“É uma pessoa digna de pena”, diz médica vítima de injúria racial no interior da Bahia
Apesar de vítima dizer ter retirado queixa contra agressor, inquérito foi encaminhado à Justiça; pai de suspeito entregou carta com desculpas
A médica mineira Iara Clementino Sanches, 26 anos, que foi vítima de injúria racial no último sábado, na cidade de Ipiaú, no Sul da Bahia, disse que não vai dar continuidade ao inquérito que apura o caso. Apesar de o documento já ter sido encaminhado à Justiça, nesta segunda-feira (7), Iara, que é clínica-geral, decidiu perdoar Alighiere Estevão Lima, que a chamou de “preta, feia, pobre e pequena” após colidir contra seu carro, na frente do hospital onde estava de plantão. Ele acabou preso em flagrante.
Segundo Iara, depois que o pai de Alighiere, José Raimundo Lima, reprovou a atitude do filho em sua página no Facebook e ter explicado que o agressor sofre com depressão e costuma ingerir bebida alcoólica fazendo uso de medicação, ela decidiu perdoa-lo.
Iara decidiu perdoar ofensor (Foto: Arquivo Pessoal) |
“O pai dele é uma pessoa excepcional, muito educada e mostrou-se indignada com o que filho fez. Além disso, ele (Alighiere) é uma pessoa digna de pena. Precisa fazer tratamentos e, por isso, eu, como médica, não podia seguir em frente”, declarou.
Iara disse que compareceu na manhã desta segunda à Delegacia de Ipiaú, onde formalizou sua decisão ao delegado Ivan Lessa. O documento foi anexado ao inquérito e caberá o parecer da Justiça. “Ele foi indiciado por injúria racial, dano ao patrimônio público e por conduzir veículo sob efeito de substância alcoólica”, explicou o delegado. Alighiere foi liberado após pagamento de fiança de dois salários mínimos.
Na delegacia, Iara encontrou José Raimundo. “Ele tornou a se desculpar, garantiu que vai pagar meu carro e me entregou uma carta assinada pelo filho com um pedido de desculpa”, disse a médica ao CORREIO.
Racismo
Natural de Virgolândia (MG), Iara formou-se em Medicina pela Universidade de Itaúna (MG) e há nove meses está na Bahia, onde trabalha no Hospital Geral de Jequié e na Unidade Básica de Saúde da mesma cidade. No sábado, ela trabalhou para um colega em um hospital particular em Ipiaú, onde ocorreu o incidente.
Iara disse que nunca tinha sofrido preconceito. “Não mexeu com a minha autoestima, mas pra mim foi uma surpresa, porque isso nunca aconteceu comigo. Tanto que pedi para ele repetir e ele repetiu”, relatou.
Para ela, o mais doloroso foi a reação da família. “Minha mãe ficou arrasada. Meu irmão chorou muito. Daí, tive a dimensão do que é o preconceito. Mas tudo isso me deixou uma pessoa mais sensata. Serviu de crescimento pessoal. Tem muita gente como ele (Alighiere), infelizmente”, comentou.
Apoio
Desde que expôs a situação em sua página do Facebook, no início da manhã de sábado, foram várias as manifestações, inclusive de desconhecidos. “Recebi muito apoio. Muitas mensagens chegaram no WhatsApp e no Facebook”, relatou.
Entre as mensagens que recebeu, Iara disse que amigos dela ficaram surpresos com o fato ter acontecido na Bahia. “O brasileiro é muito preconceituoso. É repugnante. Amigos meus (de fora do estado) logo questionaram: ‘Mas logo na Bahia, onde há mais negros?’. Não entenderam”, complementou.