a Segunda Guerra…

AMAZÔNIA ENTRA NA SEGUNDA GUERRA

Enquanto armas e canhões ecoavam nas trincheiras europeias durante a Segunda Guerra Mundial, um exército de retirantes protagonizava um silencioso esforço de guerra na Amazônia para alimentar a indústria bélica americana e, assim, assegurar a vitória dos aliados em 1945. Eram os chamados soldados da borracha, homens recrutados, em sua maioria, no Nordeste brasileiro para trabalhar nos seringais da região amazônica, fornecendo aos Estados Unidos o insumo necessário para pneus e armamentos.

Estima-se que, durante o conflito, cerca de 50 mil trabalhadores tenham sido arregimentados pelo Estado brasileiro com esse fim. Quase a metade — aproximadamente 20 mil— foi dizimada nos seringais durante o conflito, devido a doenças e péssimas condições de trabalho. Setenta anos depois do fim da guerra, apenas um décimo ainda está vivo e luta para equiparar seus direitos aos dos ex-combatentes que foram enviados para o front.

— Ao chegar à Amazônia, os nordestinos perceberam que todas as garantias que lhes haviam prometido inexistiam. Com o rompimento desse contrato (de trabalho), eles não tinham a quem recorrer. Não havia Justiça Trabalhista na Amazônia. E ainda hoje eles reivindicam seus direitos — afirma o historiador e especialista em direito do trabalho Franciso Pereira Costa, que defendeu uma tese de doutorado na USP sobre os soldados da borracha.

O ingresso da Amazônia na Segunda Guerra se dá a partir da ocupação pelos japoneses da base militar americana de Pearl Harbor, no Havaí, em 1941, o que acabou levando à suspensão do fornecimento daborracha produzida no Sudeste da Ásia para os americanos. O Brasil, que experimentava um declínio do ciclo da borracha, passa a ser visto como alternativa de suprimento. Mas havia poucos seringueiros ativos. É nesse contexto que o governo de Getulio Vargas inicia, em 1943, uma campanha para recrutar homens dispostos a se aventurar nos seringais da Amazônia em troca de promessas de enriquecimento rápido.

José Romão, de 92 anos, foi um dos recrutados. Deixou sua cidade natal, Parnaíba (PI), em 1943 e viajou de trem e navio até Manaus com mais 47 homens. Tinha apenas 20 anos e um sonho de proporcionar uma vida melhor para os pais e os três irmãos. Ao chegar na floresta, deparou-se com uma realidade bem diferente da que lhe haviam prometido. Dormia em barracas de palha improvisadas na mata e trabalhava horas a fio todos os dias para colher o látex.

Depoimento do ex-soldado da borracha José Romão

Recebia uma pequena quantia em dinheiro pela produção do dia, mas esta era insuficiente para comprar produtos básicos para sua subsistência no chamado “barracão”, ponto de venda de alimentos e itens de higiene pessoal mantido pelo dono do seringal. Em pouco tempo estava endividado e não tinha permissão para deixar o seringal enquanto não quitasse sua dívida.

— Era um regime de escravidão. A gente levantava cedo e caía na mata para cortar a madeira. E toda a produção era consumida na compra de mercadoria — recorda Romão. — A maioria morria de doença. Não tinha remédio, só remédio caseiro feito com planta da floresta. Depois de poucos meses, só 18 tinham sobrevivido no meu grupo.

Com o fim da guerra e o novo declínio da indústria da borracha, Romão buscou trabalho no comércio. Em 1981, mudou-se para Rondônia para receber um lote de terra que o governo brasileiro estava distribuindo aos ex-soldados da borracha. Buscou reconstruir sua vida ao lado de uma nova mulher e iniciou um movimento para buscar indenização junto ao Estado para os sobreviventes dos seringais e seus parentes.

À frente do Sindicato dos Soldados da Borracha, denunciou o governo brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2013 por negligência. A pressão política deu resultado. Em agosto de 2014, foi aprovada no Congresso Nacional emenda constitucional que garantiu aos ex-soldados indenização de R$ 25 mil, pagos em março deste ano. De acordo com o Ministério daPrevidência, 11.896 pessoas receberam a indenização, incluindo ex-seringueiros (5.110) e dependentes. Romão ainda não se deu por satisfeito. Uma ação no Supremo Tribunal Federal reivindica indenização de R$ 800 mil.

