A covardia das entidades de defesa dos negros
Acima, Heraldo Pereira; no alto Joaquim Barbosa: há quem não suporte negros bem-sucedidos
Pode demorar um pouco, mas chegará o dia em que esta história será devidamente contada. Um leitor enviou para a área de comentários trecho de um, digamos assim, “texto” de Paulo Henrique Amorim sobre a decretação da prisão dos mensaleiros. Não fosse a página patrocinada pela Caixa Econômica Federal, uma estatal, eu deixaria pra lá. Mas é. Reproduzo trecho do texto. E isso é apenas parte das barbaridades que esse banco financia. Segue em vermelho. Volto em seguida.
*
No feriado, no Dia da República, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa expediu os mandados de prisão de membros da primeira geração de fundadores do PT, ao lado de Luis (sic) Inácio Lula da Silva.
Ainda não foi possível mandar prender Lula nem a Presidenta Dilma Rousseff.
O gesto fulminante, fora da rotina prisional, como se estivesse à caça de meliantes de alta periculosidade, o Presidente do Supremo se candidata de forma eloquente a um cargo supremo, no âmbito da Política.
E permite imaginar que tenha realizado um sonho de vingança.
Como Lula jamais justificou sua nomeação como derivada exclusivamente por méritos profissionais, Barbosa precisou mostrar que tinha outros atributos.
A ousadia, a obstinação, por exemplo.
Entrou para a História.
Em qual capítulo será preciso definir.
(…)
Dirceu, Delúbio e Genoino vão presos de cabeça erguida.
Com o braço erguido, desafiador.
Foram presos duas vezes.
Como lideres políticos em busca da Democracia e como vitimas dela.
Retomo
Ele escreve assim mesmo, nesse estilo esguicho de pato. A última linha é uma pérola mesmo quando se é Paulo Henrique Amorim. Então os petistas foram “vítimas da democracia”? Parece uma boa definição. Qualquer indivíduo lógico há de concluir que só é vítima da democracia” quem tenta fraudá-la, não é mesmo? Até este senhor é capaz de dizer uma coisa certa. Quando se distrai.
Mas isso não é o mais grave em seu texto. Eis como se refere a Joaquim Barbosa:
O gesto fulminante, fora da rotina prisional, como se estivesse à caça de meliantes de alta periculosidade, o Presidente do Supremo se candidata de forma eloquente a um cargo supremo, no âmbito da Política.
E permite imaginar que tenha realizado um sonho de vingança.
Como Lula jamais justificou sua nomeação como derivada exclusivamente por méritos profissionais, Barbosa precisou mostrar que tinha outros atributos.
Amorim está dizendo que Joaquim Barbosa foi nomeado para o Supremo porque é negro, não porque tenha currículo. A sugestão explica o uso da palavra “vingança”. Estaria se vingando, então, dos brancos. É impressionante! Quando decidiu atacar o jornalista Heraldo Pereira, da TV Globo, este senhor fez a mesma coisa. Além de chamá-lo de “negro de alma branca”, afirmou: “[Heraldo] não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde.”
Ele é livre para detestar Barbosa. Ele é livre para detestar Heraldo. Cabe, no entanto, uma pergunta óbvia, basilar, fundamental: e se os dois fossem brancos? Amorim, evidentemente, não poderia bater nessa tecla. Quaisquer que sejam as qualidades ou os defeitos do ministro e do jornalista, o que a cor da pele tem a ver com isso? É impressionante: Heraldo e Barbosa são negros. Heraldo e Barbosa são negros e bem-sucedidos. Heraldo e Barbosa são negros, bem-sucedidos e ocupam o topo das respectivas carreiras que decidiram abraçar. Nos dois casos, Amorim não se conforma. Acha que lhes foram concedidos privilégios só porque são… negros!
Quando esse cara vê um negro de vassoura na mão, servindo cafezinho ou lavando para-brisa no farol, não lhe ocorre dizer que aquelas pessoas só alcançaram a sua posição em razão da cor de sua pele. Isso não o incomoda? Parece que ele não suporta é ver um negro com a toga sobre os ombros. Parece que ele não suporta é ver um negro no Jornal Nacional, titular de uma coluna de política na maior emissora do país. O “Detector de Negros Injustamente Bem-Sucedidos” desse grande homem apita: “Aí tem coisa; se são negros e estão nessa posição, alguém decidiu ser bonzinho com eles: um branco!”.
A matriz desse registro, não há como, é o preconceito. No caso de Heraldo, a Justiça obrigou Amorim a publicar em jornais de circulação nacional uma retratação. Ele tentou debochar do juiz, mas acabou cumprindo a determinação. Fica evidente, no entanto, que não se emendou. O preconceito é mais forte.
Ora, é evidente que Amorim não se incomoda com negros bem-sucedidos que pensam o que ele pensa, que fazem o que ele acha que tem de ser feito, que se comportam da maneira que ela acha a correta. Esse Colosso de Rhodes da ética só não suporta negros que pensam errado, entenderam? Quando isso acontece, ele não tem dúvida: transforma a cor da pele num fator determinante de caráter — de um caráter que ele considera mau! É bem verdade que ser atacado por Amorim é uma distinção moral.
Cadê os movimentos negros?
Cadê os movimentos negros? Que covardia asquerosa é essa? No caso de Heraldo, já ficaram calados, não disseram um “a”, nada! Desde que o julgamento do mensalão começou, no dia 2 de agosto do ano passado, Joaquim Barbosa virou alvo dos ataques racistas os mais odientos. Também no seu caso, silêncio. Não é difícil saber por quê. Parte dos movimentos negros não passa de uma franja do PT ou está atrelada, de algum modo, ao governo federal. Esses grupos se tornaram oficialistas. São movimentos negros de alma negra, sim, mas a sua política é chapa-branca.
O arquivo está aí. Já critiquei Joaquim Barbosa dezenas de vezes. Há considerações que ele faz sobre política das quais discordo de modo absoluto. Já fiz reparos também a seu comportamento no tribunal. Mas eu discordo de um homem, de um ministro, de um juiz, não da cor da sua pele.
Para encerrar
A CEF deveria — mas sei que não vai — tomar cuidado com o que patrocina. Em 2011, uma peça publicitária do banco inventou um Machado de Assis verdadeiramente ariano, branco como leite. Apontei o absurdo aqui. A propaganda foi retirada do ar. Agora empresta o seu logotipo a um texto que atribui à cor da pele as decisões que toma Barbosa. E que se lembre: Henrique Pizzolato, o mensaleiro fujão, era diretor do Banco do Brasil, outra das estatais que financiam o vale-tudo na Internet.
Por Reinaldo Azevedo