Wellington de Melo lança poema sobre seu filho
A criação ficcional é fascinante, mas existe uma força que se reflete na linguagem que parece existir apenar naquilo que se espelha numa experiência. É por esse segundo caminho, o da beleza e impacto da sinceridade poética que se constrói o novo livro de poesia do escritor e professor pernambucano Wellington de Melo, também gestor da pasta de literatura da Secretaria Estadual de Cultura. Em O caçador de mariposas (Mariposa Cartonera, 38 páginas, R$ 10), ele trata com delicadeza e invenção, ao mesmo tempo, sobre um tema extremamente pessoal: a relação com seu filho autista, o caçador do título. O lançamento da obra é nesta quarta (7/8), na Casa do Cachorro Preto (Rua 13 de maio, 99, Cidade Alta), a partir das 19h30, com leitura de Cida Pedrosa e do próprio autor. Na entrevista abaixo, Wellington conta da decisão de mergulhar na temática e dos recursos que utilizou nesse processo
JORNAL DO COMMERCIO – Como foi a decisão de escrever sobre seu filho e o autismo? Era um projeto? Foi um processo difícil?
WELLINGTON DE MELO – Foi muito duro, mas em algum momento percebi que era algo que precisava fazer. Lembro de uma cena do filme Menina de ouro, quando o treinador Frankie Dunn diz que no boxe é tudo às avessas. Na literatura também: o mais comum é que as pessoas fujam da dor, mas parece que precisamos (os escritores) ir de encontro a ela para que nos esmurre e que nos conheçamos melhor. A decisão por escrever o livro é um pouco isso, porque significava mergulhar em medos dos quais me escondia.
A ideia do livro surgiu realmente naquela noite de São João de que falo na nota introdutória. Sempre quis escrever algo para meu filho (o peso do medo é dedicado a ele), mas sempre era algo periférico, nunca tinha decidido lidar com tudo através da poesia. Foi preciso me esvaziar e preencher de dor durante o processo de aproximação poética do tema.
JC – O poema tem uma visão muito bonita da observação do seu filho. Queria saber se houve algum dificuldade em arranjar um tom e uma forma que fizessem justiça ao tema e ao sentimento retratado?
WELLINGTON – Não lembro como surgiu a voz d’O caçador de mariposas, mas no processo de escrita havia a todo momento uma preocupação de modular as duas vozes presentes no poema, diferenciá-las não só na sintaxe, mas na poética que encerram. A linguagem é muito simples no livro todo, há uma negação de qualquer grandiloquência que poderia incitar a escrita de um poema longo. Isso porque esse poema é um exercício de silêncio. Talvez esse seja o tom que eu buscava.
JC – Acho forte a síntese do seu filho como uma pessoa que sempre vai ter um sorriso. Ao mesmo tempo, é simbólica a forma que você arranja para ele se expressar. Como foi criar (e expressar) um silêncio na literatura?
WELLINGTON – A mistura das letras faz com que uma leitura em voz alta, preservando a ordem das letras, torne a leitura ininteligível. Mas como a primeira e a última letras estão sempre corretas, lê-se mentalmente cada palavra como deve ser. Mas fica o estranhamento no leitor ao passar pelos versos em que a voz do caçador de mariposas aparece. Outra marca tipográfica utilizada foi o avanço com relação à margem: as vozes do pai e do filho nunca se encontram, já que os versos do filho estão sempre avançados com relação à margem e os do pai alinhados à esquerda. Nos dois últimos cantos do poema há uma inversão de posições, mas não um encontro: o livro não se pretende uma redenção, preserva-se o abismo de silêncio, mas finalmente há a compreensão dos universos de cada um. No final, o tema da incomunicabilidade, que figura em minha obra em outros textos, está presente n’O caçador de mariposas de forma marcante.( Ne10)