Paralelamente, o sindicato prepara uma ação para equiparar os benefícios dos soldados da borrachaaos de ex-combatentes de guerra, com o argumento de que o decreto que estabeleceu as bases para a atividade seringueira na época do Estado Novo considerou que “a produção da borracha é essencial ao esforço de guerra e à defesa militar do país” e que os soldados da borracha têm status militar. A Constituição de 1988 assegurou aos soldados da borracha benefício de dois salários mínimos mensais. Hoje, o valor médio do benefício pago pela Previdência é de R$ 1.551. Já o valor médio pago a ex-combatentes é de R$ 3.607.

A Coluna Prestes narrada em 11 capítulos

Coluna Prestes – Reprodução

Em abril de 1925, um grupo composto por aproximadamente 1.500 militares descontentes com o governo de Arthur Bernardes se reuniu na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, e partiu para uma caminhada revolucionária pelo interior do Brasil. A ideia da chamada Coluna Prestes era mobilizar os brasileiros em favor do voto secreto e do ensino fundamental obrigatório. Buscava-se o fim da miséria e da injustiça social. Na marcha, foram percorridos 25 mil quilômetros e, para contar essa história de luta e chão, O GLOBO fez de um deputado gaúcho seu correspondente.

João Baptista Luzardo nasceu em Uruguaiana (RS), formou-se em Medicina e Direito no Rio de Janeiro e foi eleito deputado pela Aliança Libertadora, que reunia os diversos setores da oposição gaúcha e que, mais tarde, daria origem ao Partido Libertador (PL). Em 1927, Luzardo já havia sido preso, acusado de conspirar contra o governo, e era publicamente tido como “a única voz a defender a Coluna Prestes no Parlamento”. Dispunha de imunidade parlamentar e aceitou narrar os vaivéns do movimento para o jornal.

Coluna Prestes – Reprodução

No dia 5 de janeiro daquele ano, Luzardo escreveu na capa do GLOBO sobre a tarefa que começaria executar no dia seguinte. Contou que não havia tido dúvidas em dedicar seus “escassos instantes de lazer” ao trabalho de “sistematizar elementos da deflagração da crise que agitava o país” e deixou clara sua motivação: “facilitar, amanhã, aquela missão do historiador”.

“Proponho-me, sim, a expor singelamente o que tem sido a marcha infatigável e invencível dessa Coluna Prestes, que é um dos mais belos índices da energia nacional”, afirmou. “O relato da Coluna Prestes, que tomo a ombros fazer — previna-se a crítica — é, antes, um depoimento de quem se vê dentro dos fatos, pela sua própria contingência de delegado de um povo que quer ver, em seus representantes, leais e dedicados advogados de seus gritos”.

Em 6 de janeiro de 1927, Luzardo começou oficialmente sua narrativa. Dividida em capítulos, ela trazia alto nível vocabular e hoje como prova de que o jornalismo também sofreu transformações profundas nos últimos 90 anos.

Se hoje, nas redações, a ordem é responder, logo no primeiro parágrafo de uma reportagem, às cinco perguntas — Quem? O quê? Quando? Onde? e Por quê? —, no tempo de Luzardo, a aposta era pelo contexto histórico, pelas descrições ricas e detalhadas. Era o tempo do jornalismo literário.

Luzardo narrou com detalhes, por exemplo, o “discreto encontro entre delegados das forças conjuradas e elementos diretores da Aliança Libertadora”. Contou que o evento ocorreu em “um pequeno recanto da fronteira uruguaia”, chamado Berachy, e que este, “pode dizer-se, foi o início da nova revolução do sul”. Naquela época, o jornal era impresso às 17h para que houvesse tempo hábil de ser distribuído. Hoje em dia, as rotativas são postas em marcha cerca de seis horas mais tarde.

A diagramação das páginas também diferia — e muito — do que os leitores do GLOBO estão acostumados a ver agora. As fotos eram posadas. Numa delas, até o próprio Luzardo chegou a aparecer. As letras eram minúsculas. As colunas separadas por finas linhas. As fontes usadas na manchete e nos títulos variavam diariamente e, sobretudo, não havia cor.

Mas foi assim que, ao longo de 11 capítulos, publicados até o dia 17 de fevereiro de 1927,que o deputado da Aliança Libertadora ofereceu “a um jornal realmente independente um corretivo ao maquiavelismo da censura” imposta pelo governo Arthur Bernardes.

