Município sofre com falta de professores e médicos
Precaridade no transporte agrava evasão escolar em Japeri
Município tem nota 4.3 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)
Uma aula às avessas. Apesar de pagar um dos melhores salários aos professores no Rio de Janeiro, Japeri tem nota vermelha nas escolas dos seis bairros mais pobres do estado. Reflexo do dever de casa mal feito. São aulas a menos e evasão a mais, principalmente nos dois últimos anos do Ensino Fundamental, que, somados à falta de sistema pedagógico complementar — com laboratórios e oficinas —, escreveram a Educação de Japeri no ‘quadro negro’ do Ministério Público Federal.
E pode acrescer um empurrão extracurricular: o deficiente transporte público para os alunos acima de 12 anos — responsável por tornar ainda mais longo o percurso casa-escola-casa.
Um somatório de dificuldades e desestímulo vivido na pele por Vanessa Eduarda dos Santos. Aos 21 anos, abandonou a escola no fim de abril após trocar o Ciep 207 — um dos piores índices no Ideb — pelo Colégio Estadual Prefeito Luiz Guimarães, na vizinha Queimados.
Entrou na vida dela um complicador: a idade avançada para a matrícula diurna a empurrou para a noite. Foram dois meses tentando se adaptar à rotina de voltar das aulas às 22h, quando às 20h30 sai o último ônibus de Queimados para o bairro de Santo Antônio.
O desânimo para concluir o Ensino Médio, que algumas repetências já haviam prolongado além do habitual, abortou o sonho de Vanessa de ser enfermeira. “Não dava para, todo dia, andar seis, sete quilômetros. Ainda mais à noite. Estava muito complicado”.
A jovem pensa, mais à frente, retomar os estudos. “Sei que é fundamental para conseguir um bom emprego. Quem sabe o ônibus não prolongue o horário?”.
Vanessa é mais do que um exemplo na Educação de Japeri. Ela replica a realidade da vida educacional dos bairros mais pobres do Rio. Os índices do governo mostram que o número de alunos que deixam as salas nos últimos dois anos do Ensino Fundamental é de 66% nessas localidades. Pior: apenas 19% completam o Ensino Médio até os 20 anos.
Quanto mais na periferia, piores os dados. Na primeira avaliação, alunos da Escola de Santo Amélia — no bolsão de carência de serviços — obtiveram a preocupante pontuação de 2.7. Outra que teve avaliação ruim foi a Escola Municipal Rio D’Ouro (bairro Rio D’ Ouro) com 3.7, quando a meta era 4.0.
Para quem está do outro lado do quadro, os professores, o transporte precário também é um vilão. Os salários atrativos — de R$ 2.041,34, para turmas do primeiro ao quinto ano do Fundamental, a R$ 2.250,57 do sexto ao nono — não garantem a permanência dos profissionais na cidade.
De acordo com a diretora da Escola Municipal Santo Antônio, Andreia de Fátima, os professores pedem exoneração, principalmente quando têm outra matrícula. “Até gostam da escola, mas não continuam porque não dá para conciliar horário. Já perdemos três por conta disso”, admite ela.
Professora de Geografia na Escola Municipal Rio D’Ouro, Bruna Uchoa, 24 anos, dá aulas também em Queimados. Por isso, mesmo morando no Méier, não desistiu de lecionar no local. “Acordo de madrugada e pego o trem. Quando tem problemas, o que não é difícil, chego atrasada”, disse.
Alunos têm que atravessar ponte a pé
A deficiência na Educação vai além dos seis bairros com pior índice de IDH. Em Nova Belém, o simples ir e vir à escola é tarefa mais difícil do que qualquer prova. No meio do caminho tem uma ponte… literalmente! Cerca de 200 estudantes optaram por estudar em Seropédica, cidade vizinha, mesmo que tenham que gastar mais sola do sapato.
O sacrifício é válido, já que os números mais recentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) apontam Seropédica com nota 4.7, à frente de Japeri, com 4.3. Enquanto nesta o ensino integral é privilégio de poucos, na cidade vizinha, além da grade regular, alunos têm aulas extras de inglês, ensino religioso e artes cênicas.
