A bizarra saga do único ‘Imperador’ dos EUA
Tentando colocar ordem e esbanjando arrogância, o líder da “monarquia estadunidense” movimentou multidões em palavras de protesto e esperança — mas nunca foi reconhecido
Nascido no Reino Unido em 4 de fevereiro de 1818, Joshua Abraham Norton jamais esperaria que seu patriotismo e necessidade de impor a ordem seria, justamente, em um país que não era o seu. Filho de um bem-sucedido empresário, o garoto passou boa parte da juventude na África do Sul, onde o pai fez fortuna e garantiu uma herança exorbitante quando faleceu, em 1848.
Apesar da oportunidade, Joshua não assumiu os negócios de imediato; preferiu realizar um intercâmbio comercial, visitando diversos países — incluindo o Brasil — com um notável poder de investimento e industrialização. O destino de sua herança, no entanto, seria na ‘terra do tio Sam’, com Joshua se mudando para a Califórnia.
Ao se instalar em solo estadunidense, em 1854, fez questão de colocar a grande parte de seu dinheiro em um golpe de especulação tendo o arroz como matéria de negociação. O projeto, entretanto, foi um fracasso, deixando o inglês com uma quantia ridiculamente menor do que a deixada pelo pai. Sem dinheiro, abriu um armazém em São Francisco, mas nunca se contentou com o status de “ex-rico”, longe do poder.
Diga ao povo que entro
Em setembro de 1859, Joshua entrou aos berros na redação do principal jornal da cidade, o San Francisco Bulletin, ordenando que todos os jornalistas presentes se preparassem para publicar suas medidas como “imperador dos Estados Unidos”. A reação dos funcionários também resultou em berros, causados pelas gargalhadas do cômico personagem; o inglês não apenas foi motivo de chacota, como foi expulso do prédio.
Uma folha, no entanto, contendo os principais ‘mandamentos’ do imperador, foi deixada na redação, chamando a atenção do editor-chefe. A piada interna era tão comentada que os responsáveis pelo jornal fizeram questão de publicar os mandamentos como se fossem reais.
A resposta da população, no entanto, surpreendeu, com diversos apoiadores. O jornal, por sua vez, passou a ser mais vendido, o que levou a uma cobertura ainda maior sobre a figura.
Autoproclamado ‘Norton I’, o homem também acrescentou o título de protetor do México e angariou apoiadores ao discurso que, mesmo visto com ironia e sátira, apresentava um fundo de representatividade, visto que o estado da Califórnia naquela altura ainda era pouco amparado pelo governo federal. Joshua acabou se tornando um voto de protesto, com uma fictícia cerimônia de posse repleta de importantes figuras locais.
A rotina do imperador
Com um bonito uniforme azul fornecido por agentes carcerários, o homem tinha habito de verificar ruas e bondes da cidade para inspecionar serviços públicos — mesmo sem ter autonomia para qualquer decisão. A figura de “xerife do consumidor” verificava se o trabalho dos garis e maquinistas eram feitos corretamente, além de visitar todas as igrejas da região para articular melhorias. Mesmo sem poder, conquistou certa admiração e até seguidores, chegando a ter mesa reservada em quase todos os restaurantes da cidade.
Sua relação com o real governo, no entanto, era pífia; o então presidente dos EUA, James Buchanan, nunca manifestou ter conhecimento na existência do homem. Joshua tentou também exercer a diplomacia internacional com a rainha Vitória na Inglaterra, manifestando interesse em “unificar as monarquias”, porém, sem resposta. Os confederados Jefferson Davis e Abraham Lincoln também foram convidados para seus eventos, mas ignoraram.
Com o tempo, a figura do inglês perdeu força, chegando a ser preso por um guardinha, em 1867, que acreditava fielmente em sua loucura. Levado por um hospício, seus seguidores mobilizaram uma revolta popular por sua liberação, chegando a ter um pedido formal de desculpas pelo chefe de polícia local.
Quando faleceu, em 8 de janeiro de 1880, teve uma visitação aberta ao público, com mais de 10 mil visitantes. Na nota de falecimento, o critério de comparação com os políticos convencionais do país justificava o clamor popular por uma figura sem poder: “O Imperador Norton não matou, não roubou e não expulsou ninguém de seu país. Poderíamos dizer isso da maioria dos indivíduos que exerceram seu cargo?”.