Naquele mesmo ano, Luzardo foi reeleito e participou da fundação do Partido Democrático Nacional, que reunia opositores do regime. Em 1982, depois de ter feito parte do governo de Getúlio Vargas, de ter apoiado o Estado Novo, de ter sido embaixador do Brasil no Uruguai e na Argentina, Luzardo morreu na cidade de Porto Alegre. Para os leitores do GLOBO, ele será para sempre a voz da Coluna Prestes.

O correspondente Baptista Luzardo – Terceiro / Agência O Globo

TRECHOS DOS CAPÍTULOS DE LUZARDO

Descrições, vocabulário e jornalismo literárioLeia abaixo trechos da narrativa do deputado João Baptista Luzardo, que atuou como correspondente do GLOBO na Coluna Prestes.

Capítulo 1, publicado em 6 de janeiro de 1927

Luzardo relata movimento do grupo na fronteira do Uruguai

“As colunas civis ficaram e movimentaram-se pela zona fronteiriça com o Uruguai, ao comando experimentado dos velhos guerrilheiros Honorio Lemes e Zecca Netto, ou se consolidaram na serra, sob o impulso de jaguar do invencível Leonel Rocha.

Capítulo 2, publicado em 11 de janeiro de 1927

Luzardo inicia o texto, levando o leitor do GLOBO ao sítio de Assis Brasil

Na fronteira uruguaia, à margem do Jaguarão, descansa molemente, sobre um pequeno outeiro, um casarão rústico, um rancho, tendo, ao lado, um outro rancho menor. E como ali desagua, na margem direita, um pequeno ribeirão, o “Berachy”, ficou o lugar com este nome. Quando um peão gaúcho, um vaqueiro fronteiriço fala que dormiu em Berachy, já se sabe que é o sobranceiro rancho uruguaio que fica a 9 léguas do castelo de Pedras Altas, do Sr. Assis Brasil, o grande brasileiro que resume, no momento, todas as aspirações republicano-democráticas nacionais.

Capítulo 4, publicado em 18 de janeiro de 1927

O correspondente do GLOBO relata o momento em que ficou decidido o início da revolução

“E dado o acordo quanto ao dia do movimento, assentou-se definitivamente a maneira de cooperação dos elementos civis. O brado de revolta seria dado no dia 7, nas guarnições da fronteira, iniciado pela de Uruguaiana. Dali, se faria a comunicação para as demais. E, levantados os quartéis, os elementos civis acorreriam aos mesmos, para se municiarem. Formar-se-iam em cada quartel duas colunas, uma civil e outra militar, embora obedecendo à revolução ao único comando do general zeca Netto, assistido de alta patente de uma das guarnições.

Capítulo 10, publicado em 11 de fevereiro de 1927.

Luzardo elogia a “capacidade guerreira” de Luis Carlos Prestes.

“Curioso neste golpe é o registro da tática que sempre inspirou Prestes, no desenvolvimento posterior da luta invencível que vem travando, revelando-se uma capacidade guerreira indiscutivelmente genial. Prestes, desde o primeiro momento, caracterizou a linha que se impunha a esta luta. Tendo a revolução somente a vantagem de uma tropa de elite, enfrentando a cada momento massas governistas esmadoras, impunha-se-lhe corrigir este desequilíbrio por meio da agilidade. Nas condições em que se via, a revolução não podia ficar na defensiva ou conformar-se com a campanha estatica. Daí, ter sempre opinado pelas lutas de movimento, valendo-se da inteligencia e agilidade, para esgotar os governistas. Era a norma que via, como única aceitável, para a revolução.

Capítulo 11, o último da narrativa, publicado em 17 de fevereiro de 1927.

O deputado João Baptista Luzardo se despede e agradece a oportunidade:

“O meu maior objetivo era oferecer uma vista geral das ocorrencias do sul, sem preocupações de detalhes. Não tive em mira descrever batalhas e encontros. Contentei-me em proporcionar uma vista de conjunto das ocorrências.”

“Por fim, só me resta felicitar O GLOBO pela sua iniciativa, no propósito que se tomou, de atacar a má-fé do pretenso historiador da admirável coluna. E não se reclamaria ataque mais brilhante que provocar a verdade.

