Ano fechará com mais de 10 milhões de pessoas sem emprego

Trabalhadores que, até bem pouco tempo, tiravam proveito dos benefícios da carteira assinada agora lutam, na informalidade, para não deixar faltar comida em casa

desempregados
Thiago e Pâmela já deixaram de comer para não faltar comida para os filhos
O desemprego está roubando o sonho das famílias e, pior, jogando fora a dignidade de trabalhadores que, nos últimos anos, puderam, com o emprego formal, satisfazer muitas das necessidades de consumo comuns a qualquer mortal. Sem dinheiro para abastecer a despensa de casa e sem perspectiva de voltarem a ter carteira assinada, que garante uma série de benefícios, a opção tem sido mergulhar na informalidade, sujeitando-se a todo tipo de adversidades, inclusive a violência.

Demitida em fevereiro de um salão de beleza, onde trabalhava como recepcionista, Pâmela Magalhães Costa, 28 anos, tentou o quanto pôde se recolocar no mercado. Bateu em muitas portas, mas nenhuma lhe foi aberta. A opção que lhe restou foi vender panos de pratos nas ruas. Ou era isso, ou as três filhas ficariam sem ter o que comer. Os ganhos do marido, Thiago Alves Thomaz, 24, que é ambulante, não eram suficientes para bancar todas as despesas de casa.

Pâmela conta que, como recepcionista, ganhava R$ 1 mil por mês. Mas a estabilidade que acreditava ter no emprego e a renda do marido, também próxima de R$ 1mil, permitia a família fazer planos. O mais imediato deles, comprar um carro. Mas a demissão, que chegou de forma inesperada, enterrou qualquer chance de melhora de vida. Agora, dependendo das ruas, a ex-recepcionista reza todos os dias para ter o básico que uma pessoa de bem pode ter. “Meu maior medo é chegar em casa e não ter o que dar de comer as minhas filhas. Eu e meu marido já deixamos de comer para não faltar nada a elas”, diz.

As memórias da perda do emprego ainda estão frescas na mente de Pâmela. “Quando fui desligada, não sabia o que dizer em casa”, ressalta ela, que cancelou o curso de inglês e, agora, luta para garantir o dinheiro suficiente para o aluguel, de R$ 650. “Para mim, a perda do emprego também significou a perda da estabilidade de um teto. Se não pagamos o aluguel, não teremos onde morar.”

Assim como Pâmela, um exército de brasileiros foi despejado na informalidade desde o início deste ano, devido aos erros cometidos pelo governo na condução da política econômica. Para esconder a dura realidade que se impunha e garantir um segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff estraçalhou as contas públicas e deixou a inflação correr solta. O resultado foi uma onda de desconfiança que varreu o país, derrubou a produção, levou empresas a fecharem as portas e destruiu o emprego de milhares de pessoas. Desde 2004, não se vê tanta gente sobrevivendo de bico para não passar fome.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a quantidade de informais aumentou 2,2% em todo o país somente em agosto. Em regiões metropolitanas como as de Belo Horizonte e de Recife, o salto foi de 6,9% e 13,2%, respectivamente. Os números, no entanto, pouco refletem o drama de atuar sem registro. “Saímos para a rua sem a garantia de que vamos vender algo. Já perdi as contas de quantas vezes cheguei chorando em casa, envergonhado, me sentindo um lixo por não ter dinheiro para comprar um quilo de arroz que fosse”, conta Thomaz, o marido de Pâmela. Não é só. A ex-recepcionista, ao abordar as pessoas nas ruas, tem de lidar com a humilhação. “É comum ouvir um: ah, vá trabalhar. Como se eu estivesse mendigando. Não estou nessa situação humilhante porque quero”, lamenta ela.

Frustração
A pouco mais de um quilômetro do Palácio do Planalto, aos gritos, Renata Moura, 42 anos, tenta ganhar a clientela. Todos os dias, desde o início do ano, a rotina é mesma. Ela monta uma mesinha na rua, na qual expõe aquários e roupas para cachorro que ela mesmo fabrica. “É um luta diária pela sobrevivência”, diz. “Mas ou é essa luta ou é a falta de tudo em casa.” A qualidade de vida de Renata vem se deteriorando nos últimos três anos, desde que o marido, Nelson Aleixo, 36, perdeu o emprego de vigilante.

Num primeiro momento, Aleixo conseguiu sustentar a casa sozinho, mesmo vivendo da informalidade. O combinado era que de Renata só cuidasse das três filhas. Mas, como a economia entrando em recessão, os bicos já não rendiam o suficiente para o sustento da família. Ciente das dificuldades, Renata saiu à procura de um emprego com carteira assinada. Queria recuperar o que tinha perdido com a demissão do marido: plano de saúde para ela e as filhas e tíquete-alimentação.

A frustração foi geral. “Distribuí dezenas de currículos, mas não consegui nenhuma oportunidade”, conta Renata. A solução foi se juntar ao marido na venda de produtos pelas ruas. Contudo, a batalha diária tem sido um paliativo. “Apenas tem amenizado o aperto nas contas”, relata ela. Endividado, o casal devolveu, neste ano, o carro comprado em 2014, após ter pago apenas três prestações. A viagem que a família faria para Caldas Novas (GO), no Dia das Crianças, foi cancelada.

“Já havíamos fechado o pacote, de R$ 800. Mas não podemos nos dar mais a esse luxo”, lamenta Aleixo. O marido de Renata relata que a situação financeira está tão difícil, que a família abriu mão de dormir com o ventilador ligado durante a noite e tem regulado até o banho. “Lavo as três meninas ao mesmo tempo para economizar água. E é só um banho por dia para todos, porque a conta de luz ficou cara demais”, diz a mulher. “Estamos controlando os centavos”, admite.

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