Cristina Iglesias leva sua vegetação fictícia à Casa França-Brasil
A artista espanhola Cristina Iglesias entra em uma de suas instalações na Casa França-Brasil e pede:
— Olhe para as palmeiras, olhe para o céu, ouça o som dos ônibus, escute a cidade.
Conhecida por esculturas que dialogam com o contexto em que estão inseridas, a artista instalou, no pátio da Casa França-Brasil, a chamada “Habitação dos abraços” (2005), um cubo aberto no teto, coberto de vidro esverdeado por fora e revestido, por dentro, com o que Cristina chama de “vegetação inventada” — algo que já se tornou sua marca, espécie de assinatura da espanhola.
Feita em pó de bronze e resina, a floresta fictícia da artista corre pelas paredes da instalação a céu aberto, forra dois poços cheios d’água dentro da instituição e invade o cofre da Casa França-Brasil, para a exposição “Lugar de reflexão”, que será aberta nesta terça, às 19h, para convidados.
As nove obras reunidas foram parte da retrospectiva que o Museu Reina Sofía, em Madri, dedicou a ela no início deste ano. É a primeira vez que a espanhola, uma das mais conceituadas artistas contemporâneas de seu país, expõe no Rio — mas não no Brasil: ela já teve mostra na Pinacoteca de São Paulo, em 2008, criou um cubo de espelhos na floresta para Inhotim, em 2010, e participou de coletiva na Casa de Vidro, em São Paulo, em 2012.
Os endereços das exposições são cruciais, já que seu trabalho se relaciona com o entorno. Assim, ela criou uma obra escultórica marcante desde os anos 1980 ao propor percursos físicos e mentais ao espectador por meio de labirintos que evocam natureza e arquitetura em composições que ela mesma define como “impossíveis”.
— Como a Casa França-Brasil é um lugar com uma memória e uma presença arquitetônica muito fortes, escolhemos trabalhos cujo conjunto desenhe, digamos, todas as pautas da minha linguagem e que, ao mesmo tempo, sintetizem isso e ainda possam viver de forma independente — explica ela, enquanto percorre a peça central, “História natural e moral das Índias (Santa Fé 1 e 2)”.
Trata-se de uma série de paredes vazadas. Através delas, vê-se o outro lado e, com elas, Cristina escreve um trecho de um livro do século XVII, em que um padre relata o que viu e especula sobre o que poderá ser descoberto “nesse país maravilhoso, com tanto sol e frutas que, então, não se conhecia na Europa”, nas palavras dela.
— A experiência de caminhar e estar dentro das peças é uma das preocupações do trabalho, uma das minhas pesquisas e reflexões. E quando falo em “reflexão”, penso no duplo sentido: o lugar em que se pensa e também o lugar que reflete — diz. — Trata-se de criar um lugar e também um passeio, uma viagem.
De “História natural…”, o espectador chega ao que Cristina define como “praça”: lá está um poço, revestido outra vez por sua vegetação inventada, pelo qual corre água, ora rapidamente, ora em ritmo lento (“Trabalho aqui a questão da passagem do tempo”, diz). No cofre da Casa França-Brasil, a vegetação inventada pela artista “invade”, outra vez, as paredes (“De novo, uso a imagem da parede, que revela e ao mesmo tempo esconde uma vegetação que parece continuar indefinidamente”, resume).
Há, nas salas laterais da instituição, obras antigas da artista, que despontou nos anos 1990 e tem trabalhos em prestigiadas coleções, como as do Guggenheim, do Pompidou e da Tate. Nas peças mais antigas, a possibilidade de “adentrar” nas peças é menor — elas são mais fechadas, como no trecho de concreto que parece descolar-se da parede na obra sem título da série “Muro XVIII” (1992). Ainda assim, Cristina já mostrava que a experiência física do espectador no espaço seria, a ela, sempre muito cara:
— Me interessa ativar o olhar do espectador. Busco uma experiência física que está obviamente relacionada com a mental, mas que te afeta. Algo que parece uma coisa e é outra. Trabalho o real e a aparência, e me interessa a percepção como um filtro que faz com que sintamos isso ou aquilo. (O Globo)