O nascimento de um símbolo do Rio

  • A partir da enseada de Botafogo, vê-se o morro do Corcovado ainda sem o monumento, no início do…Foto: Augusto Malta/Arquivo AGCRJ

  • A cabeça da imagem foi montada em um sítio antes de ser levada para o Alto do CorcovadoFoto: Divulgação

  • Engenheiros e operários comemoram a colocação da cabeça da estátua no CorcovadoFoto: Acervo AGCRJ

  • Os engenheiros Heitor da Silva Costa, Pedro Fernandes Vianna da Silva, Antonio Ferreira Antero e…Foto: Acervo Eloy D’Ecanio

  • A primeira página da terceira edição do dia 12 de outubro de 1931, quando o Cristo foi inauguradoFoto: Reprodução

  • Mais de 80 anos desde a sua inauguração, a imagem é maior símbolo da cidadeFoto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

“Christo reina, impera, e livrará o Brasil de todos os males”. A frase, dita pelo arcebispo dom Sebastião Leme, no alto do Corcovado, estampava a primeira página da terceira edição do GLOBO de 12 de outubro de 1931. Era dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Completava-se ali uma aventura de dez anos, desde a eleição do projeto de Heitor da Silva Costa para o Cristo Redentor. Nascia o maior símbolo do Rio.

Assim como a nova estátua, os festejos que antecederam a inauguração tinham o objetivo de fortalecer a igreja católica no Brasil. Quarenta e dois anos antes, a proclamação da República havia estabelecido um estado laico.

— No início da década de 1920, o cardeal Arcoverde, então arcebispo do Rio, procurava marcar presença na cidade. O presidente Epitácio Pessoa era ateu e foi convertido pouco antes de chegar ao poder, em 1919. Ele incluiu na celebração pelos 100 anos da independência, em 1922, a autorização para a construção do Cristo — explica o historiador Milton Teixeira.

Mais do que um símbolo religioso, a obra também marcava uma guinada para o futuro. A metrópole com pouco mais de um milhão de habitantes ganhava arranha-céus e construções em estilo art déco. Zeppelins vinham da Europa sobrevoar o litoral brasileiro, e o rádio, grande novidade, lançava estrelas como Carmen Miranda, então com 22 anos.

Engenheiros e operários comemoram a colocação da cabeça da estátua no Corcovado – Acervo AGCRJ

CAMPANHA POR DOAÇÕES

O projeto do Cristo fora escolhido em 1921, e seria pago com doações à Igreja. O GLOBO, criado em 1925, entrou na campanha pelo monumento e, diariamente, divulgava os valores recebidos na redação do jornal. Ao final dos cinco anos de obras, o Cristo custou 2,5 mil contos de réis — bem menos do que a Estátua da Liberdade, concluída 45 anos antes com 60 mil contos de réis.

Antes de começar a tocar a obra, Silva Costa encomendou ao escultor francês Paul Landowski os moldes para as mãos e os pés da estátua. A colaboração do estrangeiro estaria por trás da crença popular de que o Cristo fora um presente dos franceses. Em 2011, a família de Landowski entrou com um processo reivindicando a autoria da estátua, mas a Arquidiocese do Rio possui o documento em que Silva Costa cede todos os direitos do Cristo à entidade — conforme O GLOBO revelou no caderno especial pelos 80 anos da imagem.

Outro estrangeiro que contribuiu para a construção foi o italiano Heitor Levy, que se firmou como um dos maiores engenheiros de templos católicos no Brasil, apesar de ser judeu quando chegou. Levy, que foi o mestre de obras, morou no Corcovado durante os cinco anos de trabalho.

— Ele se converteu ao catolicismo lá em cima. Escreveu a árvore genealógica da família, colocou dentro de uma garrafinha e pôs dentro do coração da imagem — conta o bisneto de Levy, Eloy D’Ecanio.

Naquele 12 de outubro de 1931, O GLOBO teve três edições que contavam o passo a passo da inauguração. Aviões do Exército circundavam o monumento, enquanto milhares de fiéis subiam o Corcovado a pé ou de trem. A cerimônia contou com a presença do então chefe do governo provisório, Getúlio Vargas, que era ateu, mas apoiou a obra.

