A disputa entre monarquia britânica e Etiópia por devolução de restos mortais de príncipe africano
O Palácio de Buckingham recusou um pedido para devolver os restos mortais de um príncipe etíope que foi enterrado no Castelo de Windsor no século 19.
O príncipe Alemayehu foi levado para o Reino Unido com apenas 7 anos de idade e ficou órfão depois que a mãe dele morreu na viagem.
A rainha Vitória se interessou por ele e providenciou sua educação — além de seu enterro, quando ele morreu com apenas 18 anos.
Mas a família dele quer que os restos mortais sejam enviados de volta para a Etiópia.
“Queremos os restos mortais como família e como etíopes, porque esse não é o país onde ele nasceu”, disse um de seus descendentes, Fasil Minas, à BBC.
“Não foi certo” ele ser enterrado no Reino Unido, acrescentou.
Mas, em um comunicado enviado à BBC, um porta-voz do Palácio de Buckingham disse que o processo de remoção dos restos mortais pode afetar outros corpos enterrados nas catacumbas da Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor.
“É muito improvável que seja possível exumar os restos mortais sem perturbar o local de descanso de um número substancial de outras pessoas nas proximidades”, disse o palácio.
A declaração acrescenta que as autoridades da capela são sensíveis à necessidade de honrar a memória do príncipe Alemayehu, mas também têm “a responsabilidade de preservar a dignidade do falecido”.
Também disse que no passado a Casa Real havia “atendido a pedidos de delegações etíopes para visitar” a capela.
Sem resposta
O fato de o príncipe Alemayehu ter terminado a vida dele no Reino Unido tão jovem foi o resultado da ação imperial e do fracasso da diplomacia.
Em 1862, em um esforço para fortalecer seu império, o pai do príncipe, o imperador Tewodros 2, buscou uma aliança com o Reino Unido, mas suas cartas não obtiveram uma resposta da rainha Vitória.
Irritado com o silêncio e fazendo justiça com as próprias mãos, o imperador manteve alguns europeus, entre eles o cônsul britânico, como reféns. Isso precipitou uma enorme expedição militar, envolvendo cerca de 13 mil soldados britânicos e indianos, para resgatá-los.
A força também incluiu um funcionário do Museu Britânico.
Em abril de 1868, eles sitiaram a fortaleza montanhosa de Tewodros, em Maqdala, no norte da Etiópia, e, em questão de horas, dominaram as defesas.
O imperador decidiu que preferia tirar a própria vida a ser prisioneiro dos britânicos – uma ação que o transformou em uma figura heróica entre seu povo.
Após a batalha, os britânicos saquearam milhares de artefatos culturais e religiosos, incluindo coroas de ouro, manuscritos, colares e vestidos.
Os historiadores dizem que dezenas de elefantes e centenas de mulas foram necessárias para transportar os tesouros, que hoje estão espalhados por museus e bibliotecas europeus, assim como em coleções particulares.
Os britânicos também levaram embora o príncipe Alemayehu e a mãe dele, a imperatriz Tiruwork Wube.
Os britânicos podem ter pensado que isso era para mantê-los seguros e evitar que fossem capturados e possivelmente mortos pelos inimigos de Tewodros, que estavam perto de Maqdala, de acordo com Andrew Heavens, cujo livro The Prince and the Plunder relata a vida de Alemayehu.
Após a chegada dele à Grã-Bretanha, em junho de 1868, a situação do príncipe e sua condição de órfão atraíram a simpatia da rainha Vitória. Os dois se conheceram na casa de férias da rainha na Ilha de Wight, perto da costa sul da Inglaterra.
Ela concordou em apoiá-lo financeiramente e colocá-lo sob a guarda do capitão Tristram Charles Sawyer Speedy, que se tornou tutor do príncipe da Etiópia.
Eles primeiro viveram juntos na Ilha de Wight e depois o Capitão Speedy o levou para outras partes do mundo, incluindo a Índia.
Mas foi decidido que o príncipe deveria ter uma educação formal.
Ele foi enviado para a escola pública britânica de Rugby, mas não foi feliz lá. Mais tarde, ele se mudou para o Royal Military College em Sandhurst, onde foi submetido a bullying.
O príncipe tinha um “desejo” de voltar para casa, diz a correspondência citada por Heavens, mas essa ideia foi rapidamente anulada.
“Sinto por ele como se o conhecesse. Ele foi deslocado da Etiópia, da África, da terra dos negros e permaneceu lá como se não tivesse casa”, disse seu descendente Abebech Kasa à BBC.
Eventualmente, Alemayehu acabou sendo ensinado em uma casa particular em Leeds. Mas ele ficou doente, possivelmente com pneumonia, e a certa altura recusou o tratamento pensando que havia sido envenenado.
Depois de uma década no exílio, o príncipe morreu em 1879 com apenas 18 anos.
A doença dele tornou-se assunto de artigos na imprensa nacional e a Rainha Vitória escreveu em seu diário sobre a tristeza pela morte dele.
“Muito triste e chocada ao saber por telegrama que o bom Alemayehu faleceu esta manhã. É muito triste! Sozinho, em um país estranho, sem uma única pessoa ou parente pertencente a ele”, disse ela.
“A vida dele não foi feliz, cheia de dificuldades de todo tipo, e era tão sensível, pensando que as pessoas olhavam para ele por causa de sua cor… Todos lamentam muito.”
Ela então providenciou o enterro dele no Castelo de Windsor.
Os pedidos para que os restos mortais retornem não são novos.
Em 2007, o então presidente do país, Girma Wolde-Giorgis, enviou um pedido formal à rainha Elizabeth 2ª para que o corpo fosse devolvido, mas esses esforços foram infrutíferos.
“Nós o queremos de volta. Não queremos que ele permaneça em um país estrangeiro”, disse Abebech Kasa.
“Ele teve uma vida triste. Quando penso nele, choro. Se eles concordarem em devolver seus restos mortais, pensarei nisso como se ele voltasse vivo para casa.”
Ele espera obter uma resposta positiva do recém-coroado rei Charles 3º.
“A restituição é usada como uma forma de reconciliação, de reconhecer o que estava errado no passado”, diz a professora Alula Pankhurst, especialista em relações anglo-etíopes.
Ela acredita que o retorno do corpo seria “uma forma de a Grã-Bretanha repensar seu passado. É uma reflexão e uma aceitação de um passado imperial”.