Após uma briga política entre as prefeituras, há um ano, o ônibus escolar (foto do alto) não ultrapassa mais o limite dos municípios, antes da ponte sobre o Rio Guandu. Desde então, os estudantes andam quase dois quilômetros até o ponto.
A parte mais perigosa é a hora de atravessar a ponte. Há crianças que vão sozinhas. Quando os caminhões trafegam por lá, ela chega a tremer. Um perigo! “Meu filho estudou até os 8 anos em Nova Belém (Japeri) e não sabia nem as vogais. Agora, já lê, escreve e faz contas”, comemora Lilian dos Santos, de 28 anos.
A falta de segurança é outro problema para alunos e pais. Não há policiamento. “Já tentaram assaltar minha esposa e, por sorte, ela conseguiu fugir. Agora, eu trago as crianças”, diz o motorista Leandro Pereira Monteiro, 38.
Depois da ponte, após alguns metros, está lá o esperado ponto de ônibus. De lá, os alunos partem, enfim, em direção às escolas municipais Paulo de Assis Ribeiro e Nossa Senhora de Nazareth, a cerca de quatro e oito quilômetros, respectivamente.
A Prefeitura de Japeri alega que não há restrição ao ônibus escolar ir até a cidade e que o fato é corriqueiro em região de divisa. A de Seropédica não se pronunciou.
Um médico para cada 980 moradores
O diagnóstico mostra que Japeri também vai mal das pernas na Saúde: não há maternidade e nem hospital de emergência; somente uma policlínica. Nos bairros mais pobres e afastados do Centro, médicos só chegam a conta gotas e obrigam os moradores a uma dura rotina: na última semana de cada mês, antes de o sol nascer, há uma romaria nos arredores dos poucos postos de saúde à espera da distribuição das senhas. Valem para os atendimentos do mês seguinte. É a única chance de tratamento.
O número de profissionais por habitante recomenda paciência: enquanto no Brasil a média é de um médico por 622 pessoas e, no Rio, de um por 302, em Japeri há apenas um por 980 moradores. A prefeitura pediu reforço ao Ministério da Saúde para trazer mão de obra de fora, recebeu seis estrangeiros — cinco cubanos, entre eles Ivelis Delgado (foto), e uma holandesa — e tenta outros cinco.
A carência levou os moradores dos bairros de Jardim Aljezur, Santo Antônio e Rio D’Ouro a adotar um jeitinho bem brasileiro: atravessam os limites da cidade para se consultar no posto de Nova Iguaçu. É tanta gente cruzando a ‘fronteira’, que a estimativa da unidade é que 80% dos pacientes são ‘estrangeiros’.
Todos sempre atendidos pela única médica da região. Praticamente uma voluntária em tempo integral, desde que se aposentou, Maria Helena de Araújo se mudou para um sítio vizinho aos bairros e foi atender no posto.
Foi a sorte grande dos moradores, que não têm posto de saúde. O que tinha foi fechado e só funcionava às quintas-feiras.
Mas a Prefeitura de Nova Iguaçu, desde o mês passado, endurece: passou a cobrar a conta de luz nos atendimentos para comprovar a residência. Problema para a dona F., 68 anos, que perdeu a oportunidade de fazer os exames de sangue tão necessários para seguir o tratamento de hipertensão.
A falta de atendimento reflete também nas grávidas da cidade. Hoje, não nascem mais japerienses. As gestantes até fazem o pré-natal nos postos de saúde locais, mas, na hora de ter a criança, são encaminhadas para a Maternidade Mariana Bulhões, em Nova Iguaçu, ou para o Hospital da Mulher, em São João de Meriti.
Para se ter uma ideia, dos 5.171 partos realizados na Mariana Bulhões no ano passado, 339 foram de Japeri, 6,55% do total. A prefeitura deu um prazo de um ano para a construção da maternidade pública. O tempo não será, porém, suficiente para a filha da estudante Thainá Ferreira, 19 anos, grávida de oito meses, nascer na própria cidade.
Fonte: O Dia