Cristo Redentor – Agência O Globo

Quase oito décadas depois, em 2007, o monumento foi eleito uma das novas sete maravilhas do mundo moderno. No ano seguinte, o Cristo passou a receber iluminação colorida para marcar campanhas e datas especiais. O calendário de cores, aliás, já está preenchido até o fim do ano. A estátua, de 30 metros e 635 quilos, é o maior santuário a céu aberto do mundo e o monumento mais visitado do país. Em 2013, na Jornada Mundial da Juventude, o Cristo recebeu cerca de 500 mil pessoas e ficou aberto por 24 horas durante 10 dias. No ano que vem, a arquidiocese planeja inaugurar o Museu do Cristo.

— Ele vai contar a verdadeira história do Cristo e da fé do povo brasileiro.— diz o reitor do santuário, Padre Omar. — O Cristo é o lugar onde convergem a fé, o turismo, a cultura e a natureza do Rio. É o camarote da cidade.

O berço do automobilismo

Circuito da Gávea – Arquivo

Era o tempo do bonde. Voar de avião ainda não era algo tão comum, Getúlio Vargas havia assumido o poder em 1930, e o Rio era a capital da República. O Maracanã ainda não existia, e o futebol brasileiro não era campeão mundial. Mas o automobilismo já dava os primeiros passos no Brasil num evento que mobilizava a cidade: o GP internacional do Circuito da Gávea, uma bem-sucedida promoção do GLOBO. Sem exagero, pode-se afirmar que o circuito, realizado entre as décadas de 30 e 50, foi o berço do automobilismo na América do Sul, que resultou nos campeões Juan Manuel Fangio, Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna.

O evento mobilizava a cidade, trazendo alguns dos melhores pilotos do mundo, como Juan Manuel Fangio, Carlo Pintacuda, Hans Stuck e Chico Landi, pioneiro brasileiro na Fórmula-1. O Circuito da Gávea, disputado entre 1933 e 1953, exceto entre 1942 e 1946, por causa da Segunda Guerra Mundial, chegava a atrair um público de 300 mil pessoas, incluindo turistas brasileiros e estrangeiros, que se exprimiam à beira das ruas da Gávea, da atual Rocinha, do Leblon e de São Conrado, que compunham o circuito de paralelepípedo e asfalto. Foram 16 GPs da Gávea (13 internacionais).

— O GLOBO foi um dos incentivadores das corridas na Gávea. O doutor Roberto Marinho (morto em 2003) gostava de provas de velocidade e chegou a correr 1km de arrancada na Rodovia Rio-Petrópolis, em 1932, pilotando um carro Voisin — conta o advogado e pesquisador Paulo Scali, de 63 anos, autor da obra Circuito da Gávea e de mais quatro livros sobre automobilismo. — O GLOBO participou das provas na Gávea, da primeira à última. O jornal incentivava o evento. O doutor Roberto foi um dos que colaboraram para que fosse construído o circuito, e o jornal, em sua campanha junto a personalidades da época, para pedir apoio, mostrava as belezas da cidade

CHICO LANDI FOI TRICAMPEÃO

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Hoje, o Rio não tem mais autódromo. Como o circuito de Jacarepaguá foi sacrificado em função das obras do Parque Olímpico, toda essa história parece distante. Para Scali, porém, não se poderia falar em F-1 no país e na América do Sul não fossem as retas e curvas da Gávea:

— O Circuito da Gávea foi muito importante, e fora do Brasil, todos falavam dele. Correr ali servia para dar um atestado de categoria ao piloto. A Gávea tinha subidas, descidas, paralelepípedo, asfalto, canal, trilho de bonde, vários tipos de pista. Era um circuito de referência — analisa. — O automobilismo do Brasil e da América do Sul nasceu no Circuito da Gávea. Acabou porque a cidade foi crescendo demais a partir da segunda metade dos anos 50.

Grandes ases das pistas e personagens históricos, além de marcas como Ferrari, Alfa Romeo, Maseratti, Porsche e Auto Union, coloriam os olhares de quem assistia às provas.

— Chico Landi foi tricampeão na Gávea (1941, 1947, 1948, sempre com um Alfa Romeo), Teffé ganhou duas vezes (1933 e 1938), Carlo Pintacuda (1937 e 1938), além de outros grandes nomes que se tornariam campeões da F-1 no futuro, mas correram na Gávea, como Giuseppe Farina (primeiro campeão da F-1, em 1950), Alberto Ascari (bi da F-1 em 1952 e 1953) e Fangio (pentacampeão de F-1) — conta Scali. — Em 1937, dois anos antes da Guerra, os nazistas mandaram ao Rio o seu modelo Auto Union (atual Audi), com Hans Stuck, que ficou em segundo, perdendo para Pintacuda.

O italiano Pintacuda, por sinal, virou personagem de marchinha de carnaval, que dizia: “Sou mo-mole pra fa-falar, mas sou Pintacuda pra beijar” (”Marcha do Gago” de Klécius Caldas).

— Outro personagem era Hellé-Nice, uma piloto francesa bonita e liberada a ponto de ir à praia com um maiô de duas peças, algo inimaginável naquele tempo. Em 1936, correu no Rio com um Alfa Romeo. Ela preencheu o imaginário masculino — diz Scali.

A criação da pista, com apoio do GLOBO, foi iniciativa do barão Manuel de Teffé, diplomata e aficcionado por automobilismo, campeão na Gávea em 1933 e de 1939, e de Carlos Guinle, do Automóvel Club do Brasil A maior parte da pista era de paralelepípedos, exceto na Rua Visconde de Albuquerque, no Leblon, que era asfaltada. A média de velocidade era de 70km/h, levando-se em conta exatamente uma subida na altura onde hoje é a Rocinha. Mas em retas os carros já chegavam aos 280km/h.

— A largada era na altura do 240 da Marquês de São Vicente. Eram normalmente 25 a 30 voltas. E um os maiores eventos do Rio — afirma Scali.

Ensino de qualidade, um sonho não realizado

  Anísio Teixeira , um dos maiores educadores do país, foi um dos defensores de maior investimento na educação pública – Arquivo

Um ensino público de qualidade, abrangente e com valorização de professores é o sonho antigo no país. As demandas atuais, constantemente na origem de manifestações de professores e alunos, vêm, pelo menos, do início do século passado. No dia 28 de março de 1932, O GLOBO publicou uma matéria sobre o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova no Brasil”, assinado por intelectuais como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Roquete Pinto e Cecília Meirelles. Dirigido ao povo e ao governo, o documento destacava a importância de se resolver os problemas do ensino no país e elencava necessidades que, quase um século depois, ainda aparecem como metas do Plano Nacional da Educação (PNE), abraçado por entidades civis e sancionado pelo Palácio do Planalto no ano passado.

“Na hierarchia dos problemas nacionaes, nenhum sobreleva em importancia e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caracter economico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrucção nacional”, disse o manifesto, logo em suas primeiras linhas, exatamente como reproduzido no jornal da época. Em seguida, o texto faz uma crítica: “Se depois de 43 annos de regimen republicano, se der um balanço ao estado actual da educação pública no Brasil, se verificará que (…) não lograram ainda crear um systema de organisação escolar a altura das necessidades modernas e das necessidades do paiz”. Ainda segundo o manifesto de 83 anos, a “situação actual”, após reformas parciais e lançadas “sem visão global do problema”, deixava a impressão de construções “em ruínas ou abandonadas”.

O documento expressa a necessidade de dar aos professores “formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores.” A antiga demanda, porém, continua não atendida, quase um século depois. Pesquisas recentes mostram o desinteresse dos jovens pela carreira de professor, enquanto docentes em todo o país se queixam de sobrecarga, remuneração baixa e falta de condições para dar aula. Segundo uma das 20 metas estabelecidas pelo PNE, até junho deste ano o Brasil deveria ter 100% dos professores do ciclo básico com ensino superior completo. Em 2013, quando foi feito o último Censo da Educação Básica, apenas 74,8% dos docentes tinham terceiro grau. De acordo com outro horizonte do plano, em 2024, todos os professores do ensino básico devem ter rendimento médio equiparado aos demais profissionais com o mesmo nível de escolaridade. Em 2013, só 57,3% tinham essa garantia.

Cecília Meireles: defesa do ensino – Arquivo

Ao voltar os olhos para o passado e vislumbrar as demandas dos educadores que confeccionaram o Manifesto pela Educação Nova, especialistas na área acham que o Brasil perdeu o bonde da história. O motivo pelo qual isso aconteceu, na visão deles, é simples: o país nunca teve a educação como prioridade.

– O manifesto é de 1932 e, de lá para cá, os problemas continuam os mesmos, sem solução . Provavelmente, daqui a 50 anos também serão os mesmos. Com toda certeza, a educação ainda não é o objetivo de primeira ordem da autoridades do governo de modo geral – comenta o educador e escritor Arnaldo Niskier.

O ensino integral, outro desejo dos 26 intelectuais que assinaram o Manifesto em 1932, é um gargalo até hoje. Tanto que própria meta do PNE estipula que 25% dos alunos da rede pública devem estar estudando em tempo integral até 2024. Uma porcentagem maior do que essa poderia fazer do alvo um sonho impossível, já que, em 2013, apenas 12% das matrículas estavam incluídas nessa realidade. A tão sonhada universalização do ensino para todos os brasileiros em idade escolar, reivindicada tanto na carta de 1932 quanto no novo plano nacional, é mais uma dificuldade. Segundo dados oficiais, 2,9 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos ainda estão fora das salas de aula.

Arnaldo Niskier é cético em relação às propostas atuais para reverter tudo isso. Para ele, em comparação com o manifesto, o PNE tem pouca credibilidade. O educador faz muitas críticas ao projeto de Pátria Educadora, conjunto de medidas ainda em estudo, mas com o qual o governo federal pretende transformar o ensino nacional. Uma das ideias em discussão é fazer intervenções em redes municipais com mau desempenho em avaliações escolares:

– O manifesto foi assinado por educadores aclamados, o Plano Nacional é produto de anônimos, destinado ao fracasso, porque antes dele deveria existir uma política educacional. Já as 29 laudas da Pátria Educadora representam uma piada de mau gosto, não tem nada que se aproveite. Não tem nada a ver com a realidade, prevê uma mudança substancial e novas despesas num momento em que o Ministério da Educação precisa de dinheiro para pagar os compromissos que já assumiu, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)

O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, batalhou, junto com outros membros da sociedade civil, pela aprovação do PNE no Congresso, ano passado. Ele diz que, apesar de cada documento ser fruto da sua época, as demandas parecidas revelam o atraso do Brasil no debate educacional. De acordo com ele, na época, o país perdeu a oportunidade de acompanhar um movimento internacional de valorização da educação:

– O manifesto tem muitos méritos, mas é fruto de uma época, naquele momento não existia a possibilidade de construção de um documento que envolvesse todos os setores sociais, como o PNE. Ainda assim, é um documento avançado que o Brasil não teve a capacidade de tirar do papel. A gente perdeu o bonde da história, porque a educação nunca foi prioridade no país. Outras nações, que na época tinham documentos até menos avançados, conseguiram implementar a agenda da educação pública de qualidade. Nós, não.

Presidente da Associação Brasileira de Educação (ABE), a qual pertenciam muitos dos signatários do documento, João Pessoa de Albuquerque acredita que o problema extrapola as fronteiras do poder público. Não valorizar a questão é, na opinião dele, um problema cultural da sociedade como um todo:

– A força cultural é tão forte que muitas vezes leva um país a não dar prioridade à educação. Desde 1500 nunca colocamos ela em primeiro lugar. Hoje temos deficiências educacionais, como a desvalorização dos professores, que foram enfatizadas no manifesto e continuamos com elas porque faz parte da cultura não dar à educação a atenção que ela merece. A grande marca do manifesto era exatamente a universalização do ensino, a escola nova é uma escola que deveria abrir suas portas para todas as classes socioeconômicas e isso infelizmente ainda não aconteceu.

O tempo real na Guerra Civil Espanhola

  • Milicianos enfrentam as tropas de Francisco Franco, em ToledoFoto: Reprodução

  • Republicanos desfilam por MadriFoto: Reprodução

  • Prédio destruído em Madri. O Arquivo Público Espanhol guarda registros da épocaFoto: Reprodução

  • Busca nos escombros de um bairro em Madri. O movimento Nacional ganhou apoio da Alemanha, de…Foto: Reprodução

  • A Estação Norte, em Madri, após ataque. O movimento Nacional ganhou apoio da Alemanha, de Hitler, e…Foto: Reprodução

  • Mãe e filha nas ruínas de sua casa, totalmente destruída por bombardeio, em MadriFoto: Reprodução

  • Duas jovens republicanas comemoram a vitória em um combate, em MadriFoto: Reprodução

  • Homem se desespera ao perceber que perdeu a família num bombardeio em MadriFoto: Reprodução

  • O corpo de um soldado franquista abandonado em uma rua da capital espanholaFoto: Reprodução

  • Crianças se protegem de um bombardeio no metrô de Madri Foto: Reprodução

O rádio ainda estava se expandindo pelo país, e o mundo da hiperconectividade da internet era um sonho distante. Mas nem por isso os leitores do GLOBO deixavam de estar bem informados, com atualizações constantes ao longo do dia. Na segunda metade da década de 1930, quando a Guerra Civil Espanhola (1936-39) arrebatou manchetes mundo afora, a imprensa estava a todo vapor. O GLOBO imprimia até oito edições por dia, entre 11h e 19h, de acordo com a importância dos acontecimentos. Era o tempo real da época.

Os 11 anos que separam a primeira publicação do jornal, em 27 de julho de 1925, e o começo do conflito espanhol foram marcados pelas turbulências do período entre guerras. Pelas páginas do jornal, o leitor acompanhou a ascensão do nazismo, a invasão japonesa na China, o ataque italiano à Etiópia. Até que o golpe militar do general Francisco Franco fez da Espanha um prelúdio sangrento da Segunda Guerra.

Naqueles anos, redação e gráfica ficavam no mesmo lugar, no Centro do Rio, e as primeiras páginas eram atualizadas para que o jornal fosse rapidamente distribuído nas ruas. Fábio Ponso, supervisor do Centro de Documentação e Informação do GLOBO, afirma que as sucessivas edições eram comuns. Foi assim em 10 de agosto de 1937: apenas três horas depois da primeira edição, uma terceira edição apresentava uma capa toda reformulada para mostrar a ofensiva das tropas de Franco contra os republicanos.

“A revolução avança!”, era a nova manchete do meio-dia. “Anunciam-se o bombardeio de Badajoz e a tomada de Santander e de outras localidades”, contava a capa do jornal, dominada pelos acontecimentos na Espanha, que suplantaram notícias sobre esportes da edição anterior.

INTERNACIONAL ERA DESTAQUE

Guerra Civil UERRA CIVIL ESPANHOLA CIDADE DE Guernica em 26 de abril de 1937, após três horas de bombardeio pela aviação de Hitler – Arquivo

No famoso bombardeio de Guernica, imortalizado por Pablo Picasso, as dificuldades de cobertura da guerra ficaram expressas na manchete de 29 de maio de 1937, quando a cidade basca foi arrasada por um ataque aéreo: “Fogo dos vermelhos ou bombas dos rebeldes?”, perguntava a manchete, diante da incerteza inicial sobre a autoria.

O jornal lembrava que informações conflitantes vinham da Espanha. Depois, ficou claro que o ataque à cidade foi feito pelas aviações alemã e italiana, enviadas por Hitler e Mussolini, aliados de Franco. O GLOBO acompanhou com destaque o conflito, que deixou um rastro estimado de meio milhão de mortos. Pelas páginas do diário, o leitor pôde seguir de perto o desenrolar da guerra, numa época em que jornais e rádios eram os principais meios de comunicação. Doutor em História da Imprensa, João Batista de Abreu Junior lembra que o noticiário internacional tinha grande destaque na época.

— Nas décadas de 20, 30 e 40, era considerado de bom tom na grande imprensa destacar na primeira página o noticiário internacional. Manchetes nacionais só em grandes momentos, seja de crise, morte de grandes personalidades ou tragédia — afirma.

As notícias, explica, eram enviadas pelas agências internacionais por um cabo subaquático entre Lisboa e Recife. Na época, eram jornais, como O GLOBO, que pautavam os programas do rádio, ainda não tão disseminado no país.

— As notícias do jornal eram reescritas, lidas e comentadas no rádio.

Essencialmente, a guerra era travada pelas tropas de Franco, apoiadas pelos nazifascistas da Alemanha e da Itália, contra a Frente Popular de esquerda, ancorada principalmente em brigadas de voluntários de inspiração comunista e anarquista. Estimados 41 brasileiros se voluntariaram.

Prestes a fazer 80 anos, o conflito ainda deixa marcas na sociedade.

— As divisões estão diminuindo. Mas continuam presentes. Franquistas votam no Partido Popular, e a esquerda continua um pouco dividida — explica o historiador espanhol Martin Álvarez.

EC – Rio de Janeiro – RJ – 25/5/2015: Soldados da borracha recrutados no Nordeste brasileiro para trabalhar nos seringais da Amazônia